miércoles, 3 de agosto de 2011

A intervenção do estado é capaz de garantir a superação da crise capitalista atual?


Ângela Pereira*

Em momentos em que o capitalismo expressa de forma mais acentuada suas contradições, entrando em crise, retoma-se mais fortemente o debate sobre a viabilidade desse modo de produção para a humanidade, bem como sobre o papel do Estado na manutenção do sistema. Várias perspectivas teóricas e ideológicas tentam caracterizar a crise do capital, para entendê-la e subsidiar intervenções junto à realidade. Aqui se toma como referencial a perspectiva marxista na análise da atual crise do capital e do papel do Estado.

Dentre as diversas explicações para a atual crise, destacam-se as leituras de origem keynesiana e marxista, que são pano de fundo para a análise da atuação do Estado. Segundo economistas keynesianos, a crise atual se deu pela falta de atuação do Estado no controle do mercado, como afirma Carcanholo,

La postura de origen keynesiana es de que la crisis fue el resultado de la ausencia de regulación estatal sobre el capital “financiero” y de que el Estado, con una política adecuada y bien estructurada, será capaz de solucionar los problemas y superar las contradicciones del funcionamiento del capitalismo dentro de un tiempo mayor o menor. (Carcanholo, 2010)

Por outro lado, os economistas marxistas procuram explicações que considerem dialeticamente as características de funcionamento do capital. Para isso recorrem às teorias marxistas, que entendem a crise como inerente ao sistema capitalista e aplicam-na à realidade atual do sistema econômico.

Partiendo de la base teórica marxista, la actual crisis económica mundial debe ser vista como resultado de se haber alcanzado el límite del proceso por intermedio del cual El capital obtenía parte de su rentabilidad de las ganancias ficticias. La crisis financiera que explotó en los Estados Unidos de América fue, en verdad, la manifestación aguda de um intento de solucionar un problema estructural del sistema capitalista. (Carcanholo, 2010)

A atual crise do capital difere de anteriores por acontecer num estágio em que a forma de capital predominante é o capital financeiro ou fictício. Essa conformação, ao mesmo tempo em que significou a capacidade de ampliação rápida da possibilidade de acumular a partir da especulação financeira, representou a vulnerabilidade de um sistema baseado em “dinheiro” fictício, que não possui lastro real.

A crise atual, que teve origem no mercado de hipotecas habitacionais, e mais especificamente no crescimento espetacular do crédito ‘subprime’, embora tenha sido na rede de seguros estruturada para garantir grau de investimento às hipotecas securitizadas e no elevado grau de alavancagem das instituições financeiras, investidores e demais agentes econômicos, juntamente com as densas relações especulativas estabelecidas com outros instrumentos no mercado de ‘hedge’, num sistema financeiro desregulamentado, que ela ganhou força para avançar rapidamente, assegurar pesadas perdas para os que se aventuraram à obtenção de ganhos fáceis e contaminar toda a economia “real”, conduzindo-a para uma recessão mundial, de dimensões assustadoras. (Gontijo, 2009)

É necessário, então, situar o debate, trazendo importantes contribuições para se entender uma trama complexa de relações que se estabelece entre as formas funcionais do capital.

Não só como forma de dissimular cada vez mais a relação da origem da produção da riqueza através da exploração da força de trabalho e apropriação da mais valia social, mas também se metamorfosear em respostas às crises, o capital e suas formas funcionais ao longo dos anos estabelece uma relação de autonomia relativa entre si. De acordo com Carcanholo e Sabadini (2009) apud Marx (1985) “toda a conexão com o processo real de valorização do capital se perde assim até o último vestígio, e a concepção de capital como autômato que se valoriza por si só se consolida”.

Segundo Sabadini (2009), o capitalismo sempre desenvolveu novas formas funcionais, modificando as relações de poder, de trocas e de classes com objetivo de valorizar o valor, adquirir mais valia. Metamorfoseia ainda suas formas funcionais para se contrapor a queda tendencial da taxa de lucro.

Na atual fase do sistema capitalista, coexistem os capitais produtivo, bancário portador de juros e fictício. O primeiro é aquele está diretamente envolvido com o processo produtivo, em que se gera a mais valia a partir da exploração da força de trabalho em meios de produção que pertencem aos capitalistas.

O segundo, por sua vez, trata-se do capital criado pelo sistema bancário para dar prosseguimento à valorização do valor sem, contudo, interferir diretamente no processo produtivo, estando basicamente relacionado ao financiamento na esfera da produção ou de circulação.

O capital fictício, oriundo da existência generalizada do capital portador de juros, é aquele que é representado por um título (títulos de dívida pública, concessões, fundos de pensão, por exemplo) e que pode ser vendido no mercado financeiro. É tido como fictício porque não possui substância real e não contribui para a produção de riqueza e para a circulação. Além disso, tem caráter especulativo, estando sujeito a variações de preço por determinações várias e assumindo um aspecto mais complexo e desmaterializado (Carcanholo e Sabadini, 2009).

Aprofundando-se ainda mais a análise da crise é preciso recorrer mais atentamente ao cerne da contradição do capital- a queda tendencial da taxa de lucro- que se dá no sistema produtivo. No processo de valorização do valor, o capital precisa acumular cada vez mais, para isso ele se autonomiza em formas funcionais; aumenta a capacidade produtiva a partir do aumento da composição orgânica do capital e da diminuição dos gastos com o capital variável por exemplo. Nesse processo de busca incessante por acumulação, ciclicamente, o capital entra numa crise de superprodução de capital, como nos mostra José Martins.

Superprodução de capital é exactamente (sic) isso, o aumento desmensurado da produtividade da força de trabalho global, dos sectores industriais produtivos de mais-valia, lucro e capital. Nesse movimento de busca pelo lucro ou de manutenção de uma taxa média de lucro, o que ocorre é que, contraditoriamente, o capital superproduzindo provoca uma queda na taxa de lucro. (...) O problema não é uma abundância de mercadorias que não podem ser vendidas. O problema é uma abundância de mercadorias que não podem ser vendidas a uma determinada taxa de lucro. (Martins, 2009)

Quando o ciclo de valorização do valor é interrompido por algum motivo, a crise se expressa aparentemente, por exemplo, através do desemprego em massa, redução dos salários e aumento de jornada de trabalho, conseqüente baixo consumo, pedido de concordata pelas empresas, concentração de capitais em empresas e quedas nas bolsas de valores. O que para nós aparenta ser a crise do capital é na essência, a saída da crise.

O aumento da exploração da força de trabalho, de investimentos e de conflitos armados (queima de capitais variável e constante) são o que Marx chama de contra-tendências para retomar o processo de valorização do valor.

Independente de maiores explicações a cerca do caráter da crise, é notório que a mesma acontece num momento em que o Estado, balizado pelas definições do consenso de Washington e pelos organismos internacionais de fomento (Fundo monetário Internacional, FMI, e principalmente pelo Banco Mundial, BIRD), atua sob orientações neoliberais de não intervenção no mercado. Embora essa crise não tenha abalado definitivamente o neoliberalismo, os governos e economistas retornaram o debate sobre o papel do Estado em momentos de crise, responsabilizando-o para o salvação da crise.

Desta forma, coube aos Estados intervirem para estabilizar o sistema. Dentre as ações dos governos estiveram à destinação de grandes reservas de suas poupanças internas para bancos e empresas capitalistas.

Os governos dos países periféricos e dos países centrais são motivados a usarem parte dos recursos públicos recolhidos da população na forma de impostos, ou depositados como poupança nos bancos, para serem usados pelos capitalistas. E assim, com a poupança de toda a população, sem pagar juros, eles podem reorganizar seus negócios sem custos e tentar sair da crise mais rapidamente (Assembleia Popular, 2009).

Além disso, os governos foram orientados por grupos capitalistas a flexibilizarem leis trabalhistas, a reduzirem impostos de produção de bens industrializados com objetivo de “reaquecer a economia dos países” e em alguns casos, sob argumento de defesa da soberania do país, aumentar a produção de armamentos bélicos e aumentar a coerção sobre mobilizações dos trabalhadores. Sendo esta última, uma importante fonte histórica de recuperação da economia a partir da queima de capital.

Como se vê o comportamento do Estado demonstra o seu atrelamento à classe dominante e a atuação pela manutenção do sistema capitalista.

Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classes, no próprio conflito dessas classes, resulta, em princípio, que o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, por isso, se toma a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada. (Lenin, 2007)

No tocante a crise, a Estado busca superar a crise do capital na aparência e consegue através da injeção de capital das reservas públicas em empresas capitalistas; fortalecendo-o. Todavia, do ponto de vista da totalidade as medidas dos governos são insuficientes para resolver as crises do sistema capitalista, uma vez que estas são inerentes ao funcionamento deste, tendo relação com a contradição capital- trabalho.

Referências

ASSEMBLEIA POPULAR. Cartilha da Assembleia Popular para debater a crise. 2009.

CARCANHOLO, R. A. Crisis econômica, riqueza fiticia y gastos militares: uma Interpretación marxista. Disponível em http://www.rosavermelha.org/files/2010/04/crise-atual-02.htm. Acesso em 27 de junho de 2010.

CARCANHOLO, R. SABADINI, M.. Capital fictício e lucros fictícios. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 24, p. 41-65, 2009. – Home-Page.

GONTIJO, C. e OLIVEIRA, F. A crise da Globalização Financeira. Anais do XIV Encontro Nacional de Economia Política da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), São Paulo, PUC-SP, junho de 2009.

LENIN,V.I.O Estado e a Revolução.São Paulo: Expressão Popular, 1ª edição, 2007.

SABADINI, Mauricio de S. Valor, formas funcionais do capital e capital fictício em Marx. Anais do XIV Encontro Nacional de Economia Política da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), São Paulo, PUC-SP, junho de 2009.

MARTINS, J. Crítica Semanal da Economia. Núcleo de Educação Popular - 13 de Maio. São Paulo, SP. REVISTA RUBRA Nº4, ANO XXII. Nº 964; 1ª semana de março/2009. Lisboa, Janeiro 2009. Entrevista concedida a Raquel Varela e Renato Guedes.


* Pós-graduanda em Economia e Desenvolvimento Agrário pela Escola Nacional Florestan Fernandes e pela Universidade Federal do Espírito Santo-ES.Texto redigido para a disciplina Economia Capitalista II, ministrada por Reinaldo Carcanholo e Maurício Sabadini.

No hay comentarios.:

Publicar un comentario