viernes, 5 de abril de 2013

Os impactos da reestruturação produtiva no trabalho no serviço público de saúde.


1.       Introdução

Este paper tem por objetivo realizar aproximações com referenciais teóricos a cerca da categoria trabalho de modo a identificar como no processo de reestruturação da produção capitalista tem atingido nos últimos anos o Estado Brasileiro e as políticas sociais, em especial a de saúde, e assim ter subsídios para analisar a flexibilização e precarização de trabalho no serviço público de saúde.
Trata-se de uma pesquisa exploratória de caráter bibliográfico a partir de referenciais teóricos clássicos sobre o tema, bem como indicações contidas no programa da disciplina Política Social do Mestrado Acadêmico em Serviço Social da UFPB.
O mesmo se justifica pela necessidade de se compreender as mediações existentes entre a reestruturação produtiva nos marcos da produção e da reprodução capitalista e identificar como essa incide na flexibilização e precarização do trabalho no serviço público de saúde.
Nesse sentido, realizaremos uma aproximação com as categorias de trabalho produtivo e improdutivo, delimitando posteriormente a caracterização do trabalho em serviços públicos de saúde e o papel que cabe a ele na divisão social e técnica do trabalho. 
Esse percurso teórico ajudará a compreender os rebatimentos da reestruturação produtiva nos serviços públicos de saúde e as inflexões dessas mudanças na flexibilização e precarização de trabalho nestes serviços, em especial na Estratégia de Saúde da Família.

2.      Desenvolvimento

2.2  O trabalho no setor saúde e o seu lugar na reprodução do capital.
Compreender o trabalho no setor saúde ao se propor a investigar como vem se dando as inflexões da reestruturação produtiva nos serviços públicos de saúde, coloca a necessidade de aproximação com o debate teórico que existe a cerca do trabalho produtivo e improdutivo.
Para Marx (1978) o trabalho produtivo é aquele que produz mais-valia, que produz mercadoria com capacidade de valorizar o capital, ou seja, que é unidade de valor de uso e de troca.
Por outro lado, trabalho improdutivo para Marx (1978) é o trabalho consumido pelo seu valor de uso e não como trabalho que gera valores de troca e que não produz mais-valia. Assim: “É produtivo o trabalhador que executa trabalho produtivo; e é produtivo o trabalho que gera diretamente mais-valia, isto é, que valoriza o capital” (pág. 157)
Marx (1978) afirma que “serviço não é, em geral, senão a expressão para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este não é útil como coisa, mas como atividade.” A afirmação indica que os serviços de forma geral são trabalhos improdutivos, uma vez que mesmos são trabalhos que não geram mais valia.
Carcanholo (1985) diverge de Marx na análise de que os serviços são improdutivos, defendendo que os trabalhadores de serviço não apenas produzem excedente como também o transferem de forma indireta.

Sem dúvida, eles produzem valor e caso não logrem vender seus serviços pelo valor produzido (coisa que tende a ser cada vez mais verdade no capitalismo atual), não só produzem excedente-valor como o transferem, pelo menos em parte, para seus clientes. (...) Aqueles profissionais produzem valor e excedente-valor que não é pago pelos que imediatamente usufruem que, se são trabalhadores, têm o valor da sua força de trabalho reposto ou ampliado. Não só o excedente, mas o próprio valor produzido pelos profissionais funcionários públicos reaparecerá nas mãos dos capitais que contratem os trabalhadores sem que lhes custe.” (pág. 6).

Ao se definir o trabalho no setor saúde como trabalho improdutivo não se retira o papel que o mesmo tem no tocante à reprodução da força de trabalho.
Assim enquanto política social do Estado, o trabalho no setor saúde, é responsável juntamente com outras politicas sociais pela tentativa de amenizar as expressões da questão social, bem como contribui com a reprodução da força de trabalho à medida que previne e recupera agravos à saúde de trabalhadores.
“A natureza da intervenção do Estado, em termos bastante empíricos, considerando-se o que se chama comumente de medidas de política social’ consiste na implantação de assistência, de previdência social, de prestação de serviços, de proteção jurídica, de construção de equipamentos sociais e de subsídios.” (FALEIROS, 1941, pág. 56)

Apesar das divergências em relação à caracterização do trabalho nos serviços públicos é possível identificar em pesquisas que as inflexões do processo de acumulação do capital e da reestruturação produtiva no trabalho nos serviços públicos assemelham-se havendo suas particularidades.

2.3  Impactos da reestruturação produtiva e da contra reforma do Estado no trabalho nos serviços públicos de saúde.

Com as sucessivas crises, acontecem várias alterações societárias, de modo a garantir a perpetuação do sistema. O destaque se dá à reestruturação produtiva. Vive-se, nos últimos anos, a intensificação de transformações no mundo do trabalho como resposta à crise do capital dos anos 1970, que repercutiram fortemente na classe que vive da venda da força de trabalho, bem como no seu movimento sindical e operário. Essas transformações se deram no processo produtivo, decorrentes do avanço tecnológico, da constituição de formas de acumulação flexível e dos modelos alternativos do binômio taylorismo/fordismo alternados para o toyotismo. As mudanças decorrem da concorrência intercapitalista, bem como da necessidade de controlar as tensões sociais da luta de classes (ANTUNES, 2010).
Nesse período de oscilações e incertezas, novas formas de organização industrial, da vida social e política são elaboradas, materializando-se num novo regime de acumulação, a acumulação flexível. Para Harvey,
A acumulação flexível [...] se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (1994, p. 140).

Novas ferramentas tecnológicas e organizacionais resultaram em novas formas de produção, num sistema produtivo mais “flexível” e “enxuto”, transnacionalizado, e em novas formas de circulação de mercadorias e serviços. É assim que o binômio taylorismo/fordismo, caracterizado, por exemplo, pela produção em massa de mercadorias, homogeneizada e verticalizada, pelo trabalho parcelar, fragmentado e repetitivo; pela extração extensiva da mais valia; pelo prolongamento da jornada de trabalho, foi sendo integrado ou substituído pelo toyotismo, caracterizado, por sua vez, pela autonomação; trabalho em equipe; pela polivalência; pelo gerenciamento participativo (kaisen); pela subcontratação; pelo regime Just-in-time (JIT), regime de produção de alta qualidade, em pouco tempo, com quantidade estritamente suficiente, acionada pela demanda, sem formação de estoque e sem tempo de espera e pelo (kanban) sistema de informação e transporte interno (ANTUNES, 2009; PINTO, 2007).
Além das alterações mencionadas, verificam-se repercussões significativas no mundo do trabalho, dentre elas, a crescente redução do proletariado fabril em decorrência da reestruturação, flexibilização e desconcentração do espaço físico produtivo; um incremento do novo proletariado através de um processo de precarização (tercerizados, subcontratados, part-time); a feminização acentuada do trabalho, precarizado e desregulamentado; o aumento de assalariados médios e do setor de serviços, mas já com taxas altas de desemprego; exclusão de jovens e idosos do mercado de trabalho dos países centrais; inclusão precoce e criminosa de crianças no mercado de trabalho e expansão do trabalho social combinado, em que trabalhadores de diversas regiões do mundo participam do processo de produção e de serviços. Essas alterações demonstram uma crescente fragilização, heterogeneização e complexificação da classe trabalhadora (ANTUNES, 2010).
O discurso difundido, a partir da nova organização capitalista é que a flexibilização tem por objetivo combater o desemprego. A análise de conceitos como a flexibilização, permite compreender que esta não significa solução para os índices de desemprego, trata-se, entretanto, da imposição da diminuição de salários e agravamento das condições inadequadas de trabalho. Neste sentido, a flexibilização pode ser considerada como a liberdade de demissão dos funcionários por parte das empresas quando lhes convier; a redução ou aumento de horário de trabalho quando as empresas julgarem necessário sem aviso prévio; a possibilidade de modificar os salários para valores menores do que os custos de reprodução da força de trabalho; a capacidade de a empresa alterar horários das jornadas de trabalho, subdividindo-as da maneira que lhes for mais conveniente e a possibilidade de realizar contratação de funcionários por tempo determinado ou subcontratar (VASAPOLLO, 2006).
Souza (2010) define a flexibilização como um processo que é determinado e condicionado por aspectos macroeconômicos relativos à nova fase de mundialização do capital e que se caracteriza pela fluidez dos mercados econômicos, atingindo, não só, a economia, como também, o mundo do trabalho. Segundo a mesma, as conseqüências dessa flexibilização têm se incorporado nos processos de trabalho, no mercado, na regulação das relações e nas formas de gestão do trabalho, sendo condição determinante para o trabalho precário atualmente. Como se nota, a flexibilização e a precarização do trabalho colocam-se como processos interligados e presentes no mundo do trabalho atual.
Há uma forte associação entre os fenômenos da flexibilização e precarização. Eles apresentam-se como fenômenos indissociáveis que se dão pari passo, estando o processo de flexibilização determinando as atuais configurações da precarização do trabalho. Desta forma, não devem ser confundidos, nem serem utilizados conceitualmente como fenômenos similares, iguais. Eles refletem a forte tendência de desregulamentação do trabalho e se expressam numa relação de determinação (SOUZA, 2010, p.47).

            Essa associação entre flexibilização e precarização permite uma compreensão mais abrangente desta última categoria, ampliando a identificação dela com condições de trabalho que não se restringem ao ambiente, a execução, a rotatividade nos serviços, a falta de isonomia salarial e a intensidade das jornadas de trabalho, mas dizem respeito a todo um contexto ampliado de organização e relações do trabalho pós-fordismo.
No Brasil, as alterações no mundo do trabalho tiveram impactos semelhantes aos já aludidos anteriormente.  De acordo com Alves (2000), somente na década de 1990, com uma maior ofensiva do capital e com a implementação do Neoliberalismo, é que o novo complexo de reestruturação produtiva ganhou força, incorporando ferramentas como a terceirização e caminhando para um “toyotismo sistêmico”, que busca atingir uma nova captura da subjetividade operária.
É nessa década também que se verifica com maior acentuação mudanças no Estado, que, para atender interesses da classe dominante, incorpora mais explicitamente o discurso neoliberal da “mão invisível” do mercado e reestrutura-se para acatar as determinações de organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), sob o argumento de que é preciso colocar o Brasil em patamares de desenvolvimento semelhantes aos dos países centrais (SOUZA, 2009).
 Como nos mostra Montaño e Durighetto,
[...] essa (contra) reforma se expressa nos ‘ajustes estruturais’ de orientação monetarista e neoliberal, nos planos econômico, social e burocrático-institucional, que os Estados nacionais,  a partir fundamentalmente das atuais pressões e exigências das instituições financeiras internacionais de Bretton Woods ( FMI, BM e Bird), tiveram que implementar como condição para receber impréstimos e os investimentos produtivos dos capitais financeiros e das multinacionais. A realização desses ‘ajustes’ é posta como passaporte para a inserção de um país na dinâmica do capitalismo contemporâneo (2010, p. 205).

Entender a (contra) reforma do Estado brasileiro é passo importante para compreender também as alterações que se processam nas políticas sociais, bem como nas condições de trabalho daqueles que atuam nos serviços públicos.
A crise do capital, a reestruturação produtiva e as novas necessidades de acumulação do capital foram fatores determinantes para a adoção de uma nova concepção de Estado e para se efetuar internacionalmente mudanças estruturais na condução de políticas sociais. Diante do argumento de que o Estado de bem–estar social foi incapaz de atender aos interesses do capital, elabora-se e executa-se o projeto neoliberal para os Estados Nacionais, orientando-se a realização de reformas que enfrentem à crise do capital.
O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar (ANDERSON, 1995, p. 9).

O projeto neoliberal é assim chamado porque reedita os ideários do liberalismo clássico de que o mercado é a instância mais adequada à alocação dos recursos de uma sociedade qualquer, motivo pelo qual não deveria haver interferência do Estado na economia.  Nesse sentido, a proposta política neoliberal está fundamentada na defesa da máxima liberdade dos mercados com maior eficiência na alocação de recursos e o conseqüente bem estar social. Conforme Carcanholo “[...] o neoliberalismo prega o Estado mínimo como uma forma de propiciar o livre funcionamento do mercado” (2002, p. 29).
As alterações que se dão no Estado configuram, na verdade, uma (contra) reforma, visto que se fundamentam no pensamento econômico neoliberal e na regressão das condições de vida e de trabalho e de participação política das maiorias. Como afirma Montaño & Durighetto,
A chamada “reforma do Estado” funda-se na necessidade do grande capital de liberalizar- desimpedir, desregulamentar- os mercados. Assim, concebe-se o desmonte das bases de regulação das relações sociais, políticas e econômicas. [...] tem assim um caráter político, econômico e ideológico que visa alterar as bases do “Estado de Bem- estar Social” e do conjunto da sociedade construídas no interior de um “pacto social-democrata”, no período do pós-guerra, e que conformam o “ Regime de Acumulação fordista-keynesiano”. Tem por objetivo esvaziar diversas conquistas sociais, trabalhistas, políticas e econômicas desenvolvidas ao longo do século XX e, portanto, no lugar de uma “reforma”, configura um verdadeiro processo de (contra) reforma do Estado (2010, p. 203).

A América Latina, mesmo não vivendo a experiência do Estado de Bem-estar social, sofreu influência das determinações neoliberais para as mudanças nos seus Estados, de modo a enfrentar a crise do capital. Em reunião denominada Consenso de Washington, realizada em novembro de 1989, organismos internacionais (FMI, Bird, Banco Mundial), representantes do governo norte-americano e de governos dos países latino-americanos avaliaram o processo de reformas nestes últimos e acordaram as “recomendações” do FMI de modo a intervir  em dez áreas:
1) disciplina fiscal, 2) redução dos gastos públicos,  3) reforma tributária, 4) juros de mercado, 5) regime  cambial de mercado, 6) abertura comercial, 7) eliminação de controle sobre o investimento direto estrangeiro, 8) privatização, 9) desregulamentação  das leis trabalhistas e 10) institucionalização da propriedade privada (Idem, 2010, p.211).

Para justificar as reformas propostas, os neoliberais se valeram da idéia de que, na “sociedade de escassez”, faz-se necessário o corte de gastos públicos principalmente, com a força de trabalho e com políticas sociais. Essa escassez teria relação com uma crise fiscal do Estado, na qual os gastos são superiores as receitas, resultando em déficit estatal e gerando uma inflação permanente com os cortes no orçamento (MONTAÑO & DURIGHETTO, 2010).
No Brasil, a reforma que introduziu significativas alterações no trabalho no serviço público foi a Reforma Bresser Pereira no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1995, através do Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE).
Segundo Behring, Bresser Pereira caracteriza a crise fiscal como resultante do “[...] déficit público, poupanças públicas negativas ou muito baixas, dívida interna e externa excessivas, falta de crédito do Estado [...] e pouca credibilidade do governo” (2003, p. 174).  Este recomenda a existência de um Estado pequeno e forte que realize como tarefas a garantia da propriedade e de contratos; a promoção do bem-estar e de direitos sociais; a realização de uma política industrial e de exportação de produtos.
É nas políticas sociais que se verifica uma forte desresponsabilização e desfinanciamento à proteção social, como conseqüência da alardeada crise fiscal do Estado e sob argumento de que estas são paternalistas, geradoras de desequilíbrio, de custo excessivo para o mercado. A maior orientação é a focalização das ações, com estímulos a fundos sociais de emergência, e a mobilização da solidariedade individual e voluntária, como também, a organizações filantrópicas e não governamentais (BEHRING, 2003).
A incorporação da concepção neoliberal na elaboração dessas políticas serve para escamotear a necessidade de mudanças estruturais na sociedade capitalista, limitando-se a reformas que elegem a pobreza e a maior “equidade” social, sem envolver modificações substantivas nas condições de produção de desigualdades sociais, como centro de atuação, sem, todavia, atender as necessidades reais de vida digna e de reprodução da força de trabalho.  A partir de programas sociais, os governos atuam na contenção social, sem atingir as raízes da questão social e atendendo às exigências do grande empresariado e dos organismos multilaterais de financiamento no pagamento da dívida externa. 
A focalização no campo da saúde representou a prestação de serviços direcionados ao atendimento às populações mais vulneráveis socioeconomicamente com “cestas básicas de saúde” e um incentivo à privatização pela descentralização de serviços, restrições a financiamentos, acesso a seguros privados e parcerias com as organizações sociais.
Gomes aponta que as ações dos governos brasileiros,
[...] fazem parte de uma estratégia mais ampla dos organismos multilaterais, como o BIRD e o Banco Mundial, os quais defendem a expansão de políticas sociais como meios de enfrentamento da pobreza e das desigualdades sociais, o que não significa promover e/ou ampliar sequer os níveis de equidade na sociedade (2011, p. 104).

Nesse sentido, volta-se a atenção para redimensionar os gastos com as políticas sociais, tendo a (contra) reforma repercussões no setor de serviços públicos. Isso implica mudanças estruturantes na condução da política social, bem como na gestão do trabalho.  Como a argumentação de que os principais gastos provinham do pagamento de folhas salariais e com os serviços públicos, atua-se em duas frentes. Como nos mostra Souza,
Seguindo esta tendência a política estatal para a saúde expressa no SUS, passa a incorporar duas estratégias fundamentais para implantação deste novo modelo gerencial: a desregulamentação do trabalho através da redução de gastos com força de trabalho, pelo mecanismo do desemprego ou a redução dos encargos com o trabalho formal e, a descentralização das ações de saúde que atribui ao município ações focalizadas de baixo custo e desloca a demanda por trabalho para estados e municípios (SOUZA, 2009, p.15).

Essas alterações presentes do Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) significaram repercussões de grande impacto ainda sobre a classe trabalhadora como a desregulamentação das relações de trabalho e as mudanças no regime de emprego, decorrentes dela. Processaram-se mudanças no regime de contratação, através da flexibilização das formas de acesso ao trabalho, pela não exigência de concurso público, pela ausência de isonomia salarial e de planos de cargo e carreira e salários, não havendo, portanto, estabilidade no emprego (MARCONSIN, 2010; SILVA, 2006).
Para entender sobre quais suportes a flexibilização e a precarização do trabalho foram se tornando cada vez mais uma realidade para os trabalhadores dos serviços públicos é necessário identificar quais as mudanças na legislação trabalhista decorrentes da “Reforma Bresser Pereira” que foram significativas para determinar a condição atual desses trabalhadores. Tendo claro, ainda, que a desregulamentação do trabalho se dá, não apenas, pelas alterações jurídicas, legais e normativas, mas também pela implantação de uma lógica produtivista e mercantilizada, pela intensificação da exploração da força de trabalho, pela interferência na subjetividade dos trabalhadores, pela forte pressão de perda de emprego e direitos sociais.
Foram essas mudanças nas bases jurídicas que concederam ao Estado a possibilidade de flexibilização dos contratos de trabalho nos serviços públicos. Alterações que significaram grandes perdas para a classe trabalhadora no que se refere à estabilidade financeira, a segurança de emprego e à organização e mobilização social como acontece com os trabalhadores da Estratégia de Saúde da Família.
A ESF se apresenta atualmente como a principal estratégia estruturante do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo uma aposta dos últimos governos para reorganizar a prática de atenção à saúde e reordenar a oferta aos serviços de saúde para a população, através da atenção básica. Visa a modificação de um perfil de modelo de atenção à saúde hospitalocêntrico (SOUZA, 2009).
O programa Saúde da Família foi formulado pelo governo federal em 1993 e implantado em 1994, tendo inicialmente a perspectiva de atender 32 milhões de pessoas incluídas na classificação de vulnerabilidade social do mapa da fome do Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA). Buscava possibilitar acesso a serviços de saúde para grupos marginalizados, regiões de baixa densidade populacional ou pequenos centros com condições deficientes de saúde.
Teve como precursor o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e agregou-se a ele a fim de assegurar maior resolutividade. Ao final de 1995, o programa se expande para várias regiões do país, sendo inserido como política do governo federal. E em 1996, o Ministério da Saúde define o PSF como estratégia de reordenamento dos serviços de saúde, não apresentando mais o argumento de que o serviço é direcionado para a população pobre (SILVA, 2006).
Para o Ministério da Saúde, o modelo predominante de assistência à saúde era considerado ineficiente e ineficaz, centrado na hospitalização e na realização de ações curativas de doenças, com uso de alta tecnologia. Assim, a fim de que se consolide uma nova forma de ofertar atenção à saúde, a partir de uma visão não apenas curativa, mas também de prevenção e promoção da saúde o que antes era Programa de Saúde da Família (PSF) se torna estratégia.
A ESF se caracteriza por ser a porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde, tendo sob sua responsabilidade um território definido, com uma população delimitada, partindo do conhecimento do perfil epidemiológico e demográfico de sua área de atuação, podendo intervir sobre os fatores de risco, aos quais a comunidade está exposta, de forma a oferecer às pessoas atenção integral, permanente e de qualidade. (BRASIL, 2009).
A estratégia é composta por uma equipe mínima de trabalhadores (um médico de família generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde), podendo ser integrada também por uma equipe de saúde bucal (dentista, auxiliar de consultório dentário e técnico em saúde bucal) e tem como objetivos centrais prestar assistência integral, constante e resolutiva e de qualidade, de acordo com as necessidades de saúde da população adscrita, tendo como foco a família. Para atingir esses objetivos são exigidos dos trabalhadores, a abordagem multidisciplinar, processos diagnósticos da realidade, planejamento das ações e organização do trabalho no território, além do incentivo ao exercício do controle social. (PIRES et all, 2001).
Essa aposta integra, no bojo da (contra) reforma do Estado, uma série de políticas que visam reduzir os gastos com a saúde, focalizando a atenção à saúde pública para os pobres, enquanto, aos poucos, impulsionado pela correlação de forças entre os projetos político-ideológicos das classes sociais brasileiras e internacionais, vai se enfraquecendo o caráter público da totalidade do SUS. Expressa, portanto, a continuidade da política de saúde dos anos 1990, que dá ênfase à focalização, à precarização e à terceirização do trabalho (BRAVO, 2008).
 A partir das análises de Souza apud Pires (2001), podemos dizer que as condições de trabalho das ESF’s são precárias, no tocante à composição básica insuficiente das equipes; a insuficiência de profissionais com o perfil necessário ao programa; diversas formas de contrato de trabalho; diferenças na estrutura física das unidades, estando algumas inadequadas e em situação precária; sobrecarga de atendimento, gerando dificuldades em efetuar o planejamento e discutir a dinâmica do trabalho; interferência no fluxo e contrafluxo dos usuários e informações entre os diferentes níveis do sistema; diferentes formas de gestão das equipes de saúde da família; expectativas contraditórias e conflitos das equipes de saúde da família com os poderes locais; conflitos na relação entre o PSF e a população, quando as equipes não conseguem atender à demanda.
Diante de um quadro de precarização e de degradação das condições socioeconômicas da população em geral, dificilmente os objetivos da ESF anteriormente mencionados serão cumpridos. Sendo a ESF direcionada para a resolução de demandas de assistência à saúde da população mais pobre, que sofre de forma mais intensa as conseqüências da questão social, a intervenção dos profissionais é limitada e cada vez mais difícil de ser executada, considerando a falta de condições para execução das atribuições destes. Além disso, o alcance das ações da ESF é limitado tendo em vista a problemática da questão social que não se finda nesse sistema socioeconômico.
Esses trabalhadores da saúde encontram-se submetidos a jornadas estafantes de trabalho nas quais os mesmos tem que lidar com pressões psicológicas, advindas da exigência dos usuários em relação à oferta do serviço da rede de atenção completa e não apenas da atenção básica, pelo fato de esta ser a porta de entrada do SUS e estar em contato direto com o território e com as famílias; da cobrança da gestão com a produtividade e resolutividade (expressas nos indicadores de saúde) sem condições adequadas de trabalho nas USF’s (ambiente físico e acesso a insumos); do contato com o sofrimento dos usuários por eles atendidos, em condições degradantes de vida e adoecimento. 
São submetidos ainda à sobrecarga de trabalho que se expressa no número crescente de atendimentos realizados e aumento da população adscrita, na intensidade dos movimentos realizados repetidamente, na exposição a agentes químicos e físicos dentre outros aspectos.  Somam-se a isso preocupações referentes ao salário, a estabilidade financeira e a possibilidade de perda de emprego diante da grande rotatividade, limitação de tempo nos contratos de trabalho como prestador de serviço; a dificuldade de dialogar com sujeitos de formações técnicas, humanas e subjetividades diversas. A precarização do trabalho é somatizada, então, nos processos de adoecimento que se acumulam no histórico ocupacional desses trabalhadores.

3.      Conclusão
A aproximação com as categorias “trabalho produtivo e improdutivo” estimulam reflexões sobre particularidades dos rebatimentos que tem a reestruturação produtiva sobre o setor de serviços. Todavia há necessidade de incorporar outros referências teóricos que permitam compreender melhor as mediações que existem entre os processo de acumulação do capital e a reestruturação produtiva considerando a realidade brasileira.
Nesse sentido, segue o desafio de aprofundar as pesquisas bibliográficas que subsidiem o estudo do objeto “A flexibilização e a precarização do trabalho na Estratégia de Saúde da família.”


4.      Referências
 ____________ Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2.ed.São Paulo: Boitempo, 2009, 287p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção. Diretrizes para o Núcleo de Apoio a Saúde da Família, Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 160 p. il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde) (Cadernos de Atenção Básica; n. 27).
BRAVO, M. I.; MENEZES, J. S. B. Política de Saúde no Governo Lula.in: Política de saúde na atual conjuntura: modelos de gestão e agenda para a saúde / Organizadores, Maria Inês Souza Bravo[et al.] 2. ed. Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius/Adurfrj-SSind, 2008, 48 p.
CARCANHOLO, M.D. Abertura externa e liberalização financeira: impactos sobre crescimento e distribuição no Brasil dos anos 90. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: o Autor, 2002.
CARCANHOLO, Reinaldo A. O trabalho produtivo na teoria Marxista. Disponível em http://rcarcanholo.sites.uol.com.br/Textos/Trabalhoprodutivo2.pdf. Acesso em 10 de novembro de 2012.
HARVEY, D. Condição Pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 4 ed. São Paulo: Loyola, 1994,349 p.
MARX, K. Trabalho produtivo e trabalho improdutivo. In: A dialética do trabalho. Ricardo Antunes (org.) São Paulo: Expressão Popular, 2004.
MARCOSIN, C.; CAETANO, M. L. M. Neoliberalismo, Reestruturação produtiva e exploração do trabalho. In: Movimentos Sociais, Saúde e trabalho. Maria Inês Bravo (org.). Rio de Janeiro: ENSP/FIOCRUZ, 2010, 240 p.
SILVA, V. L. A. O fio da meada: Flexibilização e precarização do trabalho no Programa de Saúde da Família em João Pessoa-PB. Tese de Doutorado ao programa de pós-graduação em sociologia da Universidade Federal da Paraíba, 2006, 297 p.
SOUZA, M. A. S. O trabalho em saúde: os fios que tecem a (des)regulamentação do trabalho nos serviços públicos / Moema Amélia Serpa de Souza. – Recife: O Autor, 2009.
VASAPOLLO, L. O trabalho atípico e a precariedade. Elemento estratégico determinante do capital no paradigma pós-fordista. In: Riqueza e miséria do trabalho no Brasil/Ricardo Antunes (org.) São Paulo: Boitempo, 2006, 528 p.


Obs.: Paper escrito para a disciplina Política Social do Mestrado de Serviço Social da UFPB. Faço a ressalva de que esta versão não passou por correção da Professora Drª Claúdia Gomes. 

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