miércoles, 3 de agosto de 2011

O CONCEITO MATERIALISTA DA HISTÓRIA E A EMANCIPAÇÃO HUMANA.

Ângela Pereira*


“Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”

“Toda emancipação humana constitui uma restituição do mundo humano e das relações humanas ao próprio homem.”

Karl Marx


Preocupados com as questões de seu tempo, Karl Marx e Friedrich Engels discorrem em “A ideologia alemã” sobre uma nova concepção da história, na qual os homens são produto do trabalho e produtores de si mesmos e, na qual, estes são sujeitos das mudanças históricas. A concepção materialista da história provoca profundas alterações na forma de se encarar o papel do ser humano na história e na percepção de que ela é modificável. São os atos históricos, portanto, que provocam mudanças e não apenas as idéias como pensavam os filósofos alemães hegelianos.

A obra “A ideologia alemã” é um dos mais importantes escritos de Karl Marx e Friedrich Engels, tendo em vista que aponta uma nova concepção filosófica sobre a história. Nela, os autores tecem críticas aos hegelianos (velhos e novos) e as suas concepções idealistas e religiosas/metafísicas da história e da humanidade como se vê no seguinte excerto: “Não ocorreu a nenhum desses filósofos procurar a conexão da filosofia alemã com a realidade alemã, a conexão da sua crítica com o seu próprio ambiente material” (MARX, K. ENGELS, F., 2009, pág. 23);

A partir das mudanças (econômicas, políticas, sociais, ideológicas e culturais) decorrentes das transformações do capitalismo, vivenciadas na virada do século XVIII para o XIV, os autores conseguiram captar a transformação da realidade a partir da atividade humana ao longo da história e não por forças naturais e sobrenaturais ou apenas de idéias sem impacto prático na vida das pessoas. Ressaltou-se a conexão entre a realidade objetiva e as idéias, apresentando-se também a categoria da totalidade, que permite a compreensão do todo dos processos histórico-sociais em que o trabalho tem papel central.

Ao enunciar as mudanças que se processam nesse período, criticando a visão hegeliana, os autores indicam as premissas para explicar como se deu a divisão social do trabalho, o desenvolvimento das forças produtivas, a relação desses processos com a exploração da classe proletária e a dominação da burguesia sobre ela a partir da dominação das bases materiais e, conseqüentemente, das idéias, a relação do Estado com a classe dominante dentre outros elementos. Aponta ainda algumas possibilidades de superação da dominação do proletariado pela burguesia para a uma sociedade comunista com o desenvolvimento das forças produtivas e o fim da propriedade privada.

Segundo Marx e Engels (2009), as premissas da construção da concepção materialista da história se baseiam na existência de indivíduos humanos vivos que produzem seus meios de subsistência e, em conseqüência, a si mesmos. A abordagem dada pelos autores mostra uma análise da produção material da vida, como se vê nos trechos abaixo.


São as condições reais, a sua ação e as condições materiais de vida, tanto as que encontraram quanto as que produziram pela própria ação. (...) A primeira premissa de toda a história humana é (...) a existência de indivíduos humanos vivos (...) Ao produzirem os seus meios de subsistência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material (...) Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção. (MARX, K. ENGELS, F., 2009,págs. 24-25)


Ainda falando sobre a produção da vida material, os autores colocam que à medida que o homem vai se produzindo e evoluindo e as suas necessidades são satisfeitas, outras demandas surgem. O surgimento dessa demanda é tido como o primeiro ato histórico.


“O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e a verdade é que esse é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história (...)” (MARX, K. ENGELS, F., 2009, págs. 40-41)


Para dar continuidade a esse processo faz parte também da produção da vida a procriação, nesse sentido, homem e mulher, pais e filhos, enfim, a família se relacionam no dia a dia na renovação da vida. Para Marx e Engels (2009), a produção da vida é fruto de uma dupla relação.

A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, surge agora imediatamente como uma dupla relação: por um lado como relação natural, por outro como relação social- social no sentido em que aqui se entende a cooperação de que modo e com que fim.(MARX, K. ENGELS, F., 2009,pág.43)


A afirmação de que o homem se constrói ao realizar trabalho e ao produzir sua vida material está presente num dos enunciados mais conhecidos de “A ideologia Alemã” e difundidos pelo mundo como caracterização do materialismo histórico.


São os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem essa sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos de seus pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência.( MARX, K. ENGELS, F., 2009,pág. 32)


A consciência, portanto não possui “vida própria”, precisa de um ser social para existir e tem relação com a realidade “externa” para existir. Iasi (2007) apresenta a consciência como o processo de representação mental (subjetiva) de uma realidade concreta e externa (objetiva) formada no momento da mediação com o mundo, através de um vínculo imediato (percepção). Ou seja, uma realidade externa que se interioriza.

Completam essa idéia, Marx e Engels (2009) quando afirmam que “A consciência é, pois, logo desde o começo, um produto social, e continuará a sê-lo enquanto existirem homens.”

As condições materiais também explicam como se dá a dominação do homem pelo homem ao longo da história. Ao passo que se desenvolve a propriedade privada e que os servos são obrigados a vender a sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção para poderem se alimentar e se vestir, desenvolve-se um processo de subsunção da classe proletária ao sistema. Assim, os autores colocam que:


Entre os proletários, ao contrário, a sua própria condição de vida, o trabalho, e com ele todas as condições de existência da sociedade atual, tornou-se para eles algo casual sobre o qual cada um dos proletários não tem nenhum controle, e sobre o qual nenhuma organização social lhes pode dar controle, e a contradição entre a personalidade do proletário individual e a condição de vida que lhe é imposta, o trabalho, torna-se patente para ele mesmo, nomeadamente porque ele já desde a juventude é sacrificado e porque lhe falta a oportunidade de alcançar, no seio de sua classe, as condições que lhe coloquem na outra. (MARX, K. ENGELS, F., 2009, pág. 97)


A forma de encarar a história e o entendimento das bases materiais da dominação de um homem pelo outro permitiu a compreensão aprofundada no tocante ao tema da liberdade humana.

Para Marx e Engels a emancipação humana decorre de um processo de relações históricas e não de um ato de pensamento. Sem considerar as condições reais de vida das pessoas não é possível haver libertação humana.


De modo algum se pode libertar os homens enquanto estes não tiverem em condições de adquirir comida e bebida, habitação e vestuário na qualidade e na quantidade perfeitas” (...) “A libertação é um ato histórico, não um ato de pensamento, e é efetuada por relações históricas (...) (MARX, K. ENGELS, F., 2009, pág. 35)


Trata-se, portanto, de superar a visão superficial, existente na atualidade de que os homens são livres pela possibilidade de pensarem, de se comunicarem e possuírem o direito de ir e vir. Enquanto milhões de pessoas são subjugadas pelo capital, pela expropriação de sua força de trabalho e não possuírem condições dignas de sobrevivência, desenvolvimento de suas capacidades humanas através do desenvolvimento livre do trabalho criativo, a concepção de liberdade burguesa e pós-moderna aladearda em todos os cantos do planeta é uma farsa.

Para Marx e Engels (2009), o homem somente faz história se ele possuir condições materiais de vida para isso. Nesse sentido, a emancipação humana será produto histórico e possível se levada adiante numa perspectiva comunista, em que o homem se desafia a revolucionar o mundo existente, atacando e transformando na prática as coisas encontradas no mundo.

Essa transformação não se dá apenas nas idéias, requererá da mulher e do homem proletários, enquanto sujeitos coletivos revolucionários, criarem condições a partir do enfrentamento das contradições do capital, com o desenvolvimento das forças produtivas para a tomada dos meios de produção e do poder do Estado de modo a se tornarem a classe dominante e destruírem o Estado para construção de uma sociedade de mulheres e homens emancipados no seu sentido mais profundo.



REFERÊNCIAS


MARX, K; ENGELS,F. A Ideologia Alemã; Tradução de Álvaro Pina. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009. 128p.

IASI,M.L; Ensaios sobre consciência e emancipação. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2007.176 p.

* Pós-graduanda em Economia e Desenvolvimento Agrário pela Escola Nacional Florestan Fernandes e pela Universidade Federal do Espírito Santo-ES. Texto escrito para a disciplina Filosofia da Práxis, ministrada por Marildo Menegat

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