POR NÃO SER
RACIONAL RENUNCIAR A SER LIVRE.
Onde estão os grilhões invisíveis que te prendem ao
solo?
Não vês, mas sentes o peso nas pernas.
E as mordaças transparentes que te impedem de gritar?
Não vês, mas te sufoca a voz.
E as vendas que te colocaram nos olhos?
Não vês, mas há alguma luz que atravessa o tecido.
Por não ser racional renunciar a ser livre.
E se te levantares?
Verás bem, mas te rasgarão a pele,
te pisarão e te
jogarão no próximo carro de lixo.
Mas como não é racional renunciar a ser livre
a verdade
proletária hás de espalhar.
Ângela Pereira.
Companheiras e companheiros,
Quanto vale
a dignidade de um/a trabalhador/a? E a vida? Há tempos ouso dizer que vale o quanto o
capital consegue expropriar e oprimir, contrariando a idéia de que não “vale
nada”.
O capital não é um corpo físico, não
podemos pegá-lo, estrangulá-lo, queimá-lo como de verdade mereceria. Entretanto,
ele (digo, a sua ideologia) penetra nos nossos poros, nossos olhos, nos nossos
ouvidos, nos nossos ventres, nas nossas bocas e língua, impregna-se nas
nossas mentes e suga impiedosamente a energia e a vida. É um parasita!
Coloca trabalhadores contra trabalhadores
a serviço da desumanização progressiva.
Milhões de nós, enfeitiçados, circulam
das suas casas, aos escritórios, às fábricas e aos shoppings como se nada
estivesse errado. Outras/os, entretanto, apesar do sofrimento de uma vida
marcada pela dor de ser trabalhador nesse sistema, não se ajoelham por não ser
racional renunciar a ser livre:
Fim do mês no “país do carnaval” e na cidade do “pôr do sol mais oriental
das Américas” vê-se mais uma cena dolorosa e indignante.
Marli, uma artesã sensível e com um bom nível de consciência crítica, que
nos caminhos da vida foi empurrada pela necessidade de sobrevivência para o trabalho
informal, resistindo a cooptação de um trabalho como prestadora de serviço,
tentava vender mensageiros do vento, filtros dos sonhos, coqueirinhos de
material reciclável e algumas garrafas e copos de água, próximo do Shopping Tambiá,
no centro de João Pessoa. Foi abordada na manhã do dia 28 de fevereiro
(quinta-feira) pelos “bombados” (nome usualmente dado pelos vendedores
ambulantes aos fiscais), enquanto vendia suas mercadorias. Dois agentes solicitaram
que a mesma “circulasse” na área, caso não o fizesse, seus materiais seriam
apreendidos. Como não tinha condições de obedecer à ordem dos agentes, em razão
da sua condição de saúde e dificuldade de transportar o seu carrinho pesado confeccionado
com partes de geladeira, a caixa de isopor cheia de garrafinhas com água e seus
artesanatos, a mesma falou que poderiam levar o material.
Pelo telefone a artesã tentou entrar em contato com um amigo para obter
ajuda e entrar em contato com o Secretário de Desenvolvimento Urbano (SEDURB)
Assis Freire, conhecido dela e conterrâneo da cidade de Belém, interior da Paraíba.
Ao perceberem o telefonema, os agentes assumiram ainda mais a postura de
autoridade, sendo grosseiros com a mesma.
Depois de algum tempo, repentinamente, a mesma é surpreendida pela
abordagem truculenta, arrogante, machista e desumana de cerca de seis agentes
de controle urbano que pegam os seus instrumentos de trabalho e colocam sobre
uma caminhonete, deixando pelo caminho algumas mercadorias e danificando parte
dos materiais entre eles, os óculos dela.
Mesmo emocionalmente abalada, Marli vai ao encontro do secretario Assis
Freire para solicitar uma intervenção e o mesmo entrega-lhe o valor de 40 (quarenta)
reais, apesar de não concordar com a situação, como estava com as contas de
energia, água e aluguel atrasadas, ela se vê obrigada a aceitar, mas fala que
necessita de emprego digno e não daquele tipo de “ajuda”. É orientada a ir
buscar os materiais dela em setor da Guarda Municipal no dia seguinte
(sexta-feira).
Procura ainda a Secretaria de Políticas para as mulheres e tenta falar
com a Secretária Socorro Borges, mas não consegue. Sendo atendida por uma recepcionista
que a orientou se cadastrar no empreender mulher. Foi orientada a tirar cópia
de documentação, mas precisou dizer que não tinha dinheiro para poder
sensibilizar a atendente a tirar a cópia da documentação dela e ser cadastrada.
Marli diz ter se sentido invisível na secretaria.
No dia posterior, 1º de março (sexta-feira) estive com ela no setor da
guarda municipal para reaver seus instrumentos de trabalho. O ambiente parecia inadequado com pouca
circulação de ar e com uma “energia pesada”. Tão brutalizante quanto à aparência
dos trabalhadores ali presentes. O machismo paraiva no ar, saltava pelos olhos
e saia com as palavras na saliva da boca dos homens e mulher ali presentes. Os
primeiros atendimentos foram insensíveis, a sensação de impotência e
irresolutividade eram veementes. Até decidirmos
entrar em contato com a secretaria da SEDURB e reivindicar a vinda do
responsável pelo setor, Magalhães.
Somente com a chegada de Magalhães e com a escuta realizada por ele e
pela psicóloga Jô nos sentimos escutadas e atendidas. Segundo os mesmos, ambos
estão há apenas cerca de um mês no setor com a tarefa de tentar modificar a forma de intervenção e a administração do
setor. Magalhães e Jô assumiram o compromisso de encaminhar uma solução para o
caso de Marli em conjunto com o Secretário Assis Freire.
Ficamos manhã e tarde lá entre escuta, averiguação de materiais e
transporte dos mesmos para a oficina de Marli. Com a impossibilidade de vender as mercadorias
na rua, Marli retornou para casa sabendo que três dias sem a possibilidade de
vender algo custará muito para a sua sobrevivência –“três leões não mortos por
três dias”.
Quantas Marli’s, Maria’s, Joaõ’s e
José’s estão em situação semelhante ou pior?
Marli recebe dinheiro do Bolsa Família, mas sabe que não é a solução para
os seus problemas. Conhece na pele o papel coercitivo e consensuador do Estado.
Marli por saber que não é racional
renunciar a ser livre não aceita ser explorada e escravizada por um trabalho
como prestadora de serviço. Marli precisa de “emprego digno” e tempo para fazer
seus mensageiros de ventos e filtros dos sonhos.
OBSERVAÇÃO: Enquanto Marli não consegue um “emprego
digno” e recupera os rendimentos dos dias em que não pode estar na rua para
vender seus artesanatos e algumas garrafas de água, precisa comer e pagar
algumas contas. Provisoriamente Marli
precisa de ajuda financeira ou de doação de alimentos. Mas o que Marli e todas
trabalhadoras e trabalhadores querem mesmo é “emprego digno”, condições para
respirar sem sentir a dor da exploração e opressão.
Caso alguém possa
contribuir com Marli, favor entrar em contato comigo pelo e-mail: anja.pereira@yahoo.com.br e
telefones: (83) 98012570/87982170.
Ângela Pereira.
Trabalhadora.
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