martes, 16 de febrero de 2010

Pausa: ( Mario Quintana)

Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas,ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas? Com algum ciclista tombado?
Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo? E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso-comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Dom Quixote ou Sancho? – vive uma vida mais intensa e, portanto, mais verdadeira...
E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor. E agora?
Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
Io sonno um poeta o sonno um imbecille?
Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar e não pensar por ele.E daí?
– Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança –
o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

A Vaca e o Hipogrifo. Porto Alegre: Garatuja, 1977, pag. 59-60.


Não estou só!
Estou cá com os meus botões, ganhando vida! Sentido! Pena...o tempo de pausa passa...

2 comentarios:

  1. segundo o Sancho Pança porque é melhor repor depressa os óculos no nariz?

    ResponderBorrar
  2. porque segundo Sancho Pança é melhor repor depressa os óculos no nariz?

    ResponderBorrar