domingo, 19 de agosto de 2018

O SUS é uma questão de amor!

A conjuntura política tem nos colocado desafios imensos para a continuidade de direitos conquistados arduamente em setores importantes como a saúde e a educação. 

Em 2018, completarei 10 anos de graduada em Fisioterapia, tendo passado por locais de trabalho diversos (Atenção à Saúde, Gestão de Serviços e Formação acadêmica, com algumas pequenas experiências de docência), buscando conciliar o projeto de sociedade que defendo com a sobrevivência nesta sociabilidade. 
Na minha graduação em Fisioterapia concluída aos exatos 12 de setembro de 2008, assimilei outras experiências com a bagagem intelectual que vinha das minhas experiência de vida e origem de classe, fui me apaixonando pela saúde pública que antes da minha entrada na Universidade já era tão mal falada. 
Não me apaixonei pela estrutura do SUS. Apaixonei-me pela luta que busca a materialização de um Sistema de Saúde de qualidade, equânime, integral, humanizado e universal. A PAIXÃO esbarrou nas dificuldades concretas saídas dos debates dos movimentos estudantil e social para a vida no mundo do trabalho. Mas se transformou em AMOR. 

Resisti e continuo resistindo a colocar à disposição da iniciativa privada a minha força de trabalho, porque defendo e integro um projeto ainda em curso de materialização do SUS. De lá para cá, mais recentemente vários golpes foram dados no povo brasileiro que não consegue compreender que o direito à saúde seja para quem é empregado ou não, está sendo retirado de suas mãos. Essa retirada se dá ideologicamente, quando as empresas de comunicação majoritariamente depreciam os serviços, enfatizando "que o SUS não presta". E concretamente, quando a disputa entre os projetos privatista e o da Reforma Sanitária Brasileira vai sendo vencida pelo projeto privatista, frente à desmobilização de movimentos sociais, sindicais e partidos políticos de esquerda. 
Atados por Leis criadas no governo de FHC, como a Lei de Responsabilidade fiscal e agora pela Lei de congelamento de investimento (a antiga PEC 55) no governo Temer, gestores e trabalhadores ainda seguem comprometidos com a saúde daqueles que não podem realmente pagar por consultas caríssimas de especialistas médicos privados, a exemplo da psiquiatria que custa R$ 400,00 reais em muitos consultórios privados. Aqueles que ainda podem pagar, mesmo que de forma "apertada", não sabem o valor (financeiro e sentimental) de uma consulta interprofissional e multiprofissional preparada com cuidado por profissionais qualificados que doam horas num Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) pensando em como assistir usuários com uma diversidade de transtornos produzidos por uma sociabilidade doente. Não sabem e nunca saberão, com que cuidado e esforço, por exemplo, se prepara uma Campanha de Vacinação contra o Sarampo e a Poliomielite como a que teve no último dia 18 de agosto de 2018 um dia D, quando milhares de crianças no Brasil todo foram vacinadas para não precisarem usar um Centro Especializado em Reabilitação em razão de uma sequela de Poliomielite. E que caso campanhas como essa não fossem feitas no SUS cada gotinha teria que ser tirada do dinheiro suado na carteira. 

Quem usa o SUS, como eu que não tenho outro plano de saúde, sabe das dificuldades de acessar serviços principalmente ambulatoriais e exames "complementares". Quem faz uso em cidades do interior e no campo, sabe ainda mais pois a rede de saúde é deficitária, tendo o usuário ainda que procurar cidades maiores para serem atendidos. Sabe ainda que é possível se deparar com profissionais ruins, da mesma forma como se é possível acontecer em consultórios privados. Tenho relatos de violência obstétrica, mal atendimento, demora no acolhimento e procedimento, desorganização do processo de trabalho e erros médicos na iniciativa privada como a perfuração de intestino num simples procedimento de colocação de DIU numa sala cirúrgica em hospital da Rede Privada de João Pessoa. 
Bons e ruins profissionais existem na rede pública ou privada. Serviços bons e ruins existem em ambos locais. Profissionais descompromissados com o seu trabalho, existem em ambos lugares. A ênfase dada no setor público a esse possível descompromisso é uma soma da desvalorização do espaço e serviço público com a fetichização do privado. 
No privado, o profissional sabe que a "amizade" naquele lugar não vale. O que vale é o possível assédio moral do chefe que contabiliza quantos pacientes (passivos) o fisioterapeuta, por exemplo, pode atender ao mesmo tempo. 
No serviço público, o famoso jeitinho brasileiro tem um espação. O amigo, que nem sempre é amigo no sentido genuíno da palavra, é aquele que faz vistas grossas. Aquele que permite que a reprodução da ideia que o serviço público é público (bagunçado) tome corpo e ganhe vida, mesmo que seja uma vida moribunda. 
Muita gente que usa o SUS e que não usa, não sabe e/ou não valoriza ofertas como realização de cirurgias que a iniciativa privada não faz, a vigilância sanitária, as terapias integrativas e complementares e tantas outras. 
Para quem sabe a diferença entre PAIXÃO e AMOR, sabe que o segundo sentimento é bem mais duradouro e que ajuda a superar e vencer barreiras. 
Defendo, uso, luto e construo o SUS, orgulhosamente! 

Ângela Pereira. Fisioterapeuta (UFPB), mestre em Serviço Social (UFPB), Especialista em Economia e Desenvolvimento Agrário (UFES/ENFF) e em Saúde da Família com Ênfase em Saúde das Populações do Campo (UPE). Pós-graduanda em Gestão de Redes de Atenção à Saúde (Fiocruz-RJ). Está responsável técnica do Centro Especializado em Reabilitação de Conde /PB.