lunes, 28 de enero de 2013

Vanderley Caixe. Presente! Presente! Presente!

Um dia na "praça da Alegria" da Universidade Federal da Paraíba, adquiri um livro de poesias com um rapaz que vendia livros já bastante folheados. 
Em tempo de engajamento no movimento estudantil e  de interesse ávido por poesias engajadas, chamou-me atenção um livro fino, com visual artesanal, com o título "19 poemas da prisão e um canto da terra".  

Passei os olhos nas páginas e encontrei uma poesia que para além da expressão da dor de Dionila Camponesa ao ser despejada, trouxe-me lembranças do passado. 

Lembranças de uma infância volteada de canaviais na Usina Central Olho D'Agua. 
Corre-corre entre canas queimadas, esconde-esconde em terra arada e restos de mata atlântica. Em tempo de safra, fuligem no chão e nos olhos. Corte de cana. Homens esguios com equipamentos de proteção individual improvisados, bonés e roupas sem cor, mas rostos bastante enegrecidos pela força do sol, junto à melanina própria deles. Barulho. Na pele pingos da água quente que esfriava as engrenagens da usina . Tratores e caminhões cheios de cana na ida à Escola Dr. José Hardman.  

Com a saída de meu pai (técnico agrícola) da Usina por não aceitar a opressão de gerentes e a condição salarial insuficiente para sustentar três filhas e uma esposa, com a repetição dessa situação em outras usinas por onde o mesmo trabalhou e com a aproximação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais ( MST) compreendi a dimensão da poesia escrita por Vanderley Caixe.

Hoje com mais alguns anos de vida, com outras histórias vividas, com algum aprendizado na militância social e algumas leituras a mais, ouvir novamente a poesia Dionila Camponesa, recitada numa homenagem ao lutador Vanderley Caixe  no Encontro Estadual do MST, aflorou lembranças, reafirmou minha origem e a minha luta. 

Não somos as primeiras, nem somos os primeiros. Não seremos as últimas, nem seremos os últimos.O nosso inimigo  é gigante. Destrói  vidas, alegrias e sonhos. 
A nossa luta  precisa ser leal aquelas/es cujas vidas foram ceifadas na tortura diária do corte de cana, àquelas/es que carregam na memória e no corpo à tortura da ditadura militar, àqueles/as que hoje passam fome nas ruas de todo o mundo para alimentar a ganância e ambição desmedida de um sistema desumano.

Sejamos vários/s " Vanderley Caixes",  escrevendo poesia na luta e na luta recitando poesia.

DIONILA CAMPONESA
  
Dionila camponesa despejada,
lavoura destruída e trecos no chão.
Sessenta e oito anos amainando a terra,
amainando os filhos, produzindo o pão.

Dionila da terra semente,
da terra o ventre,
do filho do chão.
Oitocentos mil pequenos proprietários,
quatrocentos e cinqüenta mil posseiros e,
dois milhões de pequenos arrendatários,
/juntos na expulsão.

Acompanhados, os tratores chegaram com a
polícia e a ordem do juiz.
Não ficou casa,
/não ficou planta no chão.
Sua lavoura destruída
e seus trecos debaixo do pé de pau.

Mais uma favela vai ser construída de despejo,
de desemprego. De toda a injustiça do mundo.

Dionila, a cobiça é o chão!
Mexa nervos e músculos,
O que resta das rugas do rosto ao sol.
Faça da enxada as asas
/e como o pássaro, busque o céu!
Olhe aqueles que com a força dos seus braços
/ganham o mísero pão.

Seja a força para que eles continuem produzindo,
/a macaxeira, a batata e o feijão.

Dionila, dos altos dos céus:
Inspire a força dos seus filhos de Coqueirinho e Cachorrinho,
/ameaçados pela Usina Central Olho D’água.
Estenda seus braços por toda Alagamar,
Piacas, Caipora, Várzea Grande, Riacho dos Currais.
Vá aos agricultores da Fazenda Paripe,
/para eles enfrentarem a
especulação imobiliária.

Lembre-se da luta dos agricultores de Capim-de-Cheiro
/que há anos enfrentam a Usina Maravilha e, agora, os proprietários Assis e
Vasconcelos.
Dionila seja a força de Camucim,
do Sítio das Moças
de Taquara, do Sítio Arame, Capim-de-Cheiro, dos municípios de Alhandra,
Caapora e Pitimbu,
/que o inferno verde dos diabos da Fazenda Tabu está expulsando.
Seja a guarda de Joaquim, seu irmão de roça e da terra,
/ameaçado por todos aqueles proprietários rurais em Mangueira.

Dionila, nossa mãe camponesa,
Olhai os índios da Baia da Traição - da Nação Potiguar;
Olhai pelos pescadores da Barreira Grande,
Acaú, Tejucupapo e todos os outros;
Olhai por Mataraca, Sapé, Rio Tinto, Santa Rita, que
pelas mãos que as usinas vão matar, na calda envenenada,
nos pilares da cana-de-açúcar - a destruição do ar
- a destruição da terra - a destruição dos rios.

Dionila verta por nós as lágrimas que o despejo enxugou.
Dionila,
é o boi - o capim
é o trator - a cana
é o capanga - o latifúndio
é o policial - o poder
é a lei - a injustiça
é o dinheiro - o lucro que sua fome vai gerar
é o projeto do álcool
é o plano - o filho legítimo do sistema
é o que você não entende,
/o que seus olhos não compreendem
neste dia de Feliz Ano Novo.! 

 (um dia de um ano, na cidade de Pedras de Fogo, Estado da Paraíba, os tratores da Usina Central Olho D’Água, acompanhado de 40 policiais, um oficial de justiça e do mandado de um juiz – mais tarde afastado por corrupção e prevaricação – expulsaram D. Dionila de sua casa, derrubaram as jaqueiras, mangueiras e a própria casa, destruindo toda a plantação de feijão-de-corda e batata. A Usina precisava plantar cana-de-açúcar.)

(In: 19 poemas da Prisão e um Canto da terra. Vanderley Caixe)

1 comentario: