Estou a experimentar
um momento bem interessante na vida. Completei trinta anos no último dia 29 de
março. Embora a data de aniversário e a idade tenha uma representação
importante na vida, e, realmente está tendo na minha vida, e merece-se aos olhos
de muitos, explosões de fogos de artifícios (para as/os exageradas/os) ou uma
festa rodeada de pessoas com quem se tem cotidianamente contato, ou não, preferi
a calmaria e a intimidade, sem notificações no facebook, por vezes, tão superficiais e protocolares, sem e-mails
avisando aos outros de um possível encontro, sem expressões efusivas de uma
vida popular, que não tenho. Triste? Para os que estão imersos em relações
superficiais e, por vezes hipócritas sim, para mim não.
Recibi, sim, felicitações
de pessoas que tem significação importante na minha vida. Não cabe aqui eu
fazer referência a nomes e a intensidade dessa significação. Elas foram
suficientes para eu ter a noção de quem se importa, de quem se interessa e de
quem gosta de mim dentro do círculo de pessoas com quem convivo ou convivi. É certo
ainda que diante do tamanho de informações que hoje guardamos, acabamos por
selecionar determinadas informações e não memorizar outras como datas de
aniversário. Há pessoas que não recordaram da data, mas que a relação de afeto
no dia a dia, nas lembranças, nos desejos de felicidade e nas demonstrações de
afeto, valem até mais que um “Parabéns” no dia do aniversário. Isso é o que
importa.
Andam comentando de
um isolamento e afastamento de minha parte. Reduzi significativamente o número
de atividades com o que estava envolvida, sai de redes sociais e estou a
selecionar por restrições financeiras e por interesse as atividades a que frequentar,
para dedicar-me a um objetivo que nesse momento precisa de foco, determinação e
motivação para ser atingido. As
experiências de vida que marcam minha memória (origem de classe e a dedicação
familiar com quem sou tratada ao longo desses trinta anos), as exigências que a
materialidade da existência me impõem, a contra-gosto, e o projeto de sociedade
que defendo e em que acredito não me farão perder esse foco.
Seguir firme nos meus
propósitos com questionamentos vindos de diversas partes, interpretações
equivocadas, desinteressadas e algumas vezes maliciosas de pessoas que sabendo
como entrar em contato comigo não o fazem, embora possam tornar o caminho às
vezes chato, incômodo e dolorido, para quem nunca gostou de interferências
desrespeitosas e de determinações externas à vontades próprias, torna o desafio,
mais intenso e significativo na afirmação do que sou, do que quero para mim e
para o mundo, como mulher negra de origem pobre; feminista, socialista e
comunista em formação.
É tempo de
assertividade, aprofundamento e seletividade.
É como se estivesse a
renascer. Renascimento significa no
dicionário Aurélio nascer de novo (na
realidade ou na aparência); 2. Renovar; 3. Remoçar.
O prefixo (re-) tem
uma intenção importante e necessária. Não parto do zero. As experiências que
tive ao longo da vida são sempre tomadas como aprendizado. Não saio ilesa a
elas. Não me servindo mais tento extrair delas aprendizados que juntamente com outros
vão me compondo.
Esse renascimento tem
a ver com a forma de encarar e resolver as coisas da vida. Há algum tempo
atrás, cedia a algumas coisas pela possibilidade de agradar ou de não magoar os
outros. Acabava me magoando. Havia ainda uma tendência de justificar-me por
determinadas decisões. Essa postura pouco segura acaba dando espaço para as
pessoas determinarem certos rumos da minha vida. Não estou mais disposta a
repetir alguns padrões de comportamento. Isso não significa, entretanto, negar
trocas de experiências e aceitar opiniões que contribuam com os meus
objetivos.
Em conjunto, a forma
de lidar com os relacionamentos afetivos inter-sexuais, fortifica-se. Certas
ilusões a mim não me cabem mais. Até estico a ponta do elástico para ver onde
vai dar, mas pressentindo pelas experiências anteriores, certos comportamentos machistas dos homens e que tendencialmente posso sentir até aonde vai dar, são
relativamente compreendidos e não me causam tanta dor como outrora.
Na desconstrução das
verdades, de "falsas ilusões" muitas vezes existentes apenas no mundo
romântico das mulheres, principalmente, é preciso viver os encontros, lidar
maduramente com os desencontros, sabendo a hora de chegar e a hora de sair
desapegadamente. Na vida, seja nos
relacionamentos fraternais seja nos relacionamentos amorosos e carnais, o que é
preciso levar são as experiências boas que te fazem evoluir... É o gosto por
aquele autor do outra/o que te fez interessar, é o sabor do vinho que o outra/o
experimentara em outro país, é o som e a melodia de uma música que marcou a
vida do outra/o... É preciso, sobretudo, nesses encontros perceber o quanto
eles nos fazem bem o mal. O quanto eles não estão a nos colocar numa posição subalterna,
submissa ou podem tendencialmente evoluir para a não reciprocidade. E quando a
mente influenciada pelas histórias de contos de fada, pelas novelas de amor,
pelos filmes e livros românticos nos fizerem cair em malhas de ilusão, tentar,
sobretudo, viver o presente. Dói, mas também é delicioso descobrir que as
histórias que não são nossas e que não nos cabem precisam ser devoradas.
Essa postura diante
da realidade me coloca novamente à vista e nas mãos o amor ao estudo. Sempre
gostei de estudar. Quando criança já era curiosa em relação às coisas e aos mistérios
do mundo. Minha mãe costuma contar que eu ficava aos cantos da sala com o dedo
na boca a observar as pessoas. Chupeio meu dedo polegar esquerdo já na barriga da
minha querida mãe até os 9 anos de idade quando parei de chupar por decisao própria. Depois de um tempo, o prazer de
chupar o dedo foi interrompido pelas normas de comportamento sociais
pré-estabelecidas; acabei seguindo-as, mas também não senti falta, ocupei esse
espaço com outras ocupações. Diante dessa postura, o comentário da família é
que não daria “nada nos estudos”. Acho que somente por provocação e por ir ao
contrário dessa impressão, fiz exatamente o contrário.
Tinha eu alguma
suposição de respostas, ou buscava respostas para certos acontecimentos de
ordem biológica, física u química. Era uma criança metida, no sentido de me interessar pela conversa de adultos e de
amigas da minha irmã mais velha. Tinha a
iniciativa de participar de algumas atividades mesmo sem ser convidada, é verdade
que algumas dessas posturas, às vezes trouxeram prejuízos para minha mãe e meu
pai, mas eram posturas provocadas pela necessidade de expansão e de ação.
Acabei me destacando
na escola. Essa condição de destaque me colocava também em situações
desagradáveis. Ora pela inveja de algumas pessoas, ora pelo preconceito, e
muitas vezes pela aproximação interesseira e utilitarista. Na adolescência, todo mundo queria fazer
trabalhos escolares com a estudiosa, mas nada mais que isso à exceção de
algumas poucas amizades que fizeram e que assim como eu tinham interesse por literatura,
história e política e por quais hoje guardo uma profunda amizade. Quando se
tratava de falar das roupas compradas (consumismo), das festas e baladas
frequentadas e das paqueras, erámos excluídas. Não pautava minhas amizades na
superficialidade e nem por futilidade, mas a sensação de exclusão social que
também tinha relação econômica deixou em mim profundas marcas.
Um texto de
significativa importância para mim nesse momento é do livro de Rubens Alves “Carta
aos pais e adolescentes”. Num dos textos dele, o autor fala das maritacas e aos sabiás, referindo,
respectivamente, aos adolescentes que andam em grupos para se sentirem
populares e integrados e aos adolescentes mais introspectivos, quietos,
inventivos e curiosos, que não andam em grandes grupos, mas que quando abrem a
boca tem atenção em razão da propriedade com que falam sobre determinados
assuntos. Seriam estes últimos os sabiás que quando abrem a boca, todos páram
para ouvir os seus cantos.
Lidar então com
determinadas questões não é novidade para mim. Da mesma forma, entender que
determinadas condições e forma de encarar e viver a vida, diferentes da das
maioria incomoda aos demais também não é novidade. A diferença agora é que não
deixo mais mudarem os meus rumos e me entristecerem.
Nos três últimos anos,
e, sobretudo, no ano que se segue, pela condição explicitada anteriormente
vejo-me na necessidade de maior introspecção. Introspecção e solitude, estas
que tem me feito amadurecer significamente, contribuído para me conhecer ainda
mais, para saber em que preciso evoluir na condição de mulher negra pobre,
feminista, socialista e comunista em formação para atingir os objetivos que quero,
não apenas passando pela vida, mas deixando marcas.
“ Não vim ao mundo ‘à passeio’.” “Nunca foi fácil e não seria fácil agora”. São
algumas das expressões que sintetizam um pouco de mim nesse momento.
Ângela Pereira.
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