1. Introdução
Este paper tem por objetivo realizar
aproximações com referenciais teóricos a cerca da categoria trabalho de modo a identificar
como no processo de reestruturação da produção capitalista tem atingido nos
últimos anos o Estado Brasileiro e as políticas sociais, em especial a de
saúde, e assim ter subsídios para analisar a flexibilização e precarização de
trabalho no serviço público de saúde.
Trata-se de uma
pesquisa exploratória de caráter bibliográfico a partir de referenciais teóricos
clássicos sobre o tema, bem como indicações contidas no programa da disciplina
Política Social do Mestrado Acadêmico em Serviço Social da UFPB.
O mesmo se
justifica pela necessidade de se compreender as mediações existentes entre a
reestruturação produtiva nos marcos da produção e da reprodução capitalista e
identificar como essa incide na flexibilização e precarização do trabalho no
serviço público de saúde.
Nesse sentido,
realizaremos uma aproximação com as categorias de trabalho produtivo e
improdutivo, delimitando posteriormente a caracterização do trabalho em
serviços públicos de saúde e o papel que cabe a ele na divisão social e técnica
do trabalho.
Esse percurso
teórico ajudará a compreender os rebatimentos da reestruturação produtiva nos
serviços públicos de saúde e as inflexões dessas mudanças na flexibilização e
precarização de trabalho nestes serviços, em especial na Estratégia de Saúde da
Família.
2.
Desenvolvimento
2.2 O trabalho no setor saúde e o seu
lugar na reprodução do capital.
Compreender
o trabalho no setor saúde ao se propor a investigar como vem se dando as
inflexões da reestruturação produtiva nos serviços públicos de saúde, coloca a
necessidade de aproximação com o debate teórico que existe a cerca do trabalho
produtivo e improdutivo.
Para
Marx (1978) o trabalho produtivo é aquele que produz mais-valia, que produz
mercadoria com capacidade de valorizar o capital, ou seja, que é unidade de
valor de uso e de troca.
Por
outro lado, trabalho improdutivo para Marx (1978) é o trabalho consumido pelo
seu valor de uso e não como trabalho que gera valores de troca e que não produz
mais-valia. Assim: “É produtivo o trabalhador que executa trabalho produtivo; e
é produtivo o trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o
capital” (pág. 157)
Marx
(1978) afirma que “serviço não é, em geral, senão a expressão para o valor de
uso particular do trabalho, na medida em que este não é útil como coisa, mas
como atividade.” A afirmação indica que os serviços de forma geral são trabalhos
improdutivos, uma vez que mesmos são trabalhos que não geram mais valia.
Carcanholo
(1985) diverge de Marx na análise de que os serviços são improdutivos,
defendendo que os trabalhadores de serviço não apenas produzem excedente como
também o transferem de forma indireta.
“Sem dúvida, eles
produzem valor e caso não logrem vender seus serviços pelo valor produzido
(coisa que tende a ser cada vez mais verdade no capitalismo atual), não só
produzem excedente-valor como o transferem, pelo menos em parte, para seus
clientes. (...) Aqueles profissionais produzem valor e excedente-valor que não
é pago pelos que imediatamente usufruem que, se são trabalhadores, têm o valor
da sua força de trabalho reposto ou ampliado. Não só o excedente, mas o próprio
valor produzido pelos profissionais funcionários públicos reaparecerá nas mãos
dos capitais que contratem os trabalhadores sem que lhes custe.” (pág. 6).
Ao
se definir o trabalho no setor saúde como trabalho improdutivo não se retira o
papel que o mesmo tem no tocante à reprodução da força de trabalho.
Assim
enquanto política social do Estado, o trabalho no setor saúde, é responsável
juntamente com outras politicas sociais pela tentativa de amenizar as
expressões da questão social, bem como contribui com a reprodução da força de
trabalho à medida que previne e recupera agravos à saúde de trabalhadores.
“A
natureza da intervenção do Estado, em termos bastante empíricos,
considerando-se o que se chama comumente de medidas de política social’
consiste na implantação de assistência, de previdência social, de prestação de
serviços, de proteção jurídica, de construção de equipamentos sociais e de
subsídios.” (FALEIROS, 1941, pág. 56)
Apesar
das divergências em relação à caracterização do trabalho nos serviços públicos é
possível identificar em pesquisas que as inflexões do processo de acumulação do
capital e da reestruturação produtiva no trabalho nos serviços públicos
assemelham-se havendo suas particularidades.
2.3 Impactos da reestruturação
produtiva e da contra reforma do Estado no trabalho nos serviços públicos de
saúde.
Com
as sucessivas crises, acontecem várias alterações societárias, de modo a
garantir a perpetuação do sistema. O destaque se dá à reestruturação produtiva.
Vive-se, nos últimos anos, a intensificação de transformações no mundo do
trabalho como resposta à crise do capital dos anos 1970, que repercutiram
fortemente na classe que vive da
venda da força de trabalho, bem como no seu movimento sindical e operário.
Essas transformações se deram no processo produtivo, decorrentes do avanço
tecnológico, da constituição de formas de acumulação flexível e dos modelos
alternativos do binômio taylorismo/fordismo alternados para o toyotismo. As
mudanças decorrem da concorrência intercapitalista, bem como da necessidade de
controlar as tensões sociais da luta de classes (ANTUNES, 2010).
Nesse
período de oscilações e incertezas, novas formas de organização industrial, da
vida social e política são elaboradas, materializando-se num novo regime de
acumulação, a acumulação flexível. Para Harvey,
A acumulação
flexível [...] se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento
de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (1994, p.
140).
Novas
ferramentas tecnológicas e organizacionais resultaram em novas formas de
produção, num sistema produtivo mais “flexível” e “enxuto”, transnacionalizado,
e em novas formas de circulação de mercadorias e serviços. É assim que o
binômio taylorismo/fordismo, caracterizado, por exemplo, pela produção em massa
de mercadorias, homogeneizada e verticalizada, pelo trabalho parcelar,
fragmentado e repetitivo; pela extração extensiva da mais valia; pelo
prolongamento da jornada de trabalho, foi sendo integrado ou substituído pelo
toyotismo, caracterizado, por sua vez, pela autonomação; trabalho em equipe; pela
polivalência; pelo gerenciamento participativo (kaisen); pela subcontratação; pelo regime Just-in-time (JIT), regime de produção de alta qualidade, em pouco
tempo, com quantidade estritamente suficiente, acionada pela demanda, sem
formação de estoque e sem tempo de espera e pelo (kanban) sistema de informação
e transporte interno (ANTUNES, 2009; PINTO, 2007).
Além das
alterações mencionadas, verificam-se repercussões significativas no mundo do
trabalho, dentre elas, a crescente redução do proletariado fabril em
decorrência da reestruturação, flexibilização e desconcentração do espaço
físico produtivo; um incremento do novo proletariado através de um processo de
precarização (tercerizados, subcontratados, part-time);
a feminização acentuada do trabalho, precarizado e desregulamentado; o aumento
de assalariados médios e do setor de serviços, mas já com taxas altas de
desemprego; exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho dos países
centrais; inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho e
expansão do trabalho social combinado, em que trabalhadores de diversas regiões
do mundo participam do processo de produção e de serviços. Essas alterações
demonstram uma crescente fragilização, heterogeneização e complexificação da
classe trabalhadora (ANTUNES, 2010).
O discurso difundido, a partir da
nova organização capitalista é que a flexibilização tem por objetivo combater o
desemprego. A análise de conceitos como a flexibilização, permite compreender
que esta não significa solução para os índices de desemprego, trata-se,
entretanto, da imposição da diminuição de salários e agravamento das condições
inadequadas de trabalho. Neste sentido, a flexibilização pode ser considerada
como a liberdade de demissão dos funcionários por parte das empresas quando
lhes convier; a redução ou aumento de horário de trabalho quando as empresas
julgarem necessário sem aviso prévio; a possibilidade de modificar os salários
para valores menores do que os custos de reprodução da força de trabalho; a
capacidade de a empresa alterar horários das jornadas de trabalho,
subdividindo-as da maneira que lhes for mais conveniente e a possibilidade de
realizar contratação de funcionários por tempo determinado ou subcontratar
(VASAPOLLO, 2006).
Souza
(2010) define a flexibilização como um processo que é determinado e
condicionado por aspectos macroeconômicos relativos à nova fase de
mundialização do capital e que se caracteriza pela fluidez dos mercados
econômicos, atingindo, não só, a economia, como também, o mundo do trabalho.
Segundo a mesma, as conseqüências dessa flexibilização têm se incorporado nos
processos de trabalho, no mercado, na regulação das relações e nas formas de
gestão do trabalho, sendo condição determinante para o trabalho precário
atualmente. Como se nota, a flexibilização e a precarização do trabalho
colocam-se como processos interligados e presentes no mundo do trabalho atual.
Há
uma forte associação entre os fenômenos da flexibilização e precarização.
Eles apresentam-se como fenômenos indissociáveis que se dão pari passo,
estando o processo de flexibilização determinando as atuais
configurações da precarização do trabalho. Desta forma, não devem ser
confundidos, nem serem utilizados conceitualmente como fenômenos similares,
iguais. Eles refletem a forte tendência de desregulamentação do trabalho e se
expressam numa relação de determinação (SOUZA, 2010, p.47).
Essa associação entre flexibilização
e precarização permite uma compreensão mais abrangente desta última categoria,
ampliando a identificação dela com condições de trabalho que não se restringem
ao ambiente, a execução, a rotatividade nos serviços, a falta de isonomia
salarial e a intensidade das jornadas de trabalho, mas dizem respeito a todo um
contexto ampliado de organização e relações do trabalho pós-fordismo.
No Brasil, as
alterações no mundo do trabalho tiveram impactos semelhantes aos já aludidos
anteriormente. De acordo com Alves
(2000), somente na década de 1990, com uma maior ofensiva do capital e com a
implementação do Neoliberalismo, é que o novo complexo de reestruturação
produtiva ganhou força, incorporando ferramentas como a terceirização e
caminhando para um “toyotismo sistêmico”, que busca atingir uma nova captura da
subjetividade operária.
É nessa década também que se
verifica com maior acentuação mudanças no Estado, que, para atender interesses
da classe dominante, incorpora mais explicitamente o discurso neoliberal da
“mão invisível” do mercado e reestrutura-se para acatar as determinações de
organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial (BM), sob o argumento de que é preciso colocar o Brasil em patamares de
desenvolvimento semelhantes aos dos países centrais (SOUZA, 2009).
Como nos mostra Montaño e Durighetto,
[...] essa (contra) reforma se
expressa nos ‘ajustes estruturais’ de orientação monetarista e neoliberal, nos
planos econômico, social e burocrático-institucional, que os Estados
nacionais, a partir fundamentalmente das
atuais pressões e exigências das instituições financeiras internacionais de
Bretton Woods ( FMI, BM e Bird), tiveram que implementar como condição para
receber impréstimos e os investimentos produtivos dos capitais financeiros e
das multinacionais. A realização desses ‘ajustes’ é posta como passaporte para
a inserção de um país na dinâmica do capitalismo contemporâneo (2010, p. 205).
Entender a
(contra) reforma do Estado brasileiro é passo importante para compreender
também as alterações que se processam nas políticas sociais, bem como nas
condições de trabalho daqueles que atuam nos serviços públicos.
A crise do capital, a reestruturação
produtiva e as novas necessidades de acumulação do capital foram fatores
determinantes para a adoção de uma nova concepção de Estado e para se efetuar
internacionalmente mudanças estruturais na condução de políticas sociais.
Diante do argumento de que o Estado de
bem–estar social foi incapaz de atender aos interesses do capital,
elabora-se e executa-se o projeto neoliberal para os Estados Nacionais,
orientando-se a realização de reformas que enfrentem à crise do capital.
O neoliberalismo
nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do
Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente
contra o Estado intervencionista e de bem-estar (ANDERSON, 1995, p. 9).
O
projeto neoliberal é assim chamado porque reedita os ideários do liberalismo
clássico de que o mercado é a instância mais adequada à
alocação dos recursos de uma sociedade qualquer, motivo pelo qual não deveria
haver interferência do Estado na economia.
Nesse sentido, a proposta política neoliberal está fundamentada na
defesa da máxima liberdade dos mercados com maior eficiência na alocação de
recursos e o conseqüente bem estar social. Conforme Carcanholo “[...] o neoliberalismo prega o Estado mínimo como uma forma de
propiciar o livre funcionamento do mercado” (2002, p. 29).
As
alterações que se dão no Estado configuram, na verdade, uma (contra) reforma,
visto que se fundamentam no pensamento econômico neoliberal e na regressão das
condições de vida e de trabalho e de participação política das maiorias. Como afirma Montaño &
Durighetto,
A
chamada “reforma do Estado” funda-se na necessidade do grande capital de
liberalizar- desimpedir, desregulamentar- os mercados. Assim, concebe-se o
desmonte das bases de regulação das relações sociais, políticas e econômicas.
[...] tem assim um caráter político, econômico e ideológico que visa alterar as
bases do “Estado de Bem- estar Social” e do conjunto da sociedade construídas
no interior de um “pacto social-democrata”, no período do pós-guerra, e que
conformam o “ Regime de Acumulação fordista-keynesiano”. Tem por objetivo
esvaziar diversas conquistas sociais, trabalhistas, políticas e econômicas
desenvolvidas ao longo do século XX e, portanto, no lugar de uma “reforma”,
configura um verdadeiro processo de (contra) reforma do Estado (2010, p. 203).
A América Latina, mesmo não vivendo
a experiência do Estado de Bem-estar
social, sofreu influência das determinações neoliberais para as mudanças
nos seus Estados, de modo a enfrentar a crise do capital. Em reunião denominada
Consenso de Washington, realizada em
novembro de 1989, organismos internacionais (FMI, Bird, Banco Mundial),
representantes do governo norte-americano e de governos dos países
latino-americanos avaliaram o processo de reformas nestes últimos e acordaram
as “recomendações” do FMI de modo a intervir
em dez áreas:
1)
disciplina fiscal, 2) redução dos gastos públicos, 3) reforma tributária, 4) juros de mercado,
5) regime cambial de mercado, 6)
abertura comercial, 7) eliminação de controle sobre o investimento direto
estrangeiro, 8) privatização, 9) desregulamentação das leis trabalhistas e 10)
institucionalização da propriedade privada (Idem, 2010, p.211).
Para
justificar as reformas propostas, os neoliberais se valeram da idéia de que, na
“sociedade de escassez”, faz-se necessário o corte de gastos públicos
principalmente, com a força de trabalho e com políticas sociais. Essa escassez teria relação com uma
crise fiscal do Estado, na qual os gastos são superiores as receitas,
resultando em déficit estatal e gerando uma inflação permanente com os cortes
no orçamento (MONTAÑO & DURIGHETTO, 2010).
No Brasil, a
reforma que introduziu significativas alterações no trabalho no serviço público
foi a Reforma Bresser Pereira no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em
1995, através do Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE).
Segundo
Behring, Bresser Pereira caracteriza a crise fiscal como resultante do “[...]
déficit público, poupanças públicas negativas ou muito baixas, dívida interna e
externa excessivas, falta de crédito do Estado [...] e pouca credibilidade do
governo” (2003, p. 174). Este recomenda
a existência de um Estado pequeno e forte que realize como tarefas a garantia
da propriedade e de contratos; a promoção do bem-estar e de direitos sociais; a
realização de uma política industrial e de exportação de produtos.
É
nas políticas sociais que se verifica uma forte desresponsabilização e
desfinanciamento à proteção social, como conseqüência da alardeada crise fiscal
do Estado e sob argumento de que estas são paternalistas, geradoras de
desequilíbrio, de custo excessivo para o mercado. A maior orientação é a focalização das ações, com estímulos a
fundos sociais de emergência, e a mobilização da solidariedade individual e
voluntária, como também, a organizações filantrópicas e não governamentais (BEHRING,
2003).
A incorporação
da concepção neoliberal na elaboração dessas políticas serve para escamotear a
necessidade de mudanças estruturais na sociedade capitalista, limitando-se a
reformas que elegem a pobreza e a maior “equidade” social, sem envolver
modificações substantivas nas condições de produção de desigualdades sociais,
como centro de atuação, sem, todavia, atender as necessidades reais de vida
digna e de reprodução da força de trabalho.
A partir de programas sociais, os governos atuam na contenção social,
sem atingir as raízes da questão social e atendendo às exigências do grande
empresariado e dos organismos multilaterais de financiamento no pagamento da
dívida externa.
A focalização no
campo da saúde representou a prestação de serviços direcionados ao atendimento
às populações mais vulneráveis socioeconomicamente com “cestas básicas de
saúde” e um incentivo à privatização pela descentralização de serviços,
restrições a financiamentos, acesso a seguros privados e parcerias com as
organizações sociais.
Gomes
aponta que as ações dos governos brasileiros,
[...] fazem parte de uma
estratégia mais ampla dos organismos multilaterais, como o BIRD e o Banco
Mundial, os quais defendem a expansão de políticas sociais como meios de
enfrentamento da pobreza e das desigualdades sociais, o que não significa
promover e/ou ampliar sequer os níveis de equidade na sociedade (2011, p. 104).
Nesse
sentido, volta-se a atenção para redimensionar os gastos com as políticas
sociais, tendo a (contra) reforma repercussões no setor de serviços públicos.
Isso implica mudanças estruturantes na condução da política social, bem como na
gestão do trabalho. Como a argumentação
de que os principais gastos provinham do pagamento de folhas salariais e com os
serviços públicos, atua-se em duas frentes. Como nos mostra Souza,
Seguindo esta tendência a
política estatal para a saúde expressa no SUS, passa a incorporar duas
estratégias fundamentais para implantação deste novo modelo gerencial: a desregulamentação
do trabalho através da redução de gastos com força de trabalho, pelo
mecanismo do desemprego ou a redução dos encargos com o trabalho formal e, a descentralização
das ações de saúde que atribui ao município ações focalizadas de baixo
custo e desloca a demanda por trabalho para estados e municípios (SOUZA, 2009,
p.15).
Essas
alterações presentes do Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) significaram
repercussões de grande impacto ainda sobre a classe trabalhadora como a
desregulamentação das relações de trabalho e as mudanças no regime de emprego,
decorrentes dela. Processaram-se mudanças no regime de contratação, através da
flexibilização das formas de acesso ao trabalho, pela não exigência de concurso
público, pela ausência de isonomia salarial e de planos de cargo e carreira e
salários, não havendo, portanto, estabilidade no emprego (MARCONSIN, 2010;
SILVA, 2006).
Para entender
sobre quais suportes a flexibilização e a precarização do trabalho foram se
tornando cada vez mais uma realidade para os trabalhadores dos serviços
públicos é necessário identificar quais as mudanças na legislação trabalhista
decorrentes da “Reforma Bresser Pereira” que foram significativas para
determinar a condição atual desses trabalhadores. Tendo claro, ainda, que a
desregulamentação do trabalho se dá, não apenas, pelas alterações jurídicas,
legais e normativas, mas também pela implantação de uma lógica produtivista e
mercantilizada, pela intensificação da exploração da força de trabalho, pela
interferência na subjetividade dos trabalhadores, pela forte pressão de perda
de emprego e direitos sociais.
Foram essas mudanças nas bases
jurídicas que concederam ao Estado a possibilidade de flexibilização dos
contratos de trabalho nos serviços públicos. Alterações que significaram
grandes perdas para a classe trabalhadora no que se refere à estabilidade
financeira, a segurança de emprego e à organização e mobilização social como
acontece com os trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família.
A
ESF se apresenta atualmente como a principal estratégia estruturante do Sistema
Único de Saúde (SUS), sendo uma aposta dos últimos governos para reorganizar a
prática de atenção à saúde e reordenar a oferta aos serviços de saúde para a
população, através da atenção básica. Visa a modificação de um perfil de modelo
de atenção à saúde hospitalocêntrico (SOUZA, 2009).
O
programa Saúde da Família foi formulado pelo governo federal em 1993 e
implantado em 1994, tendo inicialmente a perspectiva de atender 32 milhões de
pessoas incluídas na classificação de vulnerabilidade social do mapa da fome do
Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA). Buscava possibilitar acesso a serviços
de saúde para grupos marginalizados, regiões de baixa densidade populacional ou
pequenos centros com condições deficientes de saúde.
Teve
como precursor o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e agregou-se
a ele a fim de assegurar maior resolutividade. Ao final de 1995, o programa se
expande para várias regiões do país, sendo inserido como política do governo
federal. E em 1996, o Ministério da Saúde define o PSF como estratégia de
reordenamento dos serviços de saúde, não apresentando mais o argumento de que o
serviço é direcionado para a população pobre (SILVA, 2006).
Para
o Ministério da Saúde, o modelo predominante de assistência à saúde era
considerado ineficiente e ineficaz, centrado na hospitalização e na realização
de ações curativas de doenças, com uso de alta tecnologia. Assim, a fim de que
se consolide uma nova forma de ofertar atenção à saúde, a partir de uma visão
não apenas curativa, mas também de prevenção e promoção da saúde o que antes
era Programa de Saúde da Família (PSF) se torna estratégia.
A
ESF se caracteriza por ser a porta de entrada de um sistema hierarquizado e
regionalizado de saúde, tendo sob sua responsabilidade um território definido,
com uma população delimitada, partindo do conhecimento do perfil epidemiológico
e demográfico de sua área de atuação, podendo intervir sobre os fatores de
risco, aos quais a comunidade está exposta, de forma a oferecer às pessoas
atenção integral, permanente e de qualidade. (BRASIL, 2009).
A
estratégia é composta por uma equipe mínima de trabalhadores (um médico de
família generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes
comunitários de saúde), podendo ser integrada também por uma equipe de saúde
bucal (dentista, auxiliar de consultório dentário e técnico em saúde bucal) e
tem como objetivos centrais prestar assistência integral, constante e
resolutiva e de qualidade, de acordo com as necessidades de saúde da população
adscrita, tendo como foco a família. Para atingir esses objetivos são exigidos
dos trabalhadores, a abordagem multidisciplinar, processos diagnósticos da
realidade, planejamento das ações e organização do trabalho no território, além
do incentivo ao exercício do controle social. (PIRES et all, 2001).
Essa
aposta integra, no bojo da (contra) reforma do Estado, uma série de políticas
que visam reduzir os gastos com a saúde, focalizando a atenção à saúde pública
para os pobres, enquanto, aos poucos, impulsionado pela correlação de forças
entre os projetos político-ideológicos das classes sociais brasileiras e
internacionais, vai se enfraquecendo o caráter público da totalidade do SUS.
Expressa, portanto, a continuidade da política de saúde dos anos 1990, que dá
ênfase à focalização, à precarização e à terceirização do trabalho (BRAVO,
2008).
A partir das análises de Souza apud Pires
(2001), podemos dizer que as condições de trabalho das ESF’s são precárias, no
tocante à composição básica insuficiente das equipes; a insuficiência de
profissionais com o perfil necessário ao programa; diversas formas de contrato
de trabalho; diferenças na estrutura física das unidades, estando algumas
inadequadas e em situação precária; sobrecarga de atendimento, gerando
dificuldades em efetuar o planejamento e discutir a dinâmica do trabalho;
interferência no fluxo e contrafluxo dos usuários e informações entre os
diferentes níveis do sistema; diferentes formas de gestão das equipes de saúde
da família; expectativas contraditórias e conflitos das equipes de saúde da
família com os poderes locais; conflitos na relação entre o PSF e a população,
quando as equipes não conseguem atender à demanda.
Diante de um quadro de precarização
e de degradação das condições socioeconômicas da população em geral,
dificilmente os objetivos da ESF anteriormente mencionados serão cumpridos.
Sendo a ESF direcionada para a resolução de demandas de assistência à saúde da
população mais pobre, que sofre de forma mais intensa as conseqüências da
questão social, a intervenção dos profissionais é limitada e cada vez mais
difícil de ser executada, considerando a falta de condições para execução das
atribuições destes. Além disso, o alcance das ações da ESF é limitado tendo em
vista a problemática da questão social que não se finda nesse sistema
socioeconômico.
Esses trabalhadores da saúde
encontram-se submetidos a jornadas estafantes de trabalho nas quais os mesmos
tem que lidar com pressões psicológicas, advindas da exigência dos usuários em
relação à oferta do serviço da rede de atenção completa e não apenas da atenção
básica, pelo fato de esta ser a porta de entrada do SUS e estar em contato
direto com o território e com as famílias; da cobrança da gestão com a
produtividade e resolutividade (expressas nos indicadores de saúde) sem
condições adequadas de trabalho nas USF’s (ambiente físico e acesso a insumos);
do contato com o sofrimento dos usuários por eles atendidos, em condições
degradantes de vida e adoecimento.
São submetidos ainda à sobrecarga
de trabalho que se expressa no número crescente de atendimentos realizados e
aumento da população adscrita, na intensidade dos movimentos realizados
repetidamente, na exposição a agentes químicos e físicos dentre outros
aspectos. Somam-se a isso preocupações
referentes ao salário, a estabilidade financeira e a possibilidade de perda de
emprego diante da grande rotatividade, limitação de tempo nos contratos de
trabalho como prestador de serviço; a dificuldade de dialogar com sujeitos de
formações técnicas, humanas e subjetividades diversas. A precarização do
trabalho é somatizada, então, nos processos de adoecimento que se acumulam no
histórico ocupacional desses trabalhadores.
3.
Conclusão
A
aproximação com as categorias “trabalho produtivo e improdutivo” estimulam
reflexões sobre particularidades dos rebatimentos que tem a reestruturação
produtiva sobre o setor de serviços. Todavia há necessidade de incorporar
outros referências teóricos que permitam compreender melhor as mediações que
existem entre os processo de acumulação do capital e a reestruturação produtiva
considerando a realidade brasileira.
Nesse
sentido, segue o desafio de aprofundar as pesquisas bibliográficas que
subsidiem o estudo do objeto “A flexibilização e a precarização do trabalho na
Estratégia de Saúde da família.”
4. Referências
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ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2010, 213 p.
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Obs.: Paper escrito para a disciplina Política Social do Mestrado de Serviço Social da UFPB. Faço a ressalva de que esta versão não passou por correção da Professora Drª Claúdia Gomes.
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