jueves, 29 de abril de 2010

Discurso fácil, prática contestável e historinha para boi dormir.

Ângela Pereira.*


“De boas intenções o inferno está cheio”. O ditado popular é tão real quanto à necessidade de se olhar para o cotidiano com olhos mais críticos.

Vivemos tempos seguros, democráticos, em que a liberdade de expressão é uma das nossas melhores ferramentas e o grito do povo é ouvido, certo?

Errado. Democracia (burguesa) que existe apenas no discurso é “conversa pra boi dormir”. Essa conversa é historinha para criança dormir, ou é pesadelo guardado para o presente-futuro delas.

Em tempos de governos ditos democráticos populares, cujos discursos parecem progressistas, cada vez mais se percebe a incongruência entre a prática e o discurso bonito destes. O tempo passa, mas a forma de fazer política, restrita à tática parlamentar e aos espaços institucionalizados, revestida de coerção, de cooptação, de fragilização e criminalização dos movimentos sociais; práticas de coronelismo e tantos outros desvios passam aos nossos olhos, deixando os mais atinados politicamente, indignados com tamanha falsidade e incoerência.

“Ruim é quando isso vem de pessoas que já foram militantes” já dizia a colega.

Há militantes e MILITANTES, colega. Militância não se mede apenas pela história, militância se avalia e critica pela coerência entre o que se pensa, o que se diz e o que se faz. E ressalva-se, nem todo militante é revolucionário, embora alguns se apropriem desse adjetivo.

Vivemos em tempos em que a verborragia de militantes históricos, hoje em espaços do Estado burguês, já não engana nem a eles mesmos, uma vez que a história de um passado não tão remoto, de lutas mais aguerridas, está registrada na memória. Causos desse tipo não se esquecem tão facilmente, a menos que o fetiche do dinheiro e do micro-poder já tenha feito estrago maior e de forma bem mais avassaladora que o habitual. O que não é impossível.

Mas fácil, creio eu, seria deixar as máscaras caírem em frente aos holofotes. Fingir é cansativo demais.


O povo, que gosta de ditados populares, também sabe contar histórias de verdade:


Um dia os bois acordarão bem alimentados, bem fortes e acompanhados pelo restante da boiada. Difícil será segurá-los, a não ser pela morte!


* Antes de tudo militante popular e da classe trabalhadora.

www.descasulando.blogspot.com

miércoles, 28 de abril de 2010

Rascunho anônimo

Anônimo,
Já lhe falei dos meus rascunhos secretos?

Se me puser um lápis na mão
Corre sérios riscos
De ter sua superfície desenhada

Cada parte do corpo
Parece-me um tanto sem vida
Porque são apenas partes

Cada parte merece
Um rascunho novo que a ela se some
Cada parte merece
Uma cor nova que a ela se misture
Cada parte merece
Uma outra parte que se complete

Cada parte merece uma poesia, leve e profunda, escrita
E uma noite em lua cheia, para recitá-la.


Ângela Pereira.
28 de abril de 2010.

lunes, 26 de abril de 2010

As poetisas nem sempre são boas...

Troco o desdém por arrogância

No mercado dos porcos prefiro os mais imundos

E a indiferença será minha resposta


E se te puserem cordas nos pescoço

Aperte-as!

Esfole o grito.

E se te amarrarem as mãos...

Espreme-as!

Em reflexo rompa as amarras.


As poetisas nem sempre são boas...

A poesia nem sempre é doce!


Ângela Pereira

26 de abril de 2010.

sábado, 17 de abril de 2010

Sexta-feira.

Antes que eu me pusesse novamente a pensar em superstições, em histórias inventadas para as crianças, saltei da cama, lavei o rosto, derramei o perfume e sai à rua...
Pensei que sendo uma sexta-feira fosse encontrar o burburinho de uma cidade provinciana, em que os bichos e bichas estão soltos, gritando, despejando, vomitando o que incomoda a alma e o corpo, vindo do que a semana cheia de sobrecargas e do não-tempo livre resultou.
Abri os olhos, ainda fechados pelo cansaço da semana. Que susto! As pessoas sumiram...
Sai correndo pelas ruas... Batendo nas portas das casas vizinhas, entrando nos bares da esquina... Ninguém encontrei. Foram embora e me deixaram? Rapitados, convencidos ou com os próprios pés? E mãos?
Desolada diante da procura sem êxito, parei... ofegante. Comecei a ouvir uns sons que rompendo o silêncio, o meu próprio silêncio, me alegrava. Gargalhadas, músicas, aplausos. Pareciam felizes!

Tinha demorado a acordar e a desesperança do cotidiano sem invenções, por pouco, me fez perder o trem. Gritei: Pare!!! Também quero entrar!

Não era qualquer trem. As frases dos livros que li começaram a saltar à mente e a boca não as reteve.
Um camarada barbudo, com cabelos brancos e aparentemente cansado, era responsável pelo passeio. Mas tinham outras tantas figuras que pra mim eram apenas histórias de livros e de militantes “sonhadores”. Tinha um Lenin e uma Rosa. Uma kollontai, uma Clara. Um Carlos, uma Olga. Um Zumbi e uma Dandara. Uma Eleonora, uma Aurora. Um Zapata e um Che Guevara. Há...tinha outras e outros mais, mas nem mais dos nomes lembrara.

Como ainda estava em vida, resolvi saltar depois de mais algumas estações.
Percebi que o caminho é tão mais longo. Percebi que o silêncio da sexta-feira, nada mais era o silêncio feito pelas mordaças. Mas percebi também que não estava sozinha... Outras e outros camaradas desceram do trem.

Reconheci-os, entrelacei as mãos e seguimos em frente!

Ângela Pereira.
17 de abril de 2010.

lunes, 12 de abril de 2010

Indiferença


Quando não há pele

E...

Te rasgam a couraça

Como casca de árvore em extinção,

É tão sórdida a dor.

É tão indiferente...

Dor deixa de ser dor...

Dor é expressão de práxis

Do que não fazer.


Quando não há desejo...

Os membros ficam frágeis...

Impressões se desfazem...

Tentativas são incapazes...

De desfazer o rumor

Tamanha a superficialidade

Do corpo em bel-prazer


Quando não há pele

SENSIBILIDADE!

Não há corpo

Não há resposta

Nem êxtase!


Quando não há êxtase...

Nem se tem


História para contar.


Ângela Pereira.

12 de abril de 2010.

viernes, 9 de abril de 2010

E por que , querida, o choro não rompe?

E por que, querida, o choro não rompe?
Perdeu-se no caminho.
Travado no âmago
Espera resposta
Coragem ?
Ou espera o nada...

Somente o tempo passar.

Ângela Pereira
09 de abril de 2010.

martes, 6 de abril de 2010

Sem idas

Idos

Sem idas

Caminho sem volta

Sem partida

Corpos repartidos

Divididos

Perdidos

Sem dias

Sem idas

Sem vida


Ângela Pereira.

06/04/2010.

domingo, 4 de abril de 2010

Mulheres ( auto-organização)

Quiseram nos limitar a um mundo
em que os homens ditam regras opressoras...

Quiseram nos fazer frágeis,
doces, prisioneiras de nós mesmas...

Quiseram nos amarrar nos tabus,
no puritanismo, nas paredes da casa...

Deixaram marcas profundas na nossa mente,
no nosso corpo, na nossa história...

Mas, ousadas, dizemos não!
Libertárias, dizemos não!
Subversivas, dizemos não!
Socialistas, dizemos não!
Feministas, dizemos não!

Às vezes a voz tênue treme...
Às vezes nos falta teoria
Sem tempo livre é covardia...
Às vezes nos oprimem
Camaradas, quem diria...