domingo, 31 de agosto de 2014

Sobre a mulher selvagem.

Enquanto não posto aqui reflexões a cerca do livro que estou lendo " Mulheres que correm com os lobos " de Clarissa Pínkola Estés, é bem vinda uma Crônica de  Ricardo Kelmer com enfoque semelhante ao dado pela autora. 

Boa leitura! 


A Mulher selvagem


"Sua beleza é arisca, arredia aos modismos. Ela encanta por um não-sei-quê indefinível… mas que também agride o olhar. É um tipo raro e não tem habitat definido: vive em Catmandu, mora no prédio ao lado ou se mudou ontem para Barroquinha. E não deixou o endereço.

A mulher selvagem em quase tudo é uma mulher comum: pega metrô lotado, aproveita as promoções, bota o lixo para fora e tem dia que desiste de sair porque se acha um trapo. Porém em tudo que faz exala um frescor de liberdade. E também dá arrepios: você tem a impressão que viu uma loba na espreita. Você se assusta, olha de novo… e quem está ali é a mulher doce e simpática, ajeitando dengosa o cabelo, quase uma menininha. Mas por um segundo você viu a loba, viu sim. É ela, a mulher selvagem.

A sociedade tenta, mas não pode domesticá-la, ela se esquiva das regras. Quando você pensa que capturou, escapole feito água entre os dedos. Quando pensa que finalmente a conhece, ela surpreende outra vez. Tem a alma livre e só se submete quando quer. Por isso escolhe seus parceiros entre os que cultuam a liberdade. E como os reconhece? Como toda loba, pelo cheiro, por isso é bom não abusar de perfumes. Seu movimento tem graça, o olhar destila uma sensualidade natural – mas, cuidado, não vá passando a mão. Ela é um bicho, não esqueça. Gosta de afago, mas também arranha. 

Repare que há sempre uma mecha teimosa de cabelo: é o espírito selvagem que sopra em sua alma a refrescante sensação de estar unida à Terra. É daí que vem sua beleza e força. E sua sabedoria instintiva. Sim, ela é sábia, pois está em harmonia com os ritmos da Natureza. Por isso conhece a si mesma, sabe dos seus ciclos de crescimento e não sabota a própria felicidade. Como todo bicho ela respeita seu corpo, mas nem sempre resiste às guloseimas. Riponga do mato, gabriela brejeira? Não necessariamente, a maioria vive na cidade. Há dias paquera aquele pretinho básico da vitrine. E adora dançar em noite de lua. Ah, então é uma bruxa… Talvez, ela não liga para rótulos. Sabe que a imensidão do ser não cabe nas definições.

Mulheres gostam de fazer mistério. Ela não, ela é o mistério. Por uma razão simples: a mulher selvagem sabe que a vida é uma coisa assombrosa e perfeita, e viver é o mais sagrado dos rituais. Ela sente as estações e se movimenta de acordo com os ventos, rindo da chuva e chorando com os rios que morrem. Coleciona pedrinhas, fala com plantas e de uma hora para outra quer ficar só, não insista. Não, ela não é uma esotérica deslumbrada, mas vive se deslumbrando: com as heroínas dos filmes, aquela livraria nova, o CD do fulano… Ela se apaixona, sonha acordada e tem insônia por amor. As injustiças do mundo a angustiam, mas ela respira fundo e renova sua fé na humanidade. Luta todos os dias por seus sonhos, adormece em meio a perguntas sem respostas e desperta com o sussurro das manhãs em seu ouvido, mais um dia perfeito para celebrar o imenso mistério de estar vivo.

Ela equilibra em si cultura e natura, movendo-se bela e poética entre os dois extremos da humana condição. Ela é rara, sim, mas não é uma aberração, um desvio evolutivo. Pelo contrário: ela é a mais arquetípica e genuína expressão da feminilidade, a eterna celebração do sagrado feminino. Ela está aí nas ruas, todos os dias. A mulher selvagem ainda sobrevive em todas as mulheres, mas a maioria tem medo e a mantém enjaulada. Ela é o que todas as mulheres são, sempre foram, mas a grande maioria esqueceu. Felizmente algumas lembraram. Foram incompreendidas, sim, mas lamberam suas feridas e encontraram o caminho de volta à sua própria natureza. 

Esta crônica é uma homenagem a ela, a mulher selvagem, o tipo que fascina os homens que não têm medo do feminino. Eles ficam um pouco nervosos, é verdade, quando de repente se vêem frente a frente com um espécime desses. Por isso é que às vezes sobem correndo na primeira árvore. Mas é normal. Depois eles descem, se aproximam desconfiados, trocam os cheiros e aí… Bem, aí a Natureza sabe o que faz."

crônica de RICARDO KELMER

jueves, 28 de agosto de 2014

Não me amarra dinheiro não! Mas os mistérios.



Beleza Pura
( Caetano Veloso)
Não me amarra dinheiro não!
Mas formosura
Dinheiro não!
A pele escura
Dinheiro não!
A carne dura
Dinheiro não!...
Moça preta do Curuzu
Beleza Pura!
Federação
Beleza Pura!
Boca do rio
Beleza Pura!
Dinheiro não!...
Quando essa preta
Começa a tratar do cabelo
É de se olhar
Toda trama da trança
Transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar
Prá botar no cabelo
Toda minúcia, toda delícia...
Não me amarra dinheiro não!
Mas elegância...
Não me amarra dinheiro não!
Mas a cultura
Dinheiro não!
A pele escura
Dinheiro não!
A carne dura
Dinheiro não!...
Moço lindo do Badauê
Beleza Pura!
Do Ilê-Aiê
Beleza Pura!
Dinheiro hié!
Beleza Pura!
Dinheiro não!...
Dentro daquele turbante
Do filho de Gandhi
É o que há
Tudo é chique demais
Tudo é muito elegante
Manda botar!
Fina palha da costa
E que tudo se trance
Todos os búzios
Todos os ócios...
Não me amarra dinheiro não!
Mas os mistérios...
Não me amarra dinheiro não!
Beleza Pura!
Dinheiro não!
Beleza Pura!
Dinheiro não!
Beleza Pura!
Dinheiro Hié!
Beleza Pura!
Ah! Ah! Ah! Ah!...(10x)

viernes, 22 de agosto de 2014

Às/aos amigas/os escolhidas/os.

Mais uma provocação  para alimentar o dia.



(Na voz de Antônio Abjurama)



A ESCOLHA DE UM AMIGO

(Oscar Wilde)

Escolho meus amigos não pela pele


ou outro arquétipo qualquer,

mas pela pupila.

Tem que ter brilho questionador

e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito

nem os maus de hábitos.

Fico com aqueles que fazem de mim

louco e santo.

Deles não quero resposta, quero meu avesso.

Que me tragam dúvidas e angústias

e aguentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco.

Quero-os santos, para que não duvidem

das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela cara lavada

e pela alma exposta.

Não quero só o ombro ou o colo,

quero também sua maior alegria.

Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto.

Meus amigos são todos assim:

metade bobeira, metade seriedade.

Não quero risos previsíveis

nem choros piedosos.

Quero amigos sérios,

daqueles que fazem da realidade

sua fonte de aprendizagem,

mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos nem chatos.

Quero-os metade infância e outra metade velhice.

Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto

e velhos, para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem eu sou.

Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios,

crianças e velhos, nunca me esquecerei

de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.



Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, ou simplesmente Oscar Wilde(Dublin16 de outubro de 1854 — Paris30 de novembro de 1900) foi um escritor irlandês.1 Depois de escrever de diferentes formas ao longo da década de 1880, ele se tornou um dos dramaturgos mais populares de Londres, em 1890. Hoje ele é lembrado por seus epigramas e peças, e as circunstâncias de sua prisão, que foi seguido por sua morte precoce. ( Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_Wilde)

Sobre revolução: "Eu sei, mas não devia."

Continuando nas reflexões, hoje acordei com um presente de minha amiga-irmã-camarada Tita. Já conhecia o vídeo, mas é sempre bom lembrar de desacostumar. Gratidão!


( Vídeo com  texto lido pelo ator Antônio Abjurama)



Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(1972)

Marina Colasanti
 nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.

jueves, 21 de agosto de 2014

Aos Zé's do caroço!

Ontem, parei instantes para observar uma cena :
No fim da noite, já próximo da meia-noite, um homem trazia seu carrinho feito dos restos de uma geladeira, desses bem comuns pelas alamedas, ruas e becos  desse Brasil e produto da criatividade gerada pela carência.
 Seus passos não eram lineares. Alguns tropeços, combinados com soluços (provavelmente), de quem  buscou na cachaça o alívio da vida sem norte, das dores das contradições dessa ordem socioeconômica infeliz. 
No meio do caminho, uma parada para respirar, um "sopro de vida" ( lembrei da expressão de Clarice Lispector), depois era preciso seguir para  chegar em casa, encontrar um cão que latia desesperadamente (lembrei da cadela companheira de Fabiano, sertanejo retirante de "Vidas Secas" de Graciliano Ramos)  e cair de sono. 

Talvez para ele isso seja suficiente. 
Talvez ele esteja " Debaixo Dágua" (música de Arnaldo Antunes), em pleno sertão dentro da cidade  que dorme, degustando sua zona de conforto.
Torço, cotidianamente,  para que os milhares de "Zé de Caroço", espalhados nesse Brasil, consigam superar suas limitações das necessidades primeiras para conseguirem colocar, primeiro, a cabeça para fora D'água e, seguidamente, revirarem o mundo de cabeça para baixo!




A beleza do sol.







Beleza


(Mariana Aydar)

Aqui, eu sei, um brilho me mantém, não pára
Na dor, a cor não falta, não
E não gasta
Calor, me vem, subindo, me mantém acesa
Vazou pra ti,
Se chegou aí, beleza
Aqui, eu sei, um brilho me mantém, não pára
Na dor, a cor não falta, não
E não gasta
Calor, me vem, subindo, me mantém acesa
Vazou pra ti
Se chegou aí, beleza
É nosso Sol, é nosso ardor,
É nosso tanto de calor
Que vem, que vai, inunda o céu de cor
É sensual, fenomenal,
Um ritual de exaltação
Ao deus que for das práticas do amor
Aqui, eu sei, um brilho me mantém, não pára
Na dor, a cor não falta, não
E não gasta
Calor, me vem, subindo, me mantém acesa
Vazou pra ti
Se chegou aí, beleza
É nosso Sol, é nosso ardor,
É nosso tanto de calor
Que vem, que vai, inunda o céu de cor
É sensual, fenomenal,
Um ritual de exaltação
Ao deus que for das práticas do amor

martes, 19 de agosto de 2014

Deixa o sol entrar!





"A vida é dentro de você, então

Abra as janelas e as portas

E canta

Deixe o sol

Deixe o sol entrar

O sol entrar

Deixe o sol

Deixe o sol entrar

O sol entrar

Deixe o sol

Deixe o sol entrar

O sol entrar"


( trecho de música do Musical Hair com Karin Hills e elenco)

lunes, 18 de agosto de 2014

Na ponta dos dedos, o pássaro. Quem sabe um sabiá...

Mais uma vez ,pego emprestado uma citação de um texto de Rubens Alves, para lembrar e deixar o coração sempre alerta. 

Desapego na medida (in)certa. Apego, mesmo, por mim.

Eis a questão: "A insustentável leveza do ser" ou " ame-o e deixe-o" ? 




"Amar é ter um pássaro pousado no dedo. 

Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, 
a qualquer momento, ele pode voar”




(Rubem Alves)





E o que tem de ser tem muita força...

Hoje, sem querer, encontrei esse sonzinho gostoso, inspirado no fado, da banda  portuguesa Deolinda. E aproveitei para compartilhar.
Que seja agora!

Seja agora
( Deolinda)

Nós havemos de nos ver os dois
Ver no que isto dá
Ficar um pouco mais a conversar
Ter a eternidade para nós
Quem sabe jantar
Se tu quiseres, pode ser hoje
Tem de acontecer, porque tem de ser
E o que tem de ser tem muita força
E sei que vai ser, porque tem de ser
Se é pra acontecer, pois que seja agora
Nós havemos ambos de encontrar
Um destino qualquer
Ou um banquinho bom para sentar
Vai ser tão bonito descobrir
Que no futuro só
Quem decide é a vontade
Tem de acontecer, porque tem de ser
E o que tem de ser tem muita força
E sei que vai ser, porque tem de ser
Se é pra acontecer, pois que seja agora
Tem de acontecer, porque tem de ser
E o que tem de ser tem muita força
E sei que vai ser, porque tem de ser
Se é pra acontecer, pois que seja agora
Que seja agora
Que seja agora
Se é pra acontecer
Pois que seja agora
Que seja agora
Que seja agora
Se é pra acontecer
Pois que seja agora
Que seja agora
Que seja agora
Se é pra acontecer
Pois que seja agora
Que seja agora
Que seja a hora
Se é pra acontecer
Pois que seja agora

viernes, 15 de agosto de 2014

Beauvoir: Viver sem tempos mortos.

 (Re)aprendendo e me realizando em Beauvoir.



(Entrevista com Fernanda Montenegro  sobre a peça " Viver sem tempos mortos")

"A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos."

Trecho da Peça VIVER SEM TEMPOS MORTOS, inspirada na correspondência de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, com Fernanda Montenegro.

Aprendi a contar, mulher.


"E só tô beijando o rosto de quem dá valor
Pra quem vale mais o gosto do que cem mil réis"
 Novos Baianos.

( Fotografia: Ângela Fisher e Carol Beckwith)

Aprendi a contar, mulher:
Primeiro, é preciso saber contar com nós mesmas. 

Segundo, há que saber, verdadeiramente, se contamos com mais alguém.
SE sim, ótimo!
SE não, já temos a nós mesmas: 
Inteiramente capazes de  sermos felizes por nós mesmas 
E conquistar o que e a quem nos interesse ter ao lado. 
Mas somente o que e quem nos interesse 
E o que e quem também saiba contar.


miércoles, 13 de agosto de 2014

Meus melhores sonhos dos últimos meses.

Quero sair por aí, sem direção, guiada pelo sol,  pelo canto dos pássaros, pelo barulho das ondas do mar na praia quase deserta onde os corpos nús não são vistos com desdém, mas como parte da paisagem.


Esses são os meus melhores sonhos dos últimos meses. 
Amor, sombra e água fresca, mesmo que seja por pouco tempo pós- defesa de dissertação, porque  a dureza da realidade capitalista não dá trégua.



É Bom Andar a Pé

Wilson Simoninha

É bom andar a pé
sem sapato, sem direção a toa
na cabeça o sol
um boné
É bom andar a pé
devagar para aguentar o calor
e olhar a vista pro mar
melhor
É bom andar a pé
sem dinheiro, sem documento
a favor do vento
semi nu
É bom andar a pé
devagar para aguentar o calor
e olhar a vista pro mar
melhor
esqueça tudo
que tudo sobrevive
isto é tempo livre pra viver
é bom saber
andar acompanhado de ti
faz meu coração se sentir
melhor
É bom andar a pé
sem sapato, sem direção a toa
na cabeça o sol
um boné
É bom andar a pé
devagar para aguentar o calor
e olhar a vista pro mar
melhor
esqueça tudo
que tudo sobrevive
isto é tempo livre pra viver
é bom saber
saber não ocupa lugar
andar acompanhado de ti
faz meu coração se sentir
melhor
laralaralarará...
uh uh uh uh uh...
melhor

martes, 12 de agosto de 2014

De onde venho e para onde vou.

Aproveitando a inspiração, relembro um trecho de um texto de Clarice Lispector (autora que fala por mim e que amo).  
Sou parte dessa natureza que  inspira, liberta, sofre  pelos infortúnios do capital e sobrevive se recriando diuturnamente. 


"Sou uma filha da natureza:
quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo,
de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja. Isso lhe assusta?
Creio que sim. Mas vale a pena.
Mesmo que doa. Dói só no começo."
Clarice Lispector.


lunes, 11 de agosto de 2014

Descasulando: a borboleta e a renovação da alma-psiquê.

Sempre tive uma paixão por borboletas. Quando criança ficava observando como aqueles seres tão leves, coloridos e alegres voavam próximo de flores (também sou apaixonada por flores e suas cores) às vezes em bando, às vezes sozinhas. 
Naquele tempo o que me encantava era a faceirice delas, voando baixo e livremente, mesmo sob as fuligens das usinas de cana-de-açúcar por onde passei. 
Depois  a gente vai crescendo e começa a se interessar pelos mistérios da vida. Nunca achei que a vida fosse apenas o que a gente vê com os olhos, já que temos tantos outros sentidos.  E mesmo usando todos os sentidos, a gente pode ser surpreendido pelo que existe por trás das aparências.

Curiosa, sabia eu que por trás daquela menina tímida, recatada e observadora, existia muito mais que os olhos dos outros podiam julgar. E como as pessoas julgam os outros de forma equivocada apenas pelas aparências! Sobretudo, atualmente nos tempos líquidos e mercadológicos, em que a vida é vendida como mercadoria.  

Ficava me perguntando: " Como pode um ser tão gracioso sair de um amontoado de fios? Como pode uma lagarta se transformar em uma borboleta?"

Nas aulas de ciências e biologia aprendi atentamente o seu processo de metamorfose.   Depois esqueci esse mistério e essa beleza, ao olhar esse conteúdo como matéria apenas para passar no vestibular. Nesse momento , apareceu-me o meu amigo Rubens Alves e o sabiá dele com o mesmo ensinamento: há que se enxergar o que existe atrás da aparência.

Segui, fortemente com esse lema e com a metáfora do sabiá para insultar as risadas dos colegas de turma que me julgavam por não apreciar as conversas sobre roupas de marcas e paqueras da festa da noite anterior (eu não ia às festas por ser cuidadosamente guardada no casulo, ou seja, na minha casa e nas salas de aula) e também pelas demonstrações interesseiras de amizade  apenas quando queriam se dar bem no trabalho em grupo ou na prova em dupla. Nesse momento, todos queriam se juntar a mim e eu, sabiamente (o sabiá novamente aparecia metaforicamente) juntava-me com as minhas fiéis amigas também interessadas em história, geografia, geopolítica, filosofia, sociologia e política.  Talvez estivesse subestimando a importância das paqueras e das festas naquele tempo, mas não me arrependia por isso. Não poderia me arrepender... 

Tive poucas amigas durante minha vida por onde passei, mas sempre tive amigas fiéis e verdadeiras. Isso, todavia, não significava que não socializasse com outros colegas de turma, mas sabia muito bem com quem poderia contar. 
Posteriormente, essa simbologia da borboleta ficou tão forte em mim, que a transformei em poesia (Descasulando) e nomeei esse despretensioso blog. Depois tatuei em minha pele (vide foto que é capa deste blog) incorporando elementos que foram fundantes no meu processo de saída do casulo, a saber: o feminismo e o comunismo. 
Naquele momento, algumas compreensões eram limitadas ( e creio que ainda o são), mas a mensagem que estas filosofias, se assim pode-se chamá-las, passava era o que me impulsionava. E seguem me impulsionando.
Tentando entender os mistérios da vida e com eles aprender, depois de conviver com amigas e irmãs, tomei para mim o desafio de apreender o que está por trás de minha aparência (corpo e atitudes) na minha solitude. Buscando compreender o que me fez e me faz ser quem eu sou hoje em minhas incompletudes, rabugices, belezas e feiúras. Faz pouco tempo que descobri que esse exercício se chama "auto-conhecimento", antes já havia começado a fazê-lo, de forma instintiva, hoje ocorre de forma mais consciente. 

O "exílio em mim mesmo",  expressão que cunhei diante da condição de reclusão que a escrita da minha dissertação, me impôs a contra-gosto  o isolamento por não aceitar me afastar do ativismo militante.  Condição aliada ao retorno de saturno, "papo de astrologia", ou "crise dos trinta", como queiram  entender, foi extremamente significativo para mais alguns passos nessa caminhada. Tenho consciência que amadureci o correspondente a cerca de quatro anos em apenas um ano e meio. 

Eu que sempre fui metida a ser curiosa e carregava comigo a coragem ariana de enfrentar meus medos, tive que me reerguer de baques significativos na auto-estima, por incidentes decorrentes da minha origem/opção de classe e de projeto de sociedade, pela dificuldade em lidar com hierarquias e desrespeito (meio do céu em aquário), em espaços de trabalho e em grupos políticos  de que participava e por estar sendo empurrada a contra-gosto a mais vil das explorações sobre o trabalhador desde que o sistema capitalista existe- o trabalho em sua essência (des)umanizadora. Afinal somos todos membros da engrenagem que move o inescrupuloso sistema capitalista.
{Não sei dissociar minhas concepções ideológicas daquilo  que sou nos meus projetos individuais. Tenho plena consciência que não sou a única pessoa na face da terra com alguma compreensão crítica da vida  que passou por esses conflitos e sei, que, sobreviverei a contra-gosto e dialeticamente, forjando-me pela exploração da minha força de trabalho em condições flexibilizadas e precarizadas de trabalho que qualquer outro trabalhador tem sofrido atualmente. Diria ainda, que tenho a vantagem de ter aproveitado,  parte do recurso extraído do trabalho do meu pai em situação também instável e precarizada em usinas de cana-de-açúçar, lidando cotidianamente com o emprego de agrotóxico nos canaviais de latifundiários escrotos e exploradores, para que eu pudesse adquirir a formação intelectual que tenho hoje. E não ser jogada em outras condições mais degradantes de trabalho}
Nesse interín, as borboletas novamente apareceram: as "borboletas no estômago" decorrentes de uma paixão, que com as cores da cromoterapia (vermelho, laranja, amarelo, azul celeste, índico, lilás -ah...o lilás das transformações e do feminismo- e o branco e as suas variações), e do feng shui incorporado a meu atual " lar doce lar" acrescido a  algumas vivências com as terapias naturais e holísticas me fizeram renascer em essência com traços marcantes da minha infância e expressos em tantas experiências da militância estudantil e nos movimentos sociais: a determinação e a coragem. 

Hoje fui recebida em minha casa por uma borboleta na porta da frente.

Não sou  mais a mesma mulher. Sou a síntese das negações e afirmações que foram feitas (por mim e pelos outros) no percurso dos meus trinta e um anos que integra o percurso da história humana. Ou metaforicamente, sou a borboleta que deixou o casulo e finalmente saiu a voar composta pela imensidão de cores que ilumina os "arco-íris andantes" do mundo a fora. A simbologia da borboleta, agora somada a tantas outras, pode ser entendida  através do vídeo e no texto abaixo encontrado numa rápida pesquisa na internet.  

"A Borboleta é o símbolo da alma, pois da mesma forma que esta abandona a crisálida para voar, o espírito também se liberta do corpo físico para ganhar espaço infinito. Representa ainda o renascimento e a imortalidade. No Japão, surge associada à Mulher, visto que, a metamorfose do seu ovo para lagarta, desta para crisálida e, seguidamente para borboleta, indica as etapas da nossa alma para atingirmos a iluminação.
A Borboleta simboliza a mudança... “O poder da borboleta é como o ar, é a habilidade de conhecer a mente e de mudá-la, é a arte da transformação”. As pessoas deveriam observá-las atentamente e, assim como elas, estar em algum dos seguintes estágios de actividade:
1. Estamos no primeiro estágio - quando a ideia nasce, mas ainda não é uma realidade, é o estágio do ovo, o ponto de criação de uma ideia;
2. O segundo estágio - da larva, surge quando temos que tomar uma decisão;
3. O terceiro estágio - do casulo, é o desenvolvimento do projecto, é fazer para realizar;
4. E o estágio final - a transformação, é deixar o casulo e voar, é a realização!

A principal mensagem simbólica da Borboleta é: Criar, transformar, mudar e ter coragem de aceitar!
Namasté!

 Fonte: http://namastte.blogs.sapo.pt/1930.html"

viernes, 8 de agosto de 2014

Sobre as mulheres: HOMENagens.

Hoje não é 8 de março (dia  simbólico de luta das mulheres de todo o mundo), mas segue sendo um dia de lembrar de todas as mulheres.  

De acordo com o IPEA, no período de 2009 a 2011, estima-se que houve 16,9 mil feminicídios, isto é, mortes de mulheres por conflito sexista, principalmente executados por parceiros íntimos.  O que significa uma taxa de 5,8 casos para cada grupo de 100 mil mulheres. (Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=19873)

Estimulada por um amiga que leu hoje um texto de  Eduardo Galeano me dispersei dos estudos do mestrado para encontrar a poesia recitada e eis que encontro esta HOMENagem cuja imagem segue abaixo. Do livro " Os filhos dos dias" 





Muito sugestiva para os conflitos ainda vigentes nos dias de hoje e complexificados. Os pensadores, homens, ressalta-se,  construíram à própria semelhança  o conceito do que é ser mulher. Sem revanchismo, há que se dizer que aqui não cai bem a música " Mulher eu sei" cantada pelo conterrâneo Chico César. 



Porque somente nós temos condições de dizer, fielmente, o que é ser mulher. E mesmo assim, muitas de nós, reproduzirão o que o pensamentos da ideologia machista nos incutiu a vida toda. 
 Há mudanças consideráveis na vida das mulheres, mas hoje há muita mulher tentando alcançar a pseudoliberdade nos limites da ordem capitalista , numa condição bem distante da emancipação humana (todas estamos) e se enrolando nas teias do machismo, consciente ou inconscientemente. 
Creio (sem nenhum apelo religioso) que chegaremos num tempo em que homens e mulheres se conhecerão bem para compartilharem os conceitos de si mesmo, sem perder a individualidade e o respeito recíproco. Mas não basta apenas crer...