viernes, 29 de enero de 2010

O Capital numa perspectiva dialética: fragmento e totalidade.

Quando a teoria nos aclara a vista e com o povo, ombro a ombro marchamos.

Respondemos : vale a pena viver quando se é comunista. ( Mario Iasi)


Ângela Pereira.*

Discorrer sobre as categorias marxistas sempre é um desafio. É no exercício de desafiar-se à assimilação e à compreensão das categorias essência e aparência do Capitalismo que esse texto se apresenta. Assim nesse breve texto serão tecidos comentários, resultantes do acúmulo das leituras, das aulas da disciplina Economia Capitalista I, bem como de outros materiais, sem pretensão, todavia, de esgotar as possibilidades de entendimento do conteúdo abordado.

No sistema capitalista, as pessoas são levadas a ver aquilo que as cerca a partir do imediato ou a partir de uma análise superficial do que realmente representa as relações sociais de produção e mesmo os produtos dessas relações. Perde-se a noção da totalidade e a partir de um olhar individual a aparência é naturalizada e valorizada como o verdadeiro olhar sobre determinado objeto ou relação social.

O sistema apresenta além das bases materiais para a sua sustentação, mecanismos de acorrentamento e de consolidação através da dominação das mentes dos indivíduos. A aparência sobrepõe a essência e faz as pessoas aceitarem normalmente as condições impostas.
Ao mundo da aparência determinado pela dominação da classe burguesa que coisifica, fragmenta e simplifica a realidade a fim de hegemonizar o seu projeto, Kosik (2002) dá o nome de pseudoconcreção.

A pseudoconcreção burguesa dispõe de mecanismos para normalizar, consensuar a aparência de que tudo está bem e não deve ser questionado. Exterioriza fenômenos, transformando tudo em coisas aparentes. Coisifica relações. Formula meios de reproduzir essas exteriorizações e determina verdades do sistema. Para isso dispõe de instrumentos ideológicos como a educação formal e informal que se dá nas células escola, família, religião, mídia, partidos políticos, movimentos sociais, organizações não-governamentais, sindicatos e estado.
Negando uma visão pontual, sem, contudo, negar a realidade da aparência, Karl Marx convida à leitura da realidade de forma dialética e histórica, a partir de pontos de vista diferenciados, considerando visões individuais de diferentes sujeitos bem como a visão generalista que permite a compreensão total da atuação do capital.

Na teoria marxista uma mesa, não é apenas um objeto produzido para o uso humano individual ou coletivo, mas também tem utilidade para o capital. Uma mesa é uma mercadoria que carrega consigo valor, valor de uso e valor de troca. Essa mesa dentro do modo de produção capitalista é produto da exploração da força de trabalho dos marceneiros nos meios de produção de um patrão e tem seu papel na acumulação do capital.
Para o indivíduo que se apropria dessa mesa numa loja o que lhe interessa é o uso da mesa, por exemplo, para alimentação ou estudo. Para o patrão capitalista, a mesa é mais uma mercadoria produzida dignamente e que lhe trará lucro pelo esforço de seu trabalho, retornando o investimento. Para os marceneiros é a forma de ao final do mês receber o salário para a manutenção da vida deles e das suas famílias. Portanto do ponto de vista individual desses sujeitos, isto é, na aparência, a mesa tem utilidades diferenciadas e justas.
Do ponto de vista da totalidade, ou seja, na essência, a mesa é um momento do processo de acumulação capitalista que envolve produção e reprodução do capital em toda a sua extensão, considerando, por exemplo, elementos como o retorno de investimento em capital constante em cima da extração de mais valia do trabalho dos marceneiros e transferência de capital do lucro da venda da mesa para a reprodução do capital. Na essência é considerada a existência de burguesia e proletariado, estando as classes implicadas num processo de exploração da primeira pela segunda como pode ser confirmado no trecho abaixo:

“A coisa muda de aspecto quando consideramos não o capitalista e o trabalhador isolados, mas a classe capitalista e a classe trabalhadora, não o processo de produção isolado, mas o processo de produção capitalista em sua continuidade e em toda a sua extensão social.(Marx”, K. O Capital, p.665b)



Para Carcanholo, reafirmando Marx, observar a mais valia do ponto de vista da totalidade e da reprodução significa considerar “as classes como um todo: de um lado a burguesia e de outro o conjunto dos trabalhadores assalariados, o proletariado”.


Outros elementos podem ser incorporados à análise das categorias essência e aparência na situação mencionada. Antes de a mesa chegar à loja e à casa do seu comprador, ela passou por um processo de transformação a partir do trabalho. Trabalho esse realizado por um grupo de marceneiros que teve parte do seu trabalho, o trabalho excedente, apropriado pelo patrão capitalista. Trata-se da mais valia.


Além da mais valia, o patrão retira do valor produzido pelos marceneiros para pagar seu salário. Do ponto de vista individual (aparência) de um trabalhador sem consciência de classe é natural receber um salário pequeno e um mês após a compra da mercadoria força de trabalho pelo capitalista, sem se sentir explorado. Ainda do ponto de vista individual, mas do trabalhador com consciência de classe, este já percebe que é explorado, uma vez que o salário que recebe é bem inferior ao tempo de consumo da força de trabalho, porém a visão ainda é limitada, vista de forma pontual. Na totalidade (essência), os trabalhadores se incorporam ao exército do proletariado explorado pela burguesia para sustentação e reprodução do sistema capitalista.


Diante do exposto, fica clara a necessidade de, na luta de classes, ampliar os olhares para as relações sociais inerentes ao capitalismo. Essa é uma importante postura revolucionária para compreender a atuação do capital sobre a classe trabalhadora e assim conseguir dialogar com esta na perspectiva de superação do capital, através da elevação do nível de consciência.


Referências


CARCANHOLO, Reinaldo; SABADINI, Maurício. Sobre o capital e a mais valia.


KOSIK, Karel. A dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e terra. 7ª edição, 2002.

MARX, Karl. O Capital.L.I.V.Rio de Janeiro,Difel,1980.


* Texto redigido para a disciplina Economia Capitalista I do Curso de Especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário, misnitrada pelo Professor Reinaldo Carcanholo ( UFES).

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