martes, 2 de septiembre de 2014

Sobre as relações amorosas: "O amor se transformava em algemas." Por Alexandra Kollontai.

Nesses dias, entre as finalizações da minha dissertação e a defesa dela,  aproveitei para reler um livro de Alexandra Kollontai intitulado " Autobiografia de uma mulher comunista sexualmente emancipada" da editora Sundermann.



O livro é emocionante. Aborda como a infância da feminista interferiu nas suas escolhas revolucionárias. Mostra ainda como  Alexandra foi ganhando espaço na luta política, sendo ótima escritora, oradora e articuladora com carisma acentuado. Essas habilidades  a conduziram ao primeiro escalão do primeiro governo Bolchevique (1917-1918) na Rússia e  ao cargo de embaixadora , sendo a primeira  mulher a ocupar o cargo.  

No governo, a revolucionária conseguiu interferir na elaboração de  leis que garantissem importantes conquistas para as mulheres estando dentre elas: a abolição de leis que colocavam as mulheres em desigualdade com os homens, extinguindo privilégios, a instituição de proteção a mulheres e crianças que trabalhavam, o seguro social, a igualdade de direitos no matrimônio, o  direito ao divórcio,  o direito de não receber o nome do marido após casamento, o direito ao aborto legal, a criminalização da prostituição por ser considerada desrespeito aos vínculos de camaradagem e solidariedade, o direito legal ao voto e se tornar elegível, os direitos legais à educação, sendo inclusive as mulheres liberadas do trabalho para estudarem e o direito à escolha de suas profissões. 

Não obstante, Alexandra Kollontai, essa mulher que vivia em pleno processo revolucionário, não esteve imune às amarguras de relações amorosas insuficientes para as demandas mais profundas das mulheres socialistas e feministas.  Em vários trechos do livro, ela  menciona como tentou lidar com suas relações e como elas impactavam suas emoções, apesar de não lhes tirar do caminho revolucionário. 

"[...] é preciso dizer que eu ainda estou  muito longe de ser o tipo de mulher positivamente nova que faz suas experiências como mulher com uma relativa leveza e, poderíamos também dizer com uma invejável superficialidade, cujos sentimentos e energia mental estão direcionados principalmente para todas as outras coisas na vida que não os sentimentalismos amorosos" ( p. 29).

" O amor e suas muitas decepções, com suas tragédias eternas de reclamações pela perfeita felicidade, ainda cumpriram um papel muito importante na minha vida"( p.29). 




" Nós, as mulheres da geração passada, ainda não compreendemos como ser livres. A coisa toda foi um desperdício absurdamente inacreditável de nossa energia mental, uma diminuição da nossa força de trabalho que foi dissipada em estéreis experiências emocionais. É certamente verdade que nós, eu, bem como muitas outras ativistas militantes e trabalhadoras contemporâneas, fomos capazes de compreender que o amor não era o principal objetivo de nossas vidas e que nós sabíamos como dar ao trabalho  devida centralidade. Não obstante, nós poderíamos ter produzido e alcançado muito mais, caso nossas energias não tivessem sido fragmentadas na eterna luta com nossos egos e com nossos sentimentos por outros." ( p.30).


 "Nós, a geração mais velha, ainda não compreendemos como a maioria dos homens compreende e como as jovens mulheres estão aprendendo hoje, que o trabalho e a ânsia por amor podem ser harmoniosamente combinados de modo que o trabalho mantenha-se como o principal  objetivo de existência. Nosso erro foi que a cada vez sucumbíamos à crença de que nós tinhamos encontrado aquele único homem que amaríamos, a pessoa com quem nós acreditávamos que poderíamos mesclar nossa alma, aquele que estava pronto para reconhecer-nos como uma força física e espiritual" (p. 31).

" Mas  a cada vez reiteradamente as coisas terminavam de outro modo, dado que o homem sempre tentava impor o seu ego sobre nós e adaptar-nos completamente  aos seus propósitos. Logo, apesar de tudo, a inevitável revolta interior seguia-se, a cada vez reiteradamente pois  O AMOR SE TRANSFORMAVA EM ALGEMAS ( grifo nosso)."

 Nós nos sentíamos escravizadas e tentamos afrouxar os laços amorosos. E após lutas eternas e recorrentes com o homem amado, finalmente nos afastávamos contra nossa vontade e corríamos em busca da liberdade. A partir de então, estávamos novamente sozinhas, infelizes solitárias, mas livres_livres para seguir nosso ideal adorado e escolhido...o trabalho" ( p.31).


"Felizmente , os jovens, a geração atual não precisam passar por esse tipo de luta, que é absolutamente desnecessária à sociedade humana. Suas habilidades, sua energia para o trabalho, serão reservadas para sua atividade criativa. Logo, a existência de barreiras transformar-se-á em estímulo" ( p.31) 


As contradições eram tamanhas em pleno processo revolucionário em idos de 1917, e, infelizmente, permanecem acentuadas num processo de complexificação das relações econômicas e sociais atualmente.  Seguimos tendo que lidar com os dissabores de, conscientemente, rever padrões de comportamentos masculinos e, femininos (em relações homoafetivas)  que machucam  a essência do que somos, refletindo em nós ora em comportamentos sectários e desesperançosos, ora, em entregas e perda do amor-próprio até sermos profundamente magoadas, desistirmos da relação  ou nos mantermos aprisionadas (Tomei aqui o sujeito coletivo mulheres, porque sinto o incômodo por todas). 
O que torna a situação mais desafiadora é que, considerando que o ser social define a consciência social, as nossas lutas continuam sendo imensas em meio a mistificação de uma liberdade que nós mulheres não temos.
E em tempos "líquidos" (Bauman) ou tempos em que "o que é sólido se desmancha no ar" (Marx), acreditar e tentar construir relações diferentes das que estão aí massacrando corpos, mentes e corações de mulheres pelo mundo, torna-se um esforço tão desmedido que faz esvair de nós forças e esperanças de se ser inteira.  Saímos  por aí recolhendo "caquinhos", soltando as algemas e cuidando para que as feridas das algemas sejam curadas mesmo que temporariamente...


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