domingo, 7 de abril de 2013

AUTOCONHECIMENTO, RENASCIMENTO E MATURIDADE.


Estou a experimentar um momento bem interessante na vida.  Completei trinta anos no último dia 29 de março. Embora a data de aniversário e a idade tenha uma representação importante na vida, e, realmente está tendo na minha vida, e merece-se aos olhos de muitos, explosões de fogos de artifícios (para as/os exageradas/os) ou uma festa rodeada de pessoas com quem se tem cotidianamente contato, ou não, preferi a calmaria e a intimidade, sem notificações no facebook, por vezes, tão superficiais e protocolares, sem e-mails avisando aos outros de um possível encontro, sem expressões efusivas de uma vida popular, que não tenho. Triste? Para os que estão imersos em relações superficiais e, por vezes hipócritas sim, para mim não.
Recibi, sim, felicitações de pessoas que tem significação importante na minha vida. Não cabe aqui eu fazer referência a nomes e a intensidade dessa significação. Elas foram suficientes para eu ter a noção de quem se importa, de quem se interessa e de quem gosta de mim dentro do círculo de pessoas com quem convivo ou convivi. É certo ainda que diante do tamanho de informações que hoje guardamos, acabamos por selecionar determinadas informações e não memorizar outras como datas de aniversário. Há pessoas que não recordaram da data, mas que a relação de afeto no dia a dia, nas lembranças, nos desejos de felicidade e nas demonstrações de afeto, valem até mais que um “Parabéns” no dia do aniversário. Isso é o que importa.
Andam comentando de um isolamento e afastamento de minha parte. Reduzi significativamente o número de atividades com o que estava envolvida, sai de redes sociais e estou a selecionar por restrições financeiras e por interesse as atividades a que frequentar, para dedicar-me a um objetivo que nesse momento precisa de foco, determinação e motivação para ser atingido.  As experiências de vida que marcam minha memória (origem de classe e a dedicação familiar com quem sou tratada ao longo desses trinta anos), as exigências que a materialidade da existência me impõem, a contra-gosto, e o projeto de sociedade que defendo e em que acredito não me farão perder esse foco.
Seguir firme nos meus propósitos com questionamentos vindos de diversas partes, interpretações equivocadas, desinteressadas e algumas vezes maliciosas de pessoas que sabendo como entrar em contato comigo não o fazem, embora possam tornar o caminho às vezes chato, incômodo e dolorido, para quem nunca gostou de interferências desrespeitosas e de determinações externas à vontades próprias, torna o desafio, mais intenso e significativo na afirmação do que sou, do que quero para mim e para o mundo, como mulher negra de origem pobre; feminista, socialista e comunista em formação.  
É tempo de assertividade, aprofundamento e seletividade.
É como se estivesse a renascer.  Renascimento significa no dicionário Aurélio nascer de novo (na realidade ou na aparência); 2. Renovar; 3. Remoçar.
O prefixo (re-) tem uma intenção importante e necessária. Não parto do zero. As experiências que tive ao longo da vida são sempre tomadas como aprendizado. Não saio ilesa a elas. Não me servindo mais tento extrair delas aprendizados que juntamente com outros vão me compondo.
Esse renascimento tem a ver com a forma de encarar e resolver as coisas da vida. Há algum tempo atrás, cedia a algumas coisas pela possibilidade de agradar ou de não magoar os outros. Acabava me magoando. Havia ainda uma tendência de justificar-me por determinadas decisões. Essa postura pouco segura acaba dando espaço para as pessoas determinarem certos rumos da minha vida. Não estou mais disposta a repetir alguns padrões de comportamento. Isso não significa, entretanto, negar trocas de experiências e aceitar opiniões que contribuam com os meus objetivos. 
Em conjunto, a forma de lidar com os relacionamentos afetivos inter-sexuais, fortifica-se. Certas ilusões a mim não me cabem mais. Até estico a ponta do elástico para ver onde vai dar, mas pressentindo pelas experiências anteriores, certos comportamentos machistas  dos homens  e que tendencialmente posso sentir até aonde vai dar, são relativamente compreendidos e não me causam tanta dor como outrora.
Na desconstrução das verdades, de "falsas ilusões" muitas vezes existentes apenas no mundo romântico das mulheres, principalmente, é preciso viver os encontros, lidar maduramente com os desencontros, sabendo a hora de chegar e a hora de sair desapegadamente.  Na vida, seja nos relacionamentos fraternais seja nos relacionamentos amorosos e carnais, o que é preciso levar são as experiências boas que te fazem evoluir... É o gosto por aquele autor do outra/o que te fez interessar, é o sabor do vinho que o outra/o experimentara em outro país, é o som e a melodia de uma música que marcou a vida do outra/o... É preciso, sobretudo, nesses encontros perceber o quanto eles nos fazem bem o mal. O quanto eles não estão a nos colocar numa posição subalterna, submissa ou podem tendencialmente evoluir para a não reciprocidade. E quando a mente influenciada pelas histórias de contos de fada, pelas novelas de amor, pelos filmes e livros românticos nos fizerem cair em malhas de ilusão, tentar, sobretudo, viver o presente. Dói, mas também é delicioso descobrir que as histórias que não são nossas e que não nos cabem precisam ser devoradas.
Essa postura diante da realidade me coloca novamente à vista e nas mãos o amor ao estudo. Sempre gostei de estudar. Quando criança já era curiosa em relação às coisas e aos mistérios do mundo. Minha mãe costuma contar que eu ficava aos cantos da sala com o dedo na boca a observar as pessoas. Chupeio meu dedo polegar esquerdo já na barriga da minha querida mãe até os 9 anos de idade quando  parei de chupar por decisao própria. Depois de um tempo, o prazer de chupar o dedo foi interrompido pelas normas de comportamento sociais pré-estabelecidas; acabei seguindo-as, mas também não senti falta, ocupei esse espaço com outras ocupações. Diante dessa postura, o comentário da família é que não daria “nada nos estudos”. Acho que somente por provocação e por ir ao contrário dessa impressão, fiz exatamente o contrário.
Tinha eu alguma suposição de respostas, ou buscava respostas para certos acontecimentos de ordem biológica, física u química. Era uma criança metida, no sentido de me interessar pela conversa de adultos e de amigas da minha irmã mais velha.  Tinha a iniciativa de participar de algumas atividades mesmo sem ser convidada, é verdade que algumas dessas posturas, às vezes trouxeram prejuízos para minha mãe e meu pai, mas eram posturas provocadas pela necessidade de expansão e de ação.
Acabei me destacando na escola. Essa condição de destaque me colocava também em situações desagradáveis. Ora pela inveja de algumas pessoas, ora pelo preconceito, e muitas vezes pela aproximação interesseira e utilitarista.  Na adolescência, todo mundo queria fazer trabalhos escolares com a estudiosa, mas nada mais que isso à exceção de algumas poucas amizades que fizeram e que assim como eu tinham interesse por literatura, história e política e por quais hoje guardo uma profunda amizade. Quando se tratava de falar das roupas compradas (consumismo), das festas e baladas frequentadas e das paqueras, erámos excluídas. Não pautava minhas amizades na superficialidade e nem por futilidade, mas a sensação de exclusão social que também tinha relação econômica deixou em mim profundas marcas.
Um texto de significativa importância para mim nesse momento é do livro de Rubens Alves “Carta aos pais e adolescentes”. Num dos textos dele, o autor fala das maritacas e aos sabiás, referindo, respectivamente, aos adolescentes que andam em grupos para se sentirem populares e integrados e aos adolescentes mais introspectivos, quietos, inventivos e curiosos, que não andam em grandes grupos, mas que quando abrem a boca tem atenção em razão da propriedade com que falam sobre determinados assuntos. Seriam estes últimos os sabiás que quando abrem a boca, todos páram para ouvir os seus cantos.
Lidar então com determinadas questões não é novidade para mim. Da mesma forma, entender que determinadas condições e forma de encarar e viver a vida, diferentes da das maioria incomoda aos demais também não é novidade. A diferença agora é que não deixo mais mudarem os meus rumos e me entristecerem.

Nos três últimos anos, e, sobretudo, no ano que se segue, pela condição explicitada anteriormente vejo-me na necessidade de maior introspecção. Introspecção e solitude, estas que tem me feito amadurecer significamente, contribuído para me conhecer ainda mais, para saber em que preciso evoluir na condição de mulher negra pobre, feminista, socialista e comunista em formação para atingir os objetivos que quero, não apenas passando pela vida, mas deixando marcas.

“ Não vim ao mundo ‘à passeio’.”  “Nunca foi fácil e não seria fácil agora”. São algumas das expressões que sintetizam um pouco de mim nesse momento.

Ângela Pereira.

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