jueves, 2 de octubre de 2014

A atualidade da "Rosa Vermelha".


reprodução


Há cerca de um ano e meio assisti a um filme sobre Rosa Luxemburgo ( "Rosa Luxemburgo"
de Margarethe Von Trotta. Abaixo segue trecho dele)* que me deixou encantada com a personalidade da mulher que fora conhecida nos círculos da esquerda como "Rosa Vermelha". 



*Reprodução fiel das discussões dentro do Partido Social Democrata Alemão, na entrada do século 20, com destaque para o debate sobre reforma ou revolução e Rosa Luxemburgo. Uma excelente reconstituição da agitação da época e da vida de Rosa Luxemburgo



E abaixo um vídeo da TV TELESUR que mostra uma marcha  com mais de 20 mil pessoas realizada em janeiro de 2012 na Alemanha  em homenagem aos 93 anos  de assassinato de Rosa. Ou seja, nesse ano, já se passaram 95 anos após o assassinato da revolucionária que encantava massas populares naquele país. 





Li muito pouco da literatura  por ela produzida, mas me estimulou, sobretudo, a coragem e capacidade de a mesma enfrentar os debates internos do partido social-democrata alemão, buscando superar desvios hediondos que se deram nas direções, em maioria composta por homens, no desejo de se fazer valer o respeito a livre debate dentro das organizações. 


A fora isso, encantou-me  a  capacidade de envolver outras pessoas na luta pela revolução socialista a partir da sua personalidade forte,  corajosa, compassiva e carismática. 
É  muito provável que existam equívocos nos conteúdos políticos de suas teorias, bem como, muitos acertos, mas reproduzo aqui alguns textos que fazem referência a atualidade do pensamento dessa revolucionária, muito mais como uma forma de demonstrar a minha admiração por ela, que propriamente  concordar com o conteúdo político. Terei que   queimar vários neurônios para me apropriar de suas análises no pouco tempo livre que temos nessa sociedade que rouba os tempos livres e os sonhos. 
Mas sigamos resistindo!



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Como Rosa Luxemburgo, morta há 95 anos, ajuda a reinventar, em tempos de crise do capitalismo, o pensamento de Marx 
Entrevista de Isabel Loureiro | Imagem: Rolando Astarita
(Publicado originalmente em 19/3/13. Atualizado em 15/1/14)
Há cinco anos, surgiu e cresce, em paralelo a uma crise do capitalismo duradoura e de final imprevisível, um movimento intelectual surpreendente: a reabilitação das ideias de Karl Marx. O filósofo alemão, que muitos desprezaram após a queda do Muro de Berlim, está de volta. Seus livros são republicados em todo o mundo, com tiragens e repercussão expressivas. Não raro, sua importância e contemporaneidade são reconhecidas até mesmo por publicações conservadoras e por consultores ilustres das grandes finanças globais.
Num 15 de janeiro como hoje, era assassinada, em Berlim, uma pensadora e militante que se apaixonou pelo marxismo muito jovem, viveu intensamente sob sua influência e contribuiu para enriquecê-lo – mas foi esquecida, no século 20, tanto pelo socialismo soviético quanto pelas correntes hegemônicas entre a esquerda. Estamos falando de Rosa Luxemburgo.
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Talvez esta polonesa judia, que se tornou líder da Revolução Alemã de 1918 (1 2 3) seja importante hoje exatamente pelos motivos que a fizeram maldita no passado. É o que pensa a filósofa Isabel Loureiro, principal estudiosa da obra de Rosa no Brasil, autora de diversos livros sobre a líder da Revolução Alemã de 1918 e organizadora de uma vasta coletânea sobre sua obra, em três volumes (1 2 3), 
A primeira particularidade de Rosa, avalia Isabel, é ponto de vista extremamente sofisticado sobre Revolução, Reformas e Poder. Rosa enxergava a importância (e a beleza…) das revoluções — as mudanças inesperadas, os grandes movimentos da História em que as maiorias desafiam o automatismo enfadonho das relações sociais e viram a mesa. Mas via estes momentos como a abertura de um longo processo de mudanças, não como mera oportunidade para instalar novos grupos no poder de Estado.
Disso derivava seu grande empenho em construir formas avançadas de democracia. Para transformar a vida, pensava ela, as sociedades precisavam enxergá-la; deviam superar a alienação, a repetição quase inconsciente de relações consolidadas ao longo do tempo. Esta lenta conquista de autonomia exige, é claro, abertura ao debate, à crítica e à polêmica. Por isso, Rosa, embora aliada a Lênin na luta contra o amortecimento e burocratização do marxismo, no início do século 20, divergiu abertamente das tendências centralizadoras do revolucionário russo. Em consequência, “foi posta no índex dos partidos comunistas”, diz Isabel Loureiro.
Mas esta combinação de rebeldia contra o capitalismo e desejo de valorizar a autonomia não fará de Rosa uma autora a ser estudada com atenção especial em nossos dias? Sua obra não será, de certa forma, um convite a rever a obra de Marx e reinventar seus sentidos? Isabel pensa que sim. Na entrevista abaixo, ela, que dedicou um dos três volumes da coletânea de Rosa à correspondência trocada com amigos e amantes, frisa: “Pelas cartas, podemos acompanhar seu doloroso processo de amadurecimento, conflitos amorosos, desejo de ser feliz, suas reclamações de como a vida política era desumana, seu grande amor à natureza e suas reflexões sobre arte”. (A.M.)
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Isabel Loureiro: “Rosa tem uma concepção aberta do marxismo. Para ela, Marx não era uma Bíblia com verdades prontas e imutáveis, mas manancial que permite levar adiante trabalho de compreensão do mundo contemporâneo”
Pouco mais de um ano depois de lançar uma coletânea de três volumes sobre a obra de Rosa Luxemburgo, você organizou, em 2013, um seminário de três meses sobre o tema. Em que Rosa e sua visão particular do marxismo podem ajudar os novos movimentos que questionam o capitalismo no século 21?
Essa foi precisamente a pergunta que me fiz quando comecei a preparar o seminário. Por que, quase cem anos depois de seu assassinato, voltar a discutir as ideias de uma revolucionária marxista clássica, formada na cultura humanista europeia do século 19, cujo mundo desmoronou com a Primeira Guerra Mundial? A resposta não é evidente. Por que sua interpretação de Marx ainda hoje é atual? Para começar, Rosa tem uma concepção aberta do marxismo. No seu entender a teoria de Marx não era uma Bíblia com verdades prontas e imutáveis que os fieis tinham que seguir sem questionar, mas um manancial inesgotável que permite levar adiante o trabalho de compreensão do mundo contemporâneo.
Por isso mesmo, ela nunca hesitou em criticar as vacas sagradas do marxismo europeu, como Bernstein e Kautsky, e nem sequer o próprio Marx. Essa independência intelectual é, para os marxistas – que infelizmente têm uma tendência ao dogmatismo e à ossificação – uma indicação de que precisam continuar pesquisando e criando conceitos que permitam dar conta da nova fase da acumulação do capital e da nova situação em que se encontram as forças sociais. Além disso, Rosa acrescenta à teoria de Marx algo original, propriamente seu: a ideia de que as transformações sociais são fruto da ação autônoma das massas populares que, na luta quotidiana pela ampliação de direitos e, sobretudo, na luta revolucionária pela transformação radical da sociedade capitalista, ou seja, no seu processo de existência real, forjam sua consciência político-social. Em resumo, e simplificando muito, se queremos mudar o que está aí, devemos agir aqui e agora, porque a nossa ação é o que pode interromper o curso da história em direção ao abismo.
Alguns aspectos centrais que você enxerga no pensamento de Rosa têm muito a ver com a nova cultura política de autonomia e horizontalidade. Por que você a identifica com a crítica ao vanguardismo, à burocratização e ao centralismo?
Esses pontos que você menciona resumem bem o que opôs Rosa Luxemburgo à social-democracia e ao bolchevismo e continuam sendo de grande atualidade na cultura da esquerda. Durante o século 20, Rosa foi posta no índex dos partidos comunistas devido à sua crítica a Lênin e aos bolcheviques. Foi usada como ícone revolucionário pelos comunistas da antiga Alemanha Oriental (RDA), mas suas ideias democráticas e libertárias foram deixadas na sombra ou censuradas. O stalinismo acusou-a de espontaneísta, de não dar importância à organização política.
É preciso deixar claro que Rosa não é contra a organização (afinal ela sempre militou num partido político), e sim contra uma concepção de partido como vanguarda de revolucionários profissionais, hierarquicamente separada das massas, e que leva de fora a consciência às massas informes. Essa crítica era endereçada tanto à social-democracia, quanto ao bolchevismo. Para Rosa, que é herdeira do Iluminismo, o verdadeiro líder político é aquele que esclarece, que destrói a cegueira da massa, que transforma a massa em liderança, que acaba com a separação entre dirigentes e dirigidos, que contribui para formar aquilo que ela considera o mais importante pré-requisito de uma humanidade emancipada: a autonomia intelectual, o pensamento crítico das massas trabalhadoras. E, por sua vez, a autonomia intelectual requer a existência de liberdades democráticas: direito de reunião, associação, imprensa livre, etc. Daí a crítica que Rosa faz aos bolcheviques por terem eliminado o espaço público, que ela vê como o único antídoto contra a burocratização do partido e dos sovietes.
No seminário, uma sessão foi dedicada à “dialética entre reforma e revolução”. Algumas das características mais marcantes da nova cultura é o desejo de produzir mudanças, ainda que parciais; a recusa a reduzir a política a eleições, ou mesmo a apostar na revolução como um momento mágico e transcendente, em que toda a sociedade se transforma. O que Rosa poderia dizer sobre isso?
Esse é mais um ponto em que Rosa continua sendo atual. Ela queria uma humanidade em que houvesse liberdade e justiça social; para isso, era necessário passar do capitalismo ao socialismo. Porém, essa transição só seria possível com a mais ampla participação dos de baixo nos assuntos que lhes dizem respeito, o que significava um longo processo de amadurecimento, de correção de rota, etc. Daí a necessidade do debate público. A revolução não consistia na troca de homens no poder, era muito mais que isso, era todo um processo econômico, social, cultural e, claro, político – isto é, de tomada do poder pelos trabalhadores, que levaria muito tempo para se efetivar. Resumindo: no pensamento de Rosa Luxemburgo a ideia de tomada do poder – revolução como quebra rápida das relações de poder existentes – não se separa da ideia de mudança estrutural da sociedade, o que implica mudança de valores, ou seja, uma revolução no longo prazo. Para ela, as duas coisas precisam ocorrer conjuntamente.
Vivemos num mundo em que estão abertas janelas tanto para enormes transformações como para riscos de desumanização inéditos. Estão aí os drones, a tentativa de controlar a internet e vigiar os cidadãos por meio dela, os sinais de xenofobia, os grupos nazistas em certos países europeus. “Socialismo ou barbárie”, uma consigna de Rosa, tem a ver com este futuro tão aberto?
Quando Rosa diz que a humanidade está perante o dilema “socialismo ou barbárie”, o que ela tem diante dos olhos é o horror da Primeira Guerra Mundial que, para aquela geração, foi um cruel divisor de águas. Pela primeira vez, as pessoas se deram conta de que os avanços tecnológicos podiam ser mortíferos, de que a modernização capitalista destruiria todos os obstáculos que aparecessem no caminho de seu avanço infernal. E a esquerda radical alemã, de que Rosa era uma das lideranças, via no socialismo a única alternativa capaz de barrar essa descida aos infernos.
Mas, ao mesmo tempo, ela também se dava conta de que, com a guerra e o chauvinismo, que haviam engolido as massas trabalhadoras europeias, a luta em prol do socialismo tinha se tornado infinitamente mais difícil. Acho que podemos fazer um paralelo com o que se passa hoje. Depois da queda do comunismo burocrático, parecia que agora sim o terreno estava finalmente livre para que as ideias socialistas democráticas vingassem. Mas o que vemos é que, precisamente num momento em que o capitalismo está em crise e sofre um golpe poderoso, no momento em que constantes e gigantescas manifestações da população europeia mostram claramente que o capitalismo chegou ao fim da linha, o que acontece em termos de mudança no rumo de uma sociedade mais justa, mais igualitária? Absolutamente nada!
Os governantes continuam fazendo os ajustes pedidos pelo capital financeiro e as populações vivem num permanente estado de sítio econômico, sem saber o que o dia de amanhã lhes reserva. Precisamos nos perguntar por que, precisamente num momento em que caiu a máscara ideológica do neoliberalismo, a esquerda não consegue aparecer como alternativa. É necessário rever a história da esquerda institucional europeia para entender porque isso acontece. E aqui, mais uma vez, Rosa Luxemburgo tem o que dizer com sua crítica à adesão da social-democracia alemã ao estado de coisas vigente.
A democracia institucional está esvaziada e em crise, mas os novos movimentos reivindicam formas cada vez mais democráticas de decisão — inclusive em seu próprio interior. De que forma o debate sobre o partido, que opôs Rosa Luxemburgo a Lênin, no início do século XX, pode informar este anseio por democracia?
É preciso que fique claro que Rosa Luxemburgo é contra a abolição da democracia “burguesa” tal como ocorreu no mundo soviético. O que ela quer é complementar a liberdade política com a igualdade social. Isso significa que o pluralismo partidário, a imprensa livre, a liberdade de associação, etc. devem ser preservados. Rosa era uma marxista clássica, como eu disse, que tinha uma visão muito crítica dos regimes autoritários do seu tempo, como o czarismo e o império alemão.
Ao mesmo tempo, também se deve enfatizar que ela, diferentemente de seu companheiro de partido Eduard Bernstein, não tem ilusões quanto à democracia burguesa parlamentar. Ela não acredita na transição ao socialismo pela via eleitoral. Durante a revolução alemã de 1918, Rosa ficou entusiasmada com os conselhos de operários e soldados que surgiram no início do movimento, vendo neles uma forma de ampliar a participação dos de baixo. Mas não foi muito longe nestas reflexões, pois foi assassinada pouco tempo depois.
É muito comum que a esquerda libertária recorra ao exemplo dos conselhos como panacéia que supostamente resolveria os problemas da democracia representativa. É sem dúvida uma forma democrática que deve ser preservada, sobretudo no âmbito local. Mas penso que devemos pensar, como Rosa indicou sem aprofundar em seu texto de crítica aos bolcheviques escrito na prisão em 1918, que o ideal é combinar mecanismos de democracia representativa com mecanismos de democracia direta.
Hugo Chávez, símbolo do “socialismo do século 21″ para parte da esquerda, baseou sua ação num Estado forte e num comando centralizado. Em contrapartida, os zapatistas difundem a ideia de  “mudar o mundo sem tomar o poder”, cunhada por John Holloway. O que o pensamento de Rosa  sugeriria, sobre esta polêmica?
Rosa defende a tomada do poder de Estado pelos trabalhadores. Nesse sentido, ela se oporia à fórmula de Holloway. No entanto, ao defender a necessidade da transformação radical dos valores burgueses-capitalistas na transição ao socialismo ela percebe que a revolução é um processo muito mais complicado, lento e doloroso que a simples tomada do poder de Estado. Ao mesmo tempo, ela não recusa a tomada do poder, vendo aí um meio de acelerar as mudanças necessárias. Porém, acima de tudo, para Rosa Luxemburgo, o novo grupo que chega ao poder tem a obrigação de preservar e/ou construir mecanismos de participação, de formação política, de criação de autonomia da massa popular e não eliminar os mecanismos democráticos existentes, como se fossem apenas expressão da dominação burguesa.
Crescem em todo o mundo, e em particular no Brasil, os movimentos que criticam a crença cega no “desenvolvimento”. A tradição marxista mais difundida também é desenvolvimentista. Materialista, acredita que o “desenvolvimento das forças produtivas” é anterior aos avanços da consciência. Rosa tem algo a dizer sobre isso?
Rosa é filha do seu tempo, e também filha do marxismo do seu tempo. Isso quer dizer que, por um lado, ela é defensora do desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, da modernização capitalista. Mas, por outro – e isso é interessante e atual sobretudo para nós da América Latina –, ela também enfatiza o aspecto sombrio dessa modernização capitalista, com todo o seu conhecido séquito de horrores: destruição violenta de modos de vida primitivos pelo capitalismo europeu, a fim de submetê-los aos mecanismos do mercado; guerra do ópio na China; enriquecimento da metrópole às custas do endividamento da periferia; acumulação de capital mediante compras de armas pelo Estado, o que favorece guerras de todos os tipos, etc. Essa postura avessa ao eurocentrismo e à ideia de que o progresso da civilização justifica os sofrimentos dos povos periféricos dá-nos elementos para repensar no que consiste verdadeiramente o progresso e se o capitalismo é mesmo o horizonte inelutável da humanidade.
De que forma permanece atual a noção de imperialismo, que era cara a Rosa Luxemburgo? Como este conceito sobrevive num mundo marcado pelo declínio dos EUA e Europa, pela ascensão dos BRICS e, ao mesmo tempo, pela difusão, nestes países, dos modos de vida típicos do capitalismo?
Para Rosa, o imperialismo não é, como para Lênin, uma “etapa superior do capitalismo” e sim uma característica do capitalismo desde as origens. Desde o início, o capitalismo precisou de mercados externos (por exemplo, ao transformar as economias primitivas em economias de mercado) para se reproduzir. A violência e o saque das camadas sociais não-capitalistas, que Marx restringia ao período da chamada “acumulação primitiva”, Rosa Luxemburgo considera uma característica do capitalismo até sua plena maturidade.
Hoje assistimos à mercantilização de tudo que ainda não foi transformado em mercadoria: serviços públicos, saúde, educação, cultura, conhecimento, direitos autorais, recursos ambientais, etc. É precisamente aqui que David Harvey, ao analisar o novo imperialismo, procede a uma interessante atualização da teoria de Rosa Luxemburgo, forjando o conceito de “acumulação por expropriação”. As feministas alemãs, também inspiradas em Rosa, incluem nesse âmbito o trabalho doméstico feminino. Logo, como podemos ver, apesar da ascensão dos BRICS, e apesar de algumas alterações na divisão do mundo entre centro e periferia, a verdade é que o imperialismo, ainda que novo, vai bem, obrigado.
Um dos três volumes da coletânea organizada por você trata da vida privada de Rosa, recupera cartas pessoais, discute sua condição de mulher. Por que este destaque, pouco comum na literatura marxista?
Antes de mais nada, é preciso observar que tivemos a sorte de suas cartas terem sido preservadas praticamente intactas graças à devoção dos amigos. Essa correspondência é um documento precioso sobre o socialismo alemão e internacional da época. Mas a minha escolha recaiu sobre as cartas aos amantes e amigos, pois queria mostrar, pelo exemplo de uma revolucionária, que mesmo a militância política requer qualidades que muitas vezes são desprezadas como pequeno-burguesas, ou sei lá o que.
O exemplo de Rosa se opõe à imagem falsificada do militante como um ser puritano que dedica 24 horas do dia à causa revolucionária. Pelas cartas, podemos acompanhar seu doloroso processo de amadurecimento, conflitos amorosos, desejo de ser feliz, suas reclamações de como a vida política era desumana, seu grande amor à natureza, reflexões sobre arte.
Ela vai se libertando aos poucos de um relacionamento amoroso que não a satisfazia e se afirmando como uma intelectual dona do seu nariz, que intervém no espaço público, que não teme enfrentar as vacas sagradas da social-democracia alemã, com uma vida privada bastante livre para os valores da época. É uma personagem muito rica do ponto de vista emocional, uma ótima escritora, uma pessoa com um amplo espectro de interesses: fala de pintura, literatura, botânica, geologia, e, sobretudo nas cartas da prisão, descreve o pouco de natureza que pode enxergar da janela da cela ou do pátio da prisão com grande sensibilidade e riqueza de detalhes. As cartas aos amigos eram seu jeito de fugir do cárcere. As cartas da prisão, publicadas pela primeira vez logo depois do seu assassinato e republicadas inúmeras vezes, levaram gerações de militantes a se interessarem por Rosa Luxemburgo. Quem sabe acontece o mesmo com a nossa coletânea, publicada em 2011 pela Editora UNESP? 

Fonte: http://outraspalavras.net/posts/a-atualidade-de-uma-marxista-rebelde/ 

A atualidade de Rosa Luxemburgo


Autor: 

 Isabel Loureiro



Quem conhece a história sabe que a desobediência é a virtude original do homem.
Oscar Wilde
Por que Rosa Luxemburgo hoje? Qual a atualidade de seu pensamento político para os movimentos sociais? Esta é a questão que me proponho a esclarecer aqui.
Quando escrevi meu doutorado no final dos anos 80/começo dos 90 minha preocupação era (assim como hoje) encontrar no pensamento político de Rosa Luxemburgo elementos para uma política de esquerda que fosse ao mesmo tempo revolucionária e enraizada nos problemas do presente. Eu buscava recuperar em Rosa a idéia de uma Realpolitik revolucionária, ou seja, a idéia de que para ela não é possível separar reforma e revolução.
No final dos anos 80 a esquerda tinha no horizonte o fim do socialismo na URSS e nos países do Leste europeu, e no Brasil as primeiras eleições diretas para presidente da República (Lula/Collor). Embora isso não seja dito no livro, o PT das origens era meu interlocutor oculto. Os dilemas que apresento na teoria e na prática política de RL pareciam-me ser naquela época os dilemas de uma esquerda socialista democrática que queria chegar ao poder de Estado sem abrir mão do programa socialista, sem deixar de lado a “coerência radical dos princípios” (Franz Mehring). Eu via a luta da esquerda no Brasil em 1989 (e mesmo depois) como uma luta para alargar os limites do possível no quadro do capitalismo, ou seja, como Realpolitik revolucionária (Gesammelte Werke 1/2, p.373) e foi nessa perspectiva que interpretei a teoria e a prática de Rosa Luxemburg.
Para mim essa teoria e essa prática eram atravessadas por uma tensão não-resolvida entre o determinismo economicista (típico da 2ª Internacional) e uma concepção de política em que a ação autônoma das massas populares cria um espaço público inteiramente diferente do espaço público burguês – e nesse sentido cria já em sociedades predominantemente capitalistas, a partir de baixo, da ação coletiva dos deserdados da terra, os germes de uma sociedade mais justa e mais igualitária. A oscilação de Rosa entre o pólo determinista e o pólo “autonomista” foi o que chamei de “dilemas da ação revolucionária” que há 12 anos atrás me parecia serem também os dilemas do PT.
Hoje, ao que tudo indica, para a esquerda governamental esses dilemas desapareceram (se é que existiram de fato e não apenas na minha cabeça). A “esquerda” no governo optou pela Realpolitik sem revolução: limita-se a aplicar automaticamente o programa do capital da maneira mais pragmática possível, alegando que não há outro caminho, que não há brechas no edifício monolítico do capital. There is no alternative, tal como apregoado pela primeira vez por M. Thatcher é o lema do atual governo. Não é descabido fazer um paralelo com a social-democracia alemã do começo do séc. XX que depois da queda da monarquia na Alemanha em novembro de 1918 aderiu de tal forma às forças do antigo regime (ficando prisioneira de uma lógica perversamente conservadora) que nem sequer conseguiu aproveitar o espaço político então existente para realizar as reformas democratizantes almejadas pelas forças populares, e que eram propostas do seu próprio programa. Como sabemos, a história se vingou posteriormente dessa falta de ousadia.
Em resumo, o que quero dizer com isto, é que hoje não existe mais diálogo entre as idéias de Rosa e a esquerda atualmente no poder no Brasil, diálogo que existia (como mostram p. ex. as resoluções do 7o Encontro Nacional, em 1990) no fim da década de 80. Mas isso não significa que as idéias de Rosa tenham deixado de ser atuais, e sim que ganharam uma nova atualidade. Vou procurar expor esta tese em três pontos com o objetivo de contribuir para a discussão que nos mobiliza hoje – a necessidade de refundar a esquerda.
***
Para introduzir essas questões vou me inspirar no ensaio de I. Wallerstein (Uma política para a esquerda no século XXI? Ou teoria e práxis novamente) em O espírito de Porto Alegre, que é uma contribuição para pensarmos o que seria hoje uma nova esquerda e de que modo as idéias de Rosa podem ajudar nesse projeto que hoje se encarna em parte nos movimentos antiglobalização.
Segundo Wallerstein, a esquerda do séc. 21, diferentemente da velha esquerda dos partidos políticos (social-democratas e comunistas) perdeu a crença numa teoria otimista da história, na idéia de uma história linear e progressista. Nisso ela é herdeira da Nova Esquerda que surgiu no que ele chama de “revolução mundial de 1968”, que não só rejeitou o centralismo dos partidos de esquerda tradicionais, mas mais importante, rejeitou, como disse, a teoria de uma história em progresso constante, que desembocaria na vitória do socialismo.
Considerando que essa é uma aquisição duradoura, uma estratégia para a esquerda mundial hoje precisa ser totalmente diferente da estratégia da esquerda no séc. 19 e parte do séc. 20. A estratégia da “velha esquerda” dividia-se em duas etapas: primeiro chega-se ao poder de Estado, depois transforma-se o mundo. Essa estratégia não foi bem sucedida, e o que aconteceu em grande parte dos países em que partidos de esquerda chegaram ao poder é que não se passou à segunda etapa. Para Wallerstein é aí que reside a desilusão com a “velha esquerda”. Basta lembrarmos, como sintoma mais recente dessa desilusão, o livro do cientista político John Holloway, Mudar o mundo sem tomar o poder, que visa precisamente elaborar uma teoria política a partir dos novos movimentos sociais deixando de lado a idéia de conquista do Estado, por considerá-la equivocada.
1. É aqui que podemos detectar um primeiro ponto da atualidade do pensamento político de RL: a defesa do socialismo democrático como resultado da ação autônoma das massas o que implica uma crítica indireta à estratégia das duas etapas.
Na sua polêmica com os bolcheviques quando da dissolução da Assembléia Constituinte, Rosa Luxemburgo defende incisivamente a idéia de que a tomada do poder não é uma etapa prévia à realização da democracia, e sim que tomar o poder e realizar a democracia são duas faces da mesma moeda. “A democracia socialista não começa somente na Terra prometida, quando tiver sido criada a infra-estrutura da economia socialista, como um presente de Natal, já pronto, para o bom povo que, entretanto, apoiou fielmente o punhado de ditadores socialistas” (A Revolução Russa, p.96). Liberdades democráticas, direito de associação e de reunião, imprensa livre são pré-requisitos indispensáveis para uma ampla circulação de idéias entre as massas populares, permitindo que saiam da menoridade em que foram postas por elas mesmas, mas sobretudo pela dominação absolutista (no caso da Rússia anterior à revolução) e capitalista.
Em outras palavras, Rosa não acredita que a conquista do poder de Estado baste para transformar a sociedade, e por isso defende a idéia de que tomar o poder e mudar o mundo (que no texto em pauta se traduz pela defesa da democracia já) são dois momentos inseparáveis de um só processo.1 Aliás, esta idéia aparece claramente no discurso de fundação do Partido Comunista Alemão quando diz que na revolução socialista não basta “derrubar o poder oficial no centro e substituí-lo por (...) algumas dúzias de homens novos. Precisamos trabalhar de baixo para cima (...) conquistar o poder político não por cima, mas por baixo.” (Rosa Luxemburg – Os dilemas da ação revolucionária, p.344) E nesse momento tinha surgido espontaneamente no bojo da revolução alemã uma grande novidade que permitia pensar numa democratização radical daquela sociedade: conselhos de operários e soldados.2
Rosa ficou conhecida como a teórica da greve de massas, e essa foi sem dúvida sua contribuição original à teoria marxista. A idéia básica é que as massas desorganizadas, incultas, ao passarem à ação se politizam, adquirem na luta consciência de sua condição e de seus objetivos revolucionários, e não precisam ficar à espera de que uma vanguarda lhes leve de fora a consciência. A vanguarda, o partido é porta-voz dos anseios das massas os quais ela sintetiza num programa, mas a vanguarda não substitui as massas em hipótese alguma. Sem essa dialética entre núcleo organizado e espontaneidade das massas não há esperança de mudança radical da sociedade capitalista.
Para Rosa, o que importa é a transformação econômica, política e cultural da sociedade levada a cabo pela ação (organizada e consciente, mas também espontânea, inconsciente) das massas populares. Esta idéia, ainda que com modificações, está na base dos movimentos sociais contemporâneos que vêem por exemplo nos Fóruns Sociais (mas também em todas as mobilizações como na Argentina com os piqueteros, a rebelião indígena na Bolívia durante a guerra do gás, a ocupação de terras pelo MST, etc.) a oportunidade de construir o que poderíamos chamar de espaço público popular, uma forma nova de articular o indivíduo e a coletividade, muito diferente do funcionamento regular das instituições nas democracias burguesas em que os indivíduos nada mais são que um aglomerado de mônadas isoladas se relacionando umas com as outras exclusivamente por meio do mercado. A construção desse EPP nos quadros da sociedade existente é demorada, problemática, contraditória. Mas sem ele, pensa Rosa (e os fracassos do socialismo real lhe deram razão), não é possível criar uma sociedade democrática que transcenda a dominação do capital.
Em resumo, e essa é uma idéia bem atual, o socialismo só constituirá uma forma de vida qualitativamente diferente se for instituído a partir de baixo, com a participação ampla e ativa das massas populares. Assim sendo, para Rosa a revolução é um processo social e não apenas a tomada do poder por um partido de esquerda (embora ela não descarte a tomada do poder). É muito atual em Rosa sua recusa do vanguardismo – a idéia de que o socialismo só pode ser construído se houver indivíduos conscientes, esclarecidos, dotados de autonomia intelectual e moral, que tenham todos e cada um consciência da dominação. Nessa perspectiva a revolução é um processo longo, cuja construção começa já no interior da própria ordem capitalista e que continua de maneira acelerada quando ocorre a derrubada da antiga ordem por meio de uma rebelião popular.
2. A crítica de Rosa Luxemburgo à concepção de partido hierarquizado, centralizado também continua atual. Essa crítica tem dois aspectos:
a. no que se refere estritamente ao partido, Rosa critica, como sabemos, a concepção leninista do partido-vanguarda, uma organização centralizada e hierarquizada de revolucionários profissionais. Enquanto Lenin dizia (Um passo à frente, dois passos atrás) que os revolucionários social-democratas (na terminologia do começo do séc. 20) eram como “jacobinos ligados à organização dos operários com consciência de classe”, o que implicava exterioridade entre a vanguarda e a classe trabalhadora, entre organização e espontaneidade, Rosa dizia que a “social-democracia não está ligada à organização da classe operária, ela é o próprio movimento da classe operária.” (QO,43) Nessa medida, o partido é expressão das diversas correntes que atravessam a classe operária, mas não só a classe operária. Rosa entende o partido social-democrata como partido-classe/partido de massas que engloba a oposição do proletariado à burguesia e também a oposição não-proletária à burguesia (ou seja, a pequena burguesia que está se proletarizando) (Questões de organização da social-democracia russa, p.57). Assim sendo, se o partido não é uma organização rigidamente hierarquizada e centralizada de revolucionários profissionais, mas a expressão das experiências históricas dos de baixo, não é possível eliminar o oportunismo por meio de um estatuto previamente estabelecido, nem por uma disciplina severa.
Assim sendo, Rosa critica em Lenin a tentativa de fazer da disciplina um elemento central da organização. Para ela é preciso extirpar o “espírito de disciplina servil” inculcado no proletariado pela família, pelo exército, pela fábrica, e pela burocracia do Estado moderno, extirpar a obediência em que ele é educado, disciplina e obediência que são interiorizadas, o que só pode ocorrer com iniciativas práticas anti-autoritárias. Só assim a “disciplina servil” pode ser substituída por uma “nova disciplina”, a “auto-disciplina voluntária da social-democracia” (p.45).
Em resumo, o partido de esquerda, segundo Rosa, é uma organização flexível em que coabitam diversas correntes (formadas por indivíduos autônomos), que apoiam um programa mínimo: não participar do governo, não votar créditos de guerra nem o orçamento do Estado – tudo isso explode em agosto de 1914. E como a experiência que ela teve no partido social-democrata alemão sempre foi problemática, Rosa aposta sempre, contra o partido (embora não tivesse idéias anarquistas), na espontaneidade criadora das massas.
b. contra a idéia de uma forma privilegiada de organização, o partido, Rosa é defensora de múltiplas formas de organização. Ela concordaria com Wallerstein (p.31), para quem “Os componentes sociais que potencialmente constituem a esquerda são muito diversos, enfrentam muitos problemas diferentes imediatos, originam-se em lugares culturais muito diversos para que funcione um sistema de centralismo democrático, mesmo que seja genuinamente democrático.” É porque as forças anti-sistêmicas são multifacetadas que faz sentido a defesa de um EPP formado por múltiplas formas de associação, organização, movimentos, marchas populares, lutas, em que os de baixo põem em prática as mais variadas experiências. Para Rosa essas experiências podem encarnar-se no partido, nos sindicatos, nos conselhos, hoje nos chamados movimentos sociais, ontem e sempre na rebeldia espontânea: não há uma única forma de organização das massas populares, pois o processo de transformação recíproca da luta de classes e do capitalismo leva a contínuas modificações das formas organizativas.
Para Rosa, assim como para os movimentos sociais de nossa época, é da participação dos de baixo – da experiência das massas populares – que vem a esperança de mudar o mundo. Não apenas aos políticos profissionais – mesmo os de partidos de esquerda – está reservada a grande missão transformadora. Muito pelo contrário, deles pouco ou nada se pode esperar. Por isso os movimentos sociais são partidários da ação direta, não ficam à espera de soluções parlamentares; eles sabem que os representantes eleitos para o parlamento fazem parte de uma estrutura de poder cooptada pelo capital. A política parlamentar só preserva os interesses populares quando forçada a isso em épocas de intensa mobilização coletiva. Quando contra o vírus do parlamentarismo que se propagava na social-democracia alemã, Rosa Luxemburgo adotava o verso do Fausto, “no princípio era a ação”, ela revelava um profundo e acertado ceticismo em relação à possibilidade de os mecanismos parlamentares por si sós conquistarem e preservarem direitos de quem não possui capital.
Subverter a base do edifício requer superar a separação entre política e vida social, ir além da política vista como atividade especializada de profissionais. Nessa perspectiva não há separação (ou não deve haver) entre os que sabem e os que não sabem, os organizados e os sem-organização. Sem a espontaneidade dos homens e das mulheres comuns que resistem individual e coletivamente das mais diferentes maneiras, ainda que contraditórias, à sujeição ao capital, é impensável uma política emancipadora.
Pelas razões apontadas (tomar o poder e mudar o mundo não são etapas separadas; partido como organização flexível de várias correntes de opinião de esquerda; defesa de múltiplas formas de organização dos de baixo; socialismo como criação autônoma das massas e não como instituição por meio dos decretos de uma vanguarda) Rosa foi vista durante o séc. 20 como uma alternativa socialista democrática ao socialismo realmente existente, como crítica da burocracia nos países comunistas.
3. E por fim há um último ponto que gostaria de assinalar e que considero de grande atualidade, sobretudo no Brasil, que é a palavra de ordem socialismo ou barbárie, o que certamente pode parecer ridículo. Como falar de uma alternativa socialista num país que corre desembestado pelos trilhos das políticas neoliberais? Mas vamos lá.
A primeira observação a fazer é que a alternativa socialismo ou barbárie significa que o mundo tanto pode ir numa direção quanto na outra, que não há garantias, que o desfecho depende da luta de classes, que é imprevisível.
A segunda observação é que se não tivermos como objetivo de nossa luta o socialismo não sairemos da mesmice atual, que é a barbárie capitalista com toda a sua ferocidade. A idéia de uma alternativa socialista para o Brasil me foi sugerida por um artigo de Plínio de Arruda Sampaio Jr. publicado no n. 48 da revista Reportagem (set. 2003), Desenvolvimento não é crescimento. Nesse artigo, ao desenvolver a idéia do título, o Autor mostra que apesar do crescimento econômico que tem existido no país, ele não se traduziu em maior igualdade social. O problema da fratura social não estaria portanto num déficit de crescimento, e sim na busca equivocada de imitar o modelo de civilização surgido da revolução industrial, que leva necessariamente à dicotomia entre ricos e pobres (e eu acrescentaria, à destruição irremediável do meio-ambiente).
A conclusão de Plínio é que “a retomada do desenvolvimento [que não se reduz a crescimento] passa necessariamente por uma mudança radical do estilo de desenvolvimento da economia brasileira, o que requer coragem para enfrentar o status quo e criatividade para vislumbrar novos horizontes.” (p.51) O Autor dá indicações em termos de um programa mínimo: trata-se de superar uma modernização que se restringe a ter por modelo o consumo dos países avançados, vencer a subordinação ao capital financeiro, e recuperar a capacidade de intervenção do Estado na economia.
Nós podemos acrescentar que esse programa mínimo (as reformas, no sentido de Rosa Luxemburg) só tem sentido pleno ligado a um programa máximo, que vê a alternativa socialista como desmercantilização da vida. Aqui mais uma vez podemos pensar no atual movimento antiglobalização e num dos lemas do primeiro FSM – “o mundo não é uma mercadoria” – que sintetiza as lutas dos movimentos antiglobalização pela retomada dos bens públicos. Nossa experiência nos últimos 20 anos tem sido a da devastadora mercantilização e privatização de todas as dimensões da vida (educação, saúde, cultura, natureza, terra, água, formas de vida com as patentes de seres vivos e sementes). Hoje a luta é contra a transformação do mundo e da vida em mercadoria. “O socialismo deve ser um programa para a desmercantilização de tudo”, para a “eliminação do lucro como categoria” (Wallerstein, p.36). Esse objetivo a longo prazo, utópico, é que deve dar sentido às lutas por objetivos a curto e médio prazo, locais, nacionais e globais. Com isso recupera-se a dialética entre reforma e revolução – a Realpolitik revolucionária, nos termos de RL – e pode-se pensar para além do pragmatismo em que estamos afogados.
Um projeto de mudança no interior da sociedade capitalista é sempre algo complicado e polêmico. E RL tinha consciência disso, da tensão entre “prudência” e “audácia” (Merleau-Ponty), entre presente e futuro, que percorre todo projeto de transformação radical que procure se construir no interior desta sociedade.
Esse é o drama (ou a tragédia, dependendo da conjuntura) de toda política de esquerda na sociedade capitalista. Como reconhece a própria Rosa em Questões de organização, a esquerda (a social-democracia, na linguagem da época) “precisa avançar entre dois obstáculos: entre a perda de seu caráter de massa e o abandono do objetivo final, entre a recaída no estado de seita e a queda no movimento de reformas burguês.” Lutar dentro da ordem estabelecida significa não ser possível preservar a esquerda contra desvios “oportunistas”, dirigindo-a sempre para objetivos revolucionários. Mas embora Rosa defenda a unidade entre reforma e revolução (a luta por reformas só faz sentido desde que incluída num movimento mais amplo a longo prazo visando o socialismo) ela jamais contemporizou com a Realpolitik, com a política pragmática por reformas sem mais. Resumindo: o que a sua teoria e a sua prática nos ensinam é que uma política de esquerda só faz sentido se mantiver unidos o que é e o que pode ser. Ou em outras palavras, a utopia nunca deve ser tirada do horizonte, sob pena de cairmos no mais vulgar pragmatismo.
Breve nota final
Hoje no Brasil, quando se acabaram totalmente as ilusões a respeito do PT como alternativa de mudança, precisamos, como a Nova Esquerda das décadas de 1960/1970, criar uma cultura socialista, mas não sabemos ainda como. Sabemos o que não queremos: não queremos (nem podemos) repetir a trajetória dos PCs, nem da social-democracia, nem do PT. Temos apenas um patamar mínimo que herdamos da Nova Esquerda do passado (em parte também inspirada em Rosa Luxemburg):
1. crítica ao marxismo economicista, determinista, dogmático;
2. crítica aos partidos de massas centralizados, hierárquicos e autoritários (mesmo quando se pretendem democráticos no plano retórico, caso do PT);
3. crítica a todo tipo de autoritarismo, da esfera pública à privada;
4. fim da crença numa teoria otimista da história, linear, progressista, o que leva à idéia de que um desfecho humano para a barbárie do séc. 20 só pode resultar da luta das massas;
5. mas hoje que o capitalismo realizou todas as suas ferozes possibilidades, é preciso algo mais (que não era tão vital para os movimentos sociais dos anos 60/70 basicamente anti-autoritários) que era inquestionável para a esquerda do começo do séc. 20 – é preciso ser resolutamente anti-capitalista. Daí a necessidade de retomar a palavra de ordem socialismo ou barbárie.

Fonte:http://www.rls.org.br/texto/atualidade-de-rosa-luxemburg

A atualidade de Rosa Luxemburgo, uma economista política

Rosa Luxemburgo foi uma grande oradora, uma célebre e temida polemista, foi economista e uma das grandes intelectuais do marxismo


Michael Krätke, para o SinPermiso

Assim vocês a conhecem! Foi uma grande oradora, intervinha com discursos e discussões nas campanhas políticas do movimento social-democrata. Foi uma célebre e temida polemista. E foi uma jornalista tão famosa quanto formidável. 
 
Primeira surpresa: Rosa Luxemburgo foi economista (e uma economista muito política!)
Estudou ciências econômicas na Universidade de Zurique, onde obteve seu doutorado em economia no ano de 1897. Sua tese foi sobre uma questão empírica e politicamente comprometida: as consequências do desenvolvimento industrial da Polônia dentro do Império Russo. 
 
Segunda surpresa: professora na Escola do Partido Social-Democrata de Berlim 
Rosa Luxemburgo ensinou economia política e histórica econômica (de 1907 até 1914). Assim – outra surpresa –, foi professora também, e uma excelente professora. 
 
Terceira surpresa: Rosa Luxemburgo escreveu um volumoso tratado de economia política (marxista)
Escreveu sua magnum opus sobre problemas teóricos de economia política, um livro publicado há mais de cem anos (A Acumulação do Capital, Berlim, 1913) em que argumentava sobre a seguinte questão: como funciona a acumulação de capital (o crescimento e as mudanças econômicas)? 
Como funcionam a escala nacional e internacional, a escala mundial? É preciso responder a essas perguntas se quiser entender ou explicar o fenômeno do “imperialismo”.
 
O que encontramos em A Acumulação do Capital?
* Primeiro: uma discussão muito crítica sobre a análise de Marx da “reprodução ampliada do capital” (3ª seção do Volume II de O Capital);
* Segundo: uma retomada das batalhas teóricas em torno deste problema, antes e depois de Marx; 
* Terceiro: a solução da própria Rosa Luxemburgo para esse problema... uma solução que pretende ser uma contribuição à “explicação econômica do imperialismo”; 
 
- A crítica de Rosa Luxemburgo a Marx
 
* Acumulação significa do crescimento (Rosa Luxemburgo aponta para aquilo que Marx havia denominado “acumulação acelerada”);
*Marx não resolve o “problema de realização”: De onde vem a demanda agregada adicional/ demanda monetária adicional? Quem compra os volumes adicionais das mercadorias produzidas? 
* Marx não mostra a transição da reprodução “simples” para a reprodução “ampliada”;
* Marx não analisou o processo “real”: suas abstrações (da circulação monetária, do mercado mundial) vão excessivamente longe;
 
- A solução de Rosa Luxemburgo
 
* A demanda adicional (dinheiro) vem de fora: a solução de “terceiros”;
* Porém: esses terceiros e sua demanda só podem ser encontrados fora do capitalismo, nas partes não capitalistas do mundo; 
* Logo: a fim de resolver o problema da acumulação, as economias capitalistas (e seus Estados) têm que invadir e ocupar regiões não capitalistas do mundo (“Landnahme”: tomada, ocupação ou saque de territórios);
 
- Como funciona a expansão/ocupação capitalista?
 
* Por várias vias e etapas, como Rosa Luxemburgo se encarrega de mostrar nos últimos 
capítulos de seu livro;
* Mediante a destruição das economias de subsistência, das economias naturais; 
* Forçando os produtores não capitalistas a entrar no mercado econômico mundial;
* Destruindo as economias camponesas e as economias mercantis simples; 
* Com a dívida e o endividamento crescente (por meio do crédito internacional e da 
exportação de capitais);
* Mediante a colonização formal e informal, transformando regiões, países e povos inteiros em súditos das grandes nações capitalistas
 
Começa o debate: Otto Bauer e Anton Pannekoek. A contracrítica de Rosa Luxemburgo:
 
* Contra Otto Bauer (e outros) que criticam a modelização, a análise dos equilíbrios 
dinâmicos e a teoria do crescimento/acumulação;
* A economia política marxista/marxiana deveria explicar a ascensão e a queda do capitalismo real: uma “teoria do desenvolvimento capitalista” deveria determinar os “limites do capitalismo” (internos e externos);
* A teoria da acumulação deveria ser interpretada como uma teoria da crise e da decadência do capitalismo (e não de sua “fusão”);
* A acumulação de capital deveria ser entendida como um processo econômico e político;
 
A relevância de Rosa Luxemburgo
 
A crítica de Rosa Luxemburgo a Marx estava equivocada. 
Nisso, Bauer e Pannekoek tinham razão. Mas: 
* Rosa Luxemburgo desencadeou um dos debates mais importantes em longo prazo na história da teoria econômica marxista;
* Sua ideia fundamental a sobre a expansão em escala planetária do capitalismo era correta 
(como também o grosso de sua análise sobre o real processo de colonização); 
* A grande e intrigante questão é: o que acontece quando o capitalismo se aproxima do MOMENTO LUXEMBURGUIANO?
 
O capitalismo global
 
* Onde estamos agora, um século depois?
* A transformação do sistema capitalista mundial (a Tríade econômica vindoura está incubada).
* Alguns mercados se tornaram globais, outros têm impacto global (mercados financeiros), mas não todos.
* Nenhuma parte do mundo se situa fora do sistema capitalista mundial, mas ainda prevalece uma grande “variedade” de capitalismos.
* Com a descolonização, o novo “imperialismo” do livre comércio, o dinheiro mundial e um punhado de oligopólios enormes; 
* Economias emergentes: China e os BRICS: as potências capitalistas mundiais em ascensão do século XXI;
 
Landnahme capitalista hoje
 
Nas áreas não capitalistas subsistentes dentro das economias capitalistas:
 
* Mercantilização de tudo (as coisas que não são mercadorias, os bens públicos, os comuns); 
* Transformação dos objetos de luxo em bens de consumo massivos; 
* Integração da classe trabalhadora (e até dos mais pobres) à economia do crédito; 
* Transformação do ócio, da família e das atividades comunitárias em atividades comerciais; 
* Estabelecimento de um regime de endividamento permanente da grande maioria (incluindo os EUA).
 
A alternativa de Rosa Luxemburgo: Socialismo democrático e democracia 
econômica
 
Michael R. Krätke é membro do Conselho Editorial do SINPERMISO, é professor de política econômica e direito fiscal na Universidade de Amsterdã. Lá, é também pesquisador associado ao Instituto Internacional de História Social e catedrático de economia política e diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido


( Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/A-atualidade-de-Rosa-Luxemburgo-uma-economista-politica/7/30465)





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