miércoles, 4 de enero de 2012

A relação entre o Serviço Social e as políticas sociais, referenciada pelos determinantes históricos e o debate teórico da profissão.

Na sociedade capitalista, em que os sujeitos sociais assumem posição frente ao processo de produção e reprodução do capital, o Serviço Social se materializa como profissão num processo socio-histórico rico em determinações que repercutem  na configuração da profissão e dos papéis desta na divisão social e técnica do trabalho.
Ao longo da história, o Serviço Social foi estabelecendo imbricações com algumas instituições, sendo a principal delas o Estado  e assumindo posição , num contexto de tensões sociais da luta de classes, na construção e execução de políticas sociais advindas desse Estado. 
Ao se forjar enquanto  profissão institucionalizada, o Serviço Social também buscou construir o arcabouço teórico que lhe fundamente. À luz  de alguns expoentes deste, tecerei algumas considerações à cerca da relação desta profissão com as políticas sociais.
Para discorrer sobre o Serviço Social e as políticas sociais, necessitamos nos valer da história e da delimitação dos papéis de sujeitos históricos coletivos e do Estado frente ao processo de produção e reprodução do capital.
Numa dinâmica de  busca por acumulação  cada vez maior, o capital através dos mecanismos de valorização constante, intercalados por crises, coloca-se como relação social em que capitalistas e proletários assumem posições antagônicas e fundamentais para a perpetuação do sistema capitalista. Essa relação antagônica, em que capitalistas são detentores dos meios de produção e proletários, detentores da força de trabalho, baseia-se na exploração  da força de trabalho destes últimos e na apropriação do mais valor (mais valia) resultante do trabalho excedente. Essa mais valia é usada pelo capitalista para aumentar a capacidade orgânica do capital e, portanto, seu potencial produtivo e de superexploração do trabalhador. Dessa mais valia também o capitalista extrai o salário que paga o trabalhador para a reprodução da sua força de trabalho ( alimento e vestuário, por exemplo), que é usada na continuidade da produção de mercadorias que rendem lucro ao capitalista no processo de circulação de mercadorias.
Ao longo da história, para dar sustentação a produção,  o capital induziu a formação de uma superpopulação relativa de trabalhadores ou " exército de mão de obra" que contribui com o barateamento da mão de obra e para o aumento da acumulação capitalista. O aumento da composição orgânica do capital e, portanto, da tecnologia nas indústrias, foi também exigindo menos capital variável e contribuindo para a pauperização de milhões de trabalhadores. É desse processo que se intensificam as tensões sociais e que a classe trabalhadora, em vários momentos da história, exige melhores condições de trabalho e legislação que lhe garanta condições de sobrevivência.
 O Estado , enquanto instituição  que representa a classe dominante ( capitalista) contribui para o fortalecimento do sistema e se vê obrigado a fomentar  políticas sociais que contribuam para a reprodução da força de trabalho e para a contenção das tensões sociais.
Nesse sentido, Berhring (2007) relembra-nos o Estado de bem estar, como expressão importante do destaque que as políticas sociais tomaram pós-crise do capital no Pós-guerra mundial.
A política econômica keynesisana, que defendia a intervenção do estado na Economia, bem como nas refrações da questão social, balizou a ação dos estados nesse período nos países centrais. Com mais alguns anos de avanço  nas forças produtivas e de crise no sistema, a teoria keynesiana é rebatida e substituída pelo Neoliberalismo, orientação assumida mundialmente para nortear os governos nas suas políticas macroeconômicas e na repercussão dela para as políticas sociais e para o enfrentamento da questão social.
Cabe-nos delinear o papel que o Serviço Social, no seu processo de profissionalização, assumiu na divisão técnica e social do trabalho.
Iamamoto (2007) argumenta que embora o assistente social não possua tarefa na produção, ou seja, não configure trabalho produtivo, o Serviço Social assumiu ao longo da história um papel importante na reprodução das relações sociais no capitalismo. Desde as suas protoformas, a profissão compôs o campo conservador, inicialmente como agentes da Ação social católica e posteriormente como agentes técnicos institucionais do Estado. A autora ressalta as variações dessa posição e do  comprometimento dos profissionais frente aos projetos societários existentes, mas assume a perspectiva de que a profissão esteve vinculada ao projeto conservador capitalista, vinculação esta que se processava no cotidiano da prática profissional, em ações assistencialistas que perdiam o foco da totalidade da problemática da questão social.
Berring (2007) situa-nos ainda no curso da história, a estreita ligação da profissão com as políticas sociais, uma vez que os assistentes socais se profissionalizam assumindo tarefas técnico -administrativas na construção e execução de políticas sociais. A autora também situa o polêmico debate das políticas sociais no contexto da reconceituação da profissão que vai se dando  a partir dos anos 70 do século passado. Esse movimento da categoria expressa o entendimento e a consolidação da questão social enquanto objeto de estudo e trabalho da profissão e a orientação teórico-metodológica marxista que hegemoniza o pensamento teórico atual da profissão. E pelo reconhecimento da questão social e do aprofundamento das refrações dela que teoricamente o Serviço Social busca compreender as raízes dos conflitos entre o capital e o trabalho e sua expressão na sociedade capitalista. É nesse conjunto de mudanças que também se forja o projeto ético-profissional  do Serviço Social que aponta o compromisso  com as demandas históricas da classe trabalhadora, reconhecendo os limites da atuação no âmbito das políticas sociais para a solução da questão social e incorporando a análise de que  a supressão da questão social tem relação direta com a supressão da sociedade de classes como nos mostra Netto (2005).
Essa importante virada no Serviço Social  brasileiro, vai na contra-mão de orientações teóricas das vertentes européias e americana que projetaram os primeiros pensamentos e práticas profissionais no Brasil. Embora se discuta a viabilidade prática na nova conceituação do Serviço Social no Brasil diante do complexo quadro de crise do capital e do aprofundamento da questão social e dos limites das políticas sociais, é inegável que tal reconceituação  repercutiu na concepção  teórico-prática dos assistentes sociais e balizam a formação de profissionais contextualizados com as necessidades da atuação profissional.
Esse processo de reconceituação se dá no bojo das reformas político-econômicas  que se processam pós-ditadura.  Com a implantação  de políticas neoliberais,  as políticas sociais ora ganham destaque pela centralidade na seguridade social, ora são tidas como centrais nos gastos públicos do Estado, onerando as despesas do mesmo. É nessa linha de focalização de políticas sociais para os pobres e redução de investimentos nas políticas sociais que os governos Collor, FHC e Lula orientam a atuação do Estado em contraposição as conquistas da Constituição de 1988. 
Nesse contexto, o Serviço Social é condicionado a elaboração e execução de políticas, programas, compensatórios que não atingem as refrações da questão social a contento, inserindo-se na malha da assistência social, porém ainda com perspectiva assistencialista. A profissão , por sua posição estratégica no planejamento e execução de políticas sociais tem papel importante na luta de classes, quando impulsionado pela correlação de forças num momento difícil para a classe trabalhadora e suas organizações políticas. O fortalecimento do projeto ético-profissional, em movimento, com a formação política e a articulação com as organizações políticas da classe trabalhadora, pode forçar os limites da política social nas condições objetivas e subjetivas atuais e acumular força social no conjunto da classe trabalhadora para a superação da sociabilidade capitalista e o alcance da emancipação humana.

BEHRING, Elaine & BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e história. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2007.
(Biblioteca básica de Serviço Social. Vol. 2).


IAMAMATO, Marilda Villela; Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica/ Marilda Villela Iamamoto, Raul de Carvalho- 20 ed. São Paulo: Cortez; [Lima, Peru]: CELATS, 2007.




NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2005




 Ângela Pereira. Fevereiro de 2010.

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