lunes, 25 de febrero de 2013

Sobre o Lulismo.


Resenha Crítica              

SINGER, André Vitor. Introdução. Alguns temas da questão setentrional. in: Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador/ André Vitor Singer. 1ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 2012.

André Vítor Singer é brasileiro, filho do economista Paul Singer, nasceu em São Paulo no ano de 1958. Graduou-se em Ciências Sociais em 1980 e em Jornalismo em 1986 na Universidade de São Paulo (USP), onde também fez seu mestrado (1993) e o doutorado (1998) em Ciência Política. Atuou como secretário da redação do Jornal “Folha de São Paulo” e como Secretário de Imprensa do Palácio do Planalto, além de porta-voz da Presidência da República no primeiro mandato de Lula (2003-2007). Atualmente é professor Doutor do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humana da Universidade de São Paulo e tem se dedicado a estudar o comportamento eleitoral do Brasil e Teoria Política Moderna.
Em seu livro “Os sentidos do Lulismo”, lançado no segundo semestre do ano de 2012, o autor apresenta o acúmulo dos estudos realizados e apresentados em vários artigos anteriores sobre um tema atual e controverso que tem interessado a um público acadêmico, mas também a sujeitos políticos de forma geral_ o lulismo.
Na introdução do livro, Alguns temas da questão setentrional, em que a questão setentrional é tida como “o estranho arranjo político em que os excluídos sustentavam a exclusão”, o autor apresenta a questão que para ele ainda está em aberto: “O lulismo incidirá sobre as contradições centrais do capitalismo brasileiro, colocando-o em patamar superior? ”

Para realizar uma aproximação à resposta da questão, sem o objetivo de respondê-la diante da complexidade do tema a que o autor se refere ao iniciar a introdução, afirmando que: “o Lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento.” (pág. 9), Singer realiza um resgate de alguns aspectos da trajetória eleitoral de Lula e aspectos socioeconômicos dos seus governos.

Aponta que após eleições de 2002, no primeiro mandato, o governo Lula decidido a evitar o confronto com o capital, adotou uma política econômica conservadora com: aumento de juros; elevação na meta do superávit fiscal; corte no orçamento público; queda do poder de compra da população; queda de crescimento; aumento do desemprego; queda do rendimento médio do trabalhador. Afirma, entretanto, que ao final do seu segundo mandato no ano de 2010, o cenário é outro com queda da taxa de juros em dezembro de 2010; redução do superávit primário; com aumento do salário mínimo; com auxílio de 22 a 200 reais do programa Bolsa família; expansão do crédito e do padrão de consumo; crescimento do PIB e queda do desemprego.
Diante desse resgate, o autor apresenta vários questionamentos para tentar equacionar a questão apresentada no início da introdução:

O que teria acontecido nos dois quadriênios em que Lula orientou o Brasil? Confirmou-se o truncamento da acumulação e a desigualdade “sem remissão”, previstos por Oliveira, ou se entrou em fase de desenvolvimento com distribuição de renda, observada por Tavares? O país teria dado seguimento à vocação conservadora, que afogara, no passado, as possibilidades de desenvolvimento democrático, ou estariam certas as avaliações de que a aceleração do crescimento e a redução da desigualdade inauguravam etapa distinta? E, caso estivessem corretas as perspectivas otimistas, como teria sido possível destravar a economia e reduzir a iniquidade sem radicalização política, numa transição quase imperceptível do viés supostamente neoliberal do primeiro mandato para o reformismo do segundo? (SINGER, 2012, p. 12 e 13)


Singer (2012) ao examinar a trajetória eleitoral de Lula, a partir de dados das últimas eleições afirma ter havido uma mudança do perfil de eleitores deste, sendo preservadas ainda algumas características para os eleitores do Partido dos Trabalhadores (PT). Nas eleições de 2002, os eleitores de Lula tinham o grau de escolaridade mais elevado. Entretanto, o que vai se observando é que nas eleições de 2006, houve uma mudança no perfil do eleitorado, sendo estes em maioria de baixa renda, que para o autor se incluem no subproletariado[1].
Essa mudança que estabeleceu a separação entre ricos e pobres, a que o autor denomina de “realinhamento eleitoral”, teria iniciado já após as eleições de 2002, quando no mandato houve uma orientação para se adotar políticas que visassem o combate à pobreza, como se observa no trecho abaixo:
Teria havido, a partir de 2003, uma orientação que permitiu, contando com a mudança da conjuntura econômica internacional, a adoção de políticas para reduzir a pobreza — com destaque para o combate à miséria — e para a ativação do mercado interno, sem confronto com o capital. Isso teria produzido, em associação com a crise do “mensalão”, um realinhamento eleitoral que se cristaliza em 2006, surgindo o lulismo. (SINGER, 2012, p. 13)

A expressão “realinhamento eleitoral”, de acordo com o autor, teria sido criada nos Estados Unidos para nomear a mudança de setores do eleitorado que definem um ciclo político longo. Explica que a ele interessa o uso do termo no sentido de apontar uma agenda de longo prazo definida por essa mudança num bloco de eleitores.

O meu objetivo era chamar a atenção para as importantes mudanças que se divisavam nos dados relativos à eleição de 2006, alterações capazes de “definir um novo tipo de política, um novo conjunto de clivagens, que pode, então, durar por décadas”. No caso brasileiro, a agenda desse possível realinhamento é, a meu ver, a redução da pobreza. (SINGER, 2012, p. 13)

Singer no artigo “Lulismo e seu futuro” compara esse fenômeno com o que aconteceu nos Estados Unidos com a eleição de Franklin D. Roosevelt quando da adoção do New Deal, como uma política para enfrentar a crise de 1929. Em outro texto, Raízes sociais e ideológicas do Lulismo, Singer (2009) explicita melhor quais teriam sido os fatores que contribuíram para esse realinhamento. Dialogando com outros autores, o cientista político elenca não apenas o fortalecimento e ampliação do programa Bolsa Família, atingindo especialmente as regiões do Norte e Nordeste, onde se encontram os “bolsões de pobreza”, mas também o aumento do poder de consumo das camadas mais pobres da população, o aumento no salário mínimo; a concessão de crédito consignado para os aposentados, bem como a criação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para a população idosa e pessoa com deficiência.  Esses fatores teriam em conjunto contribuído para a aprovação do governo entre a população de baixa renda e interferindo na mudança do perfil do eleitorado de Lula.
Assim, afirma o autor que o Lulismo se dá com o encontro de uma liderança com o subproletariado associado a uma política de redução da pobreza como agenda do realinhamento:


Em suma, foi em 2006 que ocorreu o duplo deslocamento de classe que caracteriza o realinhamento brasileiro e estabeleceu a separação política entre ricos e pobres, a qual tem força suficiente para durar por muito tempo. O lulismo, que emerge junto com o realinhamento, é , do meu ponto de vista, o encontro de uma liderança, a de Lula, com uma fração de classe, o subproletariado, por meio do programa cujos pontos principais foram delineados entre 2003 e 2005: combater a pobreza, sobretudo onde ela é mais excruciante tanto social quanto regionalmente, por meio da ativação do mercado interno, melhorando o padrão de consumo da metade mais pobre da sociedade, que se concentra no Norte e Nordeste do país, sem confrontar os interesses do capital. (SINGER, 2012, p. 15)



Fazendo referência a Caio Prado Júnior e a Celso Furtado, o autor resgata a tese de que as dificuldades para o desenvolvimento do país estavam relacionadas à grande massa de miseráveis ou “sobrepopulação trabalhadora superempobrecida permanente” de qual a população brasileira é composta e de que para romper com o ciclo vicioso do atraso seria preciso fortalecer o mercado interno, criando condições de sobrevivência, de investimento e de emprego.

Para Celso Furtado e Caio Prado Jr., as virtualidades e empecilhos que tinha a nação para romper o círculo vicioso do atraso estavam vinculados à existência da massa de miseráveis no país. (...) A miséria anulava a possibilidade de surgir um setor industrial voltado para o mercado interno. Sem ter emprego, a massa miserável tornava-se uma espécie de “sobrepopulação trabalhadora superempobrecida permanente”. Seria necessário elevar as condições de existência das camadas mais pobres, superando a “situação de miserabilidade da grande massa da população do país, que deriva em última instância da natureza de nossa formação histórica”, para iniciar um círculo virtuoso, pensava Caio Prado. Ao fazê-lo, o mercado interno ampliado estimularia a criação de investimentos e empregos, rompendo finalmente o círculo vicioso anterior. (SINGER, 2012, p. 16 -17)

A análise do autor é que a política de redução da pobreza iniciada no Governo Lula atingiu sobremaneira o subproletariado, interferindo no ciclo vicioso descrito por Celso Furtado e por Caio Prado a partir da introdução de mudanças estruturais e que a conjuntura favorável dos anos de 2003 a 2008 teria contribuído para a construção do Lulismo, como se observa no excerto abaixo:

O lulismo partiu de grau tão elevado de miséria e desigualdade, em país cujo mercado interno potencial é expressivo, que as mudanças estruturais introduzidas, embora tênues em face das expectativas radicais, tiveram efeito poderoso, especialmente quando vistas da perspectiva dos que foram beneficiados por elas: o próprio subproletariado. A conjuntura econômica mundial favorável entre 2003 e 2008, não só por apresentar um ciclo de expansão capitalista como por envolver um boom de commodities, ajudou a produzir o lulismo. No entanto, foram as decisões do primeiro mandato, intensificadas no segundo, que canalizaram o vento a favor da economia internacional para a redução da pobreza e a ativação do mercado interno. Lula aproveitou a onda de expansão mundial e optou por caminho intermediário ao neoliberalismo da década anterior — que tinha agravado para próximo do insuportável a contradição fundamental brasileira — e ao reformismo forte que fora o programa do PT até as vésperas da campanha de 2002. O subproletariado, reconhecendo na invenção lulista a plataforma com que sempre sonhara — um Estado capaz de ajudar os mais pobres sem confrontar a ordem —, deu-lhe suporte para avançar, acelerando o crescimento com redução da desigualdade no segundo mandato, e, assim, garantindo a vitória de Dilma em 2010 e a continuidade do projeto ao menos até 2014. (grifo meu) (SINGER, 2012, p. 21).


O autor parece muito otimista com as mudanças ocorridas nos dois mandatos do governo Lula. Embora faça a ressalva quanto às respostas para sua pergunta central, dá indicativos de aposta nas ações dos governos Lula. É bem verdade que Lula exerceu um papel importante na história brasileira à medida que aproveitou as contradições impostas pela conjuntura das quais a classe trabalhadora pode se valer, entretanto, ao meu ver, é equivocado considerar mesmo que introdutórias, as ações desse período como mudanças estruturais.
O primeiro mandato do governo manteve orientações neoliberais, reforçando as orientações do Banco Mundial pelo Consenso de Washington, numa perspectiva focalizadora e fragmentada de políticas sociais como se verificou, por exemplo, fortemente na saúde pública.

Como continuidade da política de saúde dos anos noventa, destaca-se a ênfase na focalização, na precarização, na terceirização dos recursos humanos, no desfinanciamento e a falta de vontade política para viabilizar a concepção de Seguridade Social. (BRAVO, p. 18)

E no segundo, não diferente, seguiu-se o receituário de diminuição da pobreza como foco e fim em si. É verdade que mudanças estruturais não se fazem de assalto, entretanto não se verificou mudanças em setores fundamentais que necessitam de reformas estruturais como a Reforma Agrária, por exemplo.
No campo da Assistência Social, o Programa Bolsa Família cumpre o papel da assistencialização da política em detrimento da proteção social através da Previdência e seguridade Social.


Na impossibilidade de garantir o direito ao trabalho, seja pelas condições que ele assume contemporaneamente, seja pelo nível de desemprego, ou pelas orientações macro-economicas vigentes, o Estado capitalista amplia o campo de ação da assistência social. As tendências da Assistência Social revelam que além dos pobres, miseráveis e inaptos para produzir, também os desempregados passam a compor sua clientela. (MOTA, 2008, pág. 8)
           
A valorização da assistência em detrimento da seguridade social não avança no sentido da resolução dos problemas estruturais, senão no estímulo a personificação, a mistificação das ações e a criação de uma dependência, deseducando a classe trabalhadora.
             Assim o Lulismo pode ser visto sobre outra perspectiva, como proposta de gerenciamento do Estado dentro da ordem e de manutenção como força política no governo.


O lulismo pode ser compreendido como uma tentativa de gerenciamento do Estado e da governabilidade política. Refere-se, portanto, ao campo estrito da engenharia política, não se constituindo num projeto de desenvolvimento. Enquanto modelo gerencial, o lulismo possui uma natureza sistêmica, voltada para sua própria existência, ressentindo-se de impasses exógenos, não previstos. Em outras palavras, possui uma ação marcada pelo pragmatismo que objetiva sua manutenção e reprodução enquanto força política. (RICCI, 2004, p. 171)



Embora o texto em análise traga para o debate reflexões importantes sobre a movimentação da classe trabalhadora nos últimos processos eleitorais, mesmo que fazendo a ressalva de não se ter pretensão a dar respostas finalizadas de um processo em curso, o autor se arrisca a fazer observações complicadas que precisam de maiores estudos e acompanhamento da realidade.

REFERÊNCIAS

BRAVO, Maria Inês Souza e MENEZES, Juliana Souza Bravo. A saúde nos governos Lula e Dilma: algumas reflexões. In: Saúde na atualidade: por um sistema único de saúde estatal, universal, gratuito e de qualidade / Organizadoras, Maria Inês Souza Bravo, Juliana Souza Bravo de Menezes. – 1.ed. – Rio de Janeiro : UERJ, Rede Sirius, 2011. 76 p.

MOTA, Ana Elisabete. (org.) O fetiche da Assistência Social. in: O Mito da Assistência Social: Ensaios sobre o Estado, Política e Sociedade. 2. ed. ver. e ampl. São Paulo: Cortez, 2008.

RICCI, Rudá. Lulismo: três discursos e um estilo. 2004. Disponível em http://www.pucsp.br/neils/downloads/v15_16_ruda_ricci.pdf Acesso em 18 de fevereiro de 2012.

SINGER, André Vitor. Raízes sociais e ideológicas do Lulismo. Disponível em http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 . Acesso em 11 de fevereiro de 2013.
____________ Introdução. Alguns temas da questão setentrional. in: Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador/ André Vitor Singer. 1ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 2012.

___________ O lulismo e o seu futuro. Disponível em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-49/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-lulismo-e-seu-futuro. Acesso em 10 de fevereiro de 2013.





[1] O termo subproletariado é cunhado pelo economista Paul Singer para denominar uma fração da classe trabalhadora que “oferece a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais”. Estão nessa categoria “empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes”. Para encontrar uma maneira de quantificálos, Singer usou informações sobre ocupação e renda fornecidas pela PNAD de 1976, concluindo que seria razoável considerar subproletário os que tinham renda de ate um salario mínimo per capita e metade dos que tinham renda de ate dois salários mínimos per capita. (SINGER, 2009, p. 98);

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