Como chegas do casulo
-inacabada seda viva!
tuas antenas- fios soltos
da trama de que eras tecida
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia
Como caíste sonbre o mundo
Inábil, na manhã tão clara
sem mãe, sem guia, sem conselho
e rolavas por uma escada
como papel penungem, poeira
com mais sonho e silêncio que asas
Minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa
E é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, tua sepultura
Já desfeita e ainda palpitante
expiras sem noção nehuma
- Ó bordado do véu dia,
transparente anêmona aérea.
Não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra
no olho precário em que te acabas
meu remorso ajoelhado leva!
Choro a tua forma violada
miraculosa, alva, divina
criatura de pólen, de aragem
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.
Choro esta humana insuficiência:
- a confusão dos nossos olhos
- o selvagem peso do gesto
cegueira- ignorância-remotos
instintos súbitos- violências
que o sonho e graça prostam mortos
Pudesse à éteros paraísos
ascender teu leve fantasma
e meu coração penitente ser a rosa desabrochada
para servir-te meu e aroma
por toda a eternidade escrava!
E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos
- os espelhos que refletissem
-vôo e silêncio- os teus encantos
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!
Cecília Meireles