Resenha Crítica
SINGER, André Vitor. Introdução.
Alguns temas da questão setentrional. in: Os sentidos do Lulismo: reforma
gradual e pacto conservador/ André
Vitor Singer. 1ª ed. São Paulo: Companhia das letras, 2012.
André
Vítor Singer é brasileiro, filho do economista Paul Singer, nasceu em São Paulo
no ano de 1958. Graduou-se em Ciências Sociais em 1980 e em Jornalismo em 1986
na Universidade de São Paulo (USP), onde também fez seu mestrado (1993) e o
doutorado (1998) em Ciência Política. Atuou como secretário da redação do Jornal
“Folha de São Paulo” e como Secretário de Imprensa do Palácio do Planalto, além
de porta-voz da Presidência da República no primeiro mandato de Lula
(2003-2007). Atualmente é professor Doutor do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humana da Universidade de São Paulo e tem
se dedicado a estudar o comportamento eleitoral do Brasil e Teoria Política Moderna.
Em seu livro “Os sentidos do
Lulismo”, lançado no segundo semestre do ano de 2012, o autor apresenta o
acúmulo dos estudos realizados e apresentados em vários artigos anteriores
sobre um tema atual e controverso que tem interessado a um público acadêmico,
mas também a sujeitos políticos de forma geral_ o lulismo.
Na introdução do livro, Alguns
temas da questão setentrional, em que a questão setentrional é tida como “o estranho
arranjo político em que os excluídos sustentavam a exclusão”, o autor apresenta a questão que
para ele ainda está em aberto: “O lulismo incidirá sobre as contradições
centrais do capitalismo brasileiro, colocando-o em patamar superior? ”
Para realizar uma aproximação à resposta da
questão, sem o objetivo de respondê-la diante da complexidade do tema a que o
autor se refere ao iniciar a introdução, afirmando que: “o Lulismo existe sob o signo da contradição. Conservação e
mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num mesmo movimento.”
(pág. 9), Singer realiza um resgate de alguns aspectos da trajetória eleitoral
de Lula e aspectos socioeconômicos dos seus governos.
Aponta que após eleições de 2002, no primeiro
mandato, o governo Lula decidido a evitar o confronto com o capital, adotou uma
política econômica conservadora com: aumento de juros; elevação na meta do
superávit fiscal; corte no orçamento público; queda do poder de compra da
população; queda de crescimento; aumento do desemprego; queda do rendimento
médio do trabalhador. Afirma, entretanto, que ao final do seu segundo mandato
no ano de 2010, o cenário é outro com queda da taxa de juros em dezembro de
2010; redução do superávit primário; com aumento do salário mínimo; com auxílio
de 22 a 200 reais do programa Bolsa família; expansão do crédito e do padrão de
consumo; crescimento do PIB e queda do desemprego.
Diante desse resgate, o autor apresenta
vários questionamentos para tentar equacionar a questão apresentada no início
da introdução:
O que teria acontecido nos dois quadriênios
em que Lula orientou o Brasil? Confirmou-se o truncamento da acumulação e a
desigualdade “sem remissão”, previstos por Oliveira, ou se entrou em fase de
desenvolvimento com distribuição de renda, observada por Tavares? O país teria
dado seguimento à vocação conservadora, que afogara, no passado, as
possibilidades de desenvolvimento democrático, ou estariam certas as avaliações
de que a aceleração do crescimento e a redução da desigualdade inauguravam
etapa distinta? E, caso estivessem corretas as perspectivas otimistas, como
teria sido possível destravar a economia e reduzir a iniquidade sem
radicalização política, numa transição quase imperceptível do viés supostamente
neoliberal do primeiro mandato para o reformismo do segundo? (SINGER, 2012, p.
12 e 13)
Singer
(2012) ao examinar a trajetória eleitoral de Lula, a partir de dados das
últimas eleições afirma ter havido uma mudança do perfil de eleitores deste,
sendo preservadas ainda algumas características para os eleitores do Partido
dos Trabalhadores (PT). Nas eleições de 2002, os eleitores de Lula tinham o
grau de escolaridade mais elevado. Entretanto, o que vai se observando é que
nas eleições de 2006, houve uma mudança no perfil do eleitorado, sendo estes em
maioria de baixa renda, que para o autor se incluem no subproletariado[1].
Essa
mudança que estabeleceu a separação entre ricos e pobres, a que o autor
denomina de “realinhamento eleitoral”, teria iniciado já após as eleições de
2002, quando no mandato houve uma orientação para se adotar políticas que
visassem o combate à pobreza, como se observa no trecho abaixo:
Teria havido, a partir de 2003, uma
orientação que permitiu, contando com a mudança da conjuntura econômica
internacional, a adoção de políticas para reduzir a pobreza — com destaque para o combate à miséria —
e para a ativação do mercado interno, sem
confronto com o capital. Isso teria produzido, em associação com a crise
do “mensalão”, um realinhamento eleitoral que se cristaliza em 2006, surgindo o
lulismo. (SINGER, 2012, p. 13)
A expressão “realinhamento
eleitoral”, de acordo com o autor, teria sido criada nos Estados Unidos para
nomear a mudança de setores do eleitorado que definem um ciclo político longo.
Explica que a ele interessa o uso do termo no sentido de apontar uma agenda de longo prazo definida por essa mudança
num bloco de eleitores.
O meu objetivo era chamar a atenção para as
importantes mudanças que se divisavam nos dados relativos à eleição de 2006,
alterações capazes de “definir um novo tipo de política, um novo conjunto de
clivagens, que pode, então, durar por décadas”. No caso brasileiro, a agenda
desse possível realinhamento é, a meu ver, a redução da pobreza. (SINGER, 2012, p. 13)
Singer no
artigo “Lulismo e seu futuro” compara
esse fenômeno com o que aconteceu nos Estados Unidos com a eleição de Franklin D. Roosevelt quando da adoção do New Deal, como uma política para
enfrentar a crise de 1929. Em outro texto, Raízes
sociais e ideológicas do Lulismo, Singer (2009) explicita melhor quais
teriam sido os fatores que contribuíram para esse realinhamento. Dialogando com
outros autores, o cientista político elenca não apenas o fortalecimento e
ampliação do programa Bolsa Família, atingindo especialmente as regiões do
Norte e Nordeste, onde se encontram os “bolsões de pobreza”, mas também o
aumento do poder de consumo das camadas mais pobres da população, o aumento no
salário mínimo; a concessão de crédito
consignado para os aposentados, bem como a criação do Benefício de Prestação
Continuada (BPC) para a população idosa e pessoa com deficiência. Esses fatores teriam em conjunto contribuído
para a aprovação do governo entre a população de baixa renda e interferindo na
mudança do perfil do eleitorado de Lula.
Assim,
afirma o autor que o Lulismo se dá com o encontro de uma liderança com o subproletariado
associado a uma política de redução da pobreza como agenda do realinhamento:
Em suma,
foi em 2006 que ocorreu o duplo deslocamento de classe que caracteriza o
realinhamento brasileiro e estabeleceu a separação política entre ricos e
pobres, a qual tem força suficiente para durar por muito tempo. O lulismo, que
emerge junto com o realinhamento, é , do meu ponto de vista, o encontro de uma
liderança, a de Lula, com uma fração de classe, o subproletariado, por meio do
programa cujos pontos principais foram delineados entre 2003 e 2005: combater a
pobreza, sobretudo onde ela é mais excruciante tanto social quanto
regionalmente, por meio da ativação do mercado interno, melhorando o padrão de
consumo da metade mais pobre da sociedade, que se concentra no Norte e Nordeste
do país, sem confrontar os interesses do capital. (SINGER, 2012, p. 15)
Fazendo referência a Caio Prado
Júnior e a Celso Furtado, o autor resgata a tese de que as dificuldades para o
desenvolvimento do país estavam relacionadas à grande massa de miseráveis ou
“sobrepopulação trabalhadora superempobrecida permanente” de qual a população
brasileira é composta e de que para romper com o ciclo vicioso do atraso seria
preciso fortalecer o mercado interno, criando condições de sobrevivência, de
investimento e de emprego.
Para Celso Furtado e Caio Prado Jr., as
virtualidades e empecilhos que tinha a nação para romper o círculo vicioso do
atraso estavam vinculados à existência da massa de miseráveis no país.
(...) A miséria anulava a possibilidade de surgir um setor industrial voltado
para o mercado interno. Sem ter emprego, a massa miserável tornava-se uma
espécie de “sobrepopulação trabalhadora superempobrecida permanente”. Seria necessário elevar as condições de
existência das camadas mais pobres, superando a “situação de miserabilidade da
grande massa da população do país, que deriva em última instância da natureza
de nossa formação histórica”, para iniciar um círculo virtuoso, pensava Caio
Prado. Ao fazê-lo, o mercado interno ampliado estimularia a criação de
investimentos e empregos, rompendo finalmente o círculo vicioso anterior. (SINGER,
2012, p. 16 -17)
A análise do autor é que a política de redução da pobreza iniciada no Governo Lula atingiu sobremaneira o subproletariado, interferindo no ciclo vicioso descrito por Celso Furtado e por Caio Prado a partir da introdução de mudanças estruturais e que a conjuntura favorável dos anos de 2003 a 2008 teria contribuído para a construção do Lulismo, como se observa no excerto abaixo:
O lulismo partiu de grau tão elevado de
miséria e desigualdade, em país cujo mercado interno potencial é expressivo,
que as mudanças estruturais
introduzidas, embora tênues em face das expectativas radicais, tiveram
efeito poderoso, especialmente quando vistas da perspectiva dos que foram
beneficiados por elas: o próprio subproletariado. A conjuntura econômica
mundial favorável entre 2003 e 2008, não só por apresentar um ciclo de expansão
capitalista como por envolver um boom de commodities, ajudou a
produzir o lulismo. No entanto, foram
as decisões do primeiro mandato, intensificadas no segundo, que canalizaram o
vento a favor da economia internacional para a redução da pobreza e a ativação
do mercado interno. Lula aproveitou a onda de expansão mundial e optou por
caminho intermediário ao neoliberalismo da década anterior — que tinha agravado
para próximo do insuportável a contradição fundamental brasileira — e ao reformismo
forte que fora o programa do PT até as vésperas da campanha de 2002. O
subproletariado, reconhecendo na invenção lulista a plataforma com que sempre
sonhara — um Estado capaz de ajudar os mais pobres sem confrontar a
ordem —, deu-lhe suporte para avançar, acelerando o crescimento com redução da
desigualdade no segundo mandato, e, assim, garantindo a vitória de Dilma em
2010 e a continuidade do projeto ao menos até 2014. (grifo meu) (SINGER,
2012, p. 21).
O autor parece muito otimista com as mudanças
ocorridas nos dois mandatos do governo Lula. Embora faça a ressalva quanto às
respostas para sua pergunta central, dá indicativos de aposta nas ações dos
governos Lula. É bem verdade que Lula exerceu um papel importante na história
brasileira à medida que aproveitou as contradições impostas pela conjuntura das
quais a classe trabalhadora pode se valer, entretanto, ao meu ver, é equivocado
considerar mesmo que introdutórias, as ações desse período como mudanças estruturais.
O primeiro mandato do governo manteve orientações neoliberais, reforçando as orientações do Banco Mundial pelo Consenso de Washington, numa perspectiva focalizadora e fragmentada de políticas sociais como se verificou, por exemplo, fortemente na saúde pública.
O primeiro mandato do governo manteve orientações neoliberais, reforçando as orientações do Banco Mundial pelo Consenso de Washington, numa perspectiva focalizadora e fragmentada de políticas sociais como se verificou, por exemplo, fortemente na saúde pública.
Como
continuidade da política de saúde dos anos noventa, destaca-se a ênfase na
focalização, na precarização, na terceirização dos recursos humanos, no
desfinanciamento e a falta de vontade política para viabilizar a concepção de
Seguridade Social. (BRAVO, p. 18)
E no segundo, não diferente, seguiu-se o receituário de diminuição da
pobreza como foco e fim em si. É verdade que mudanças estruturais não se fazem
de assalto, entretanto não se verificou mudanças em setores fundamentais que
necessitam de reformas estruturais como a Reforma Agrária, por exemplo.
No campo da Assistência Social, o Programa Bolsa Família cumpre o papel
da assistencialização da política em detrimento da proteção social através da
Previdência e seguridade Social.
Na impossibilidade de garantir o direito ao
trabalho, seja pelas condições que ele assume contemporaneamente, seja pelo
nível de desemprego, ou pelas orientações macro-economicas vigentes, o Estado
capitalista amplia o campo de ação da assistência social. As tendências da
Assistência Social revelam que além dos pobres, miseráveis e inaptos para
produzir, também os desempregados passam a compor sua clientela. (MOTA, 2008,
pág. 8)
A valorização da assistência em
detrimento da seguridade social não avança no sentido da resolução dos
problemas estruturais, senão no estímulo a personificação, a mistificação das
ações e a criação de uma dependência, deseducando a classe trabalhadora.
Assim o Lulismo pode ser visto sobre outra
perspectiva, como proposta de gerenciamento do Estado dentro da ordem e de manutenção
como força política no governo.
O lulismo
pode ser compreendido como uma tentativa de gerenciamento do Estado e da
governabilidade política. Refere-se, portanto, ao campo estrito da engenharia
política, não se constituindo num projeto de desenvolvimento. Enquanto modelo
gerencial, o lulismo possui uma natureza sistêmica, voltada para sua própria
existência, ressentindo-se de impasses exógenos, não previstos. Em outras
palavras, possui uma ação marcada pelo pragmatismo que objetiva sua manutenção
e reprodução enquanto força política. (RICCI, 2004, p. 171)
Embora o texto em análise traga para o debate reflexões importantes sobre
a movimentação da classe trabalhadora nos últimos processos eleitorais, mesmo
que fazendo a ressalva de não se ter pretensão a dar respostas finalizadas de
um processo em curso, o autor se arrisca a fazer observações complicadas que
precisam de maiores estudos e acompanhamento da realidade.
REFERÊNCIAS
BRAVO,
Maria Inês Souza e MENEZES, Juliana Souza Bravo. A saúde nos governos Lula e Dilma: algumas reflexões. In: Saúde na
atualidade: por um sistema único de saúde estatal, universal, gratuito e de
qualidade / Organizadoras, Maria Inês Souza Bravo, Juliana Souza Bravo de
Menezes. – 1.ed. – Rio de Janeiro : UERJ, Rede Sirius, 2011. 76 p.
MOTA,
Ana Elisabete. (org.) O fetiche da Assistência
Social. in: O Mito da Assistência Social: Ensaios sobre o Estado, Política e Sociedade.
2. ed. ver. e ampl. São Paulo: Cortez, 2008.
RICCI, Rudá. Lulismo:
três discursos e um estilo. 2004. Disponível em http://www.pucsp.br/neils/downloads/v15_16_ruda_ricci.pdf
Acesso em 18 de fevereiro de 2012.
SINGER, André Vitor. Raízes sociais e ideológicas do Lulismo. Disponível em
http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 . Acesso
em 11 de fevereiro de 2013.
____________ Introdução. Alguns temas da questão
setentrional. in: Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto
conservador/ André Vitor Singer. 1ª
ed. São Paulo: Companhia das letras, 2012.
___________ O lulismo e o seu futuro. Disponível em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-49/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-lulismo-e-seu-futuro. Acesso em 10 de fevereiro de 2013.
___________ O lulismo e o seu futuro. Disponível em http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-49/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-lulismo-e-seu-futuro. Acesso em 10 de fevereiro de 2013.
[1] O termo subproletariado é cunhado pelo economista Paul
Singer para denominar uma fração da classe trabalhadora que “oferece a sua força de trabalho no mercado
sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que
assegure sua reprodução em condições normais”. Estão nessa categoria
“empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e
trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de
classes”. Para encontrar uma maneira de quantificá‑los,
Singer usou informações sobre ocupação e renda fornecidas pela PNAD de 1976,
concluindo que seria razoável considerar subproletário os que tinham renda de
ate um salario mínimo per
capita e metade dos que
tinham renda de ate dois salários mínimos per capita. (SINGER, 2009, p. 98);
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