martes, 29 de julio de 2014

Tempo de serpente.

Sabe quando não se vê  mais as coisas com olhos pueris?

Nem  se enxerga o mundo com desalento? 

As cores não mais se vê alvoraçadamente,

Mas elas lá brilhantes estão? 



Chegou o tempo da serpente.  

Insultado por Saturno. E atiçado por Escorpião. 

Pôs a vida pelo avesso. 

Enfiou as garras por dentro, revirando as vísceras para o mal-me-quer-bem.


Ofiolia?  

Sim! Atração.

É tempo de volúpia, morte-vida, cura e renascimento.



Pele nova em cima da pele nem tão velha.

Kundalini subindo. 


É tempo de serpente. 

Corpo no chão, firme. 

Rastejando, languidamente esperta. 




É tempo de assertividade, resiliência, sagacidade e sabedoria.  

É tempo de picar quando se é atacado e sem dó deixar veneno.

Mas é tempo, sobretudo, de envolver a quem se deixar seduzir...



Dedico "Galeano" às "bruxas": as mulheres não exemplares.

Recebi esse presente da minha querida amiga- companheiraTita.  E não poderia deixar de postá-lo  para, quem sabe, inspirar outras tantas de nós que estamos na transição para o mundo das mulheres ( e homens) não exemplares, leia-se, àquelas/es que subvertem o imposto pelos valores patriarcais e capitalistas  e experimentam a fartura do texto de Galeano não após a morte, mas sim na vida. 

Gratidão a Galeano também pelo qual me  (re)apaixono a cada leitura sobre as coisas da vida viradas pelo avesso. 






A mulher exemplar


Viveu obedecendo à missão bíblica e à tradição histórica. Ela varria, lustrava, ensaboava, enxaguava, passava, costurava e cozinhava.
Às oito da manhã em ponto servia o café, com uma colherada de mel para o eterno ardor de garganta do marido. Ao meio-dia em ponto servia o almoço, consomê, purê de batata, frango cozido, pêssegos em calda, e às oito em ponto o jantar, com o mesmo menu.
Jamais se atrasou, jamais se antecipou. Comia em silêncio, porque não era mulher opinativa nem perguntativa, enquanto o marido contava suas façanhas presentes e passadas.
Depois do jantar, demorava, lavando os pratos lentamente, e entrava na cama rogando a Deus que ele já estivesse dormindo.
Naquele tempo já estava bastante difundida a máquina de lavar a roupa, o aspirador elétrico e o orgasmo feminino, que tinham chegado pouco depois da penicilina; mas ela não acompanhava as novidades.
Escutava apenas as radionovelas, e era rara a vez em que saía do refúgio de paz onde vivia a salvo da violência do mundo.
Uma tarde, saiu. Foi visitar uma irmã doente.
Quando regressou, ao anoitecer, encontrou o marido morto.
Alguns anos depois, a abnegada confessou que esta história não havia terminado exatamente assim.
Contou outro final a um vizinho chamado Gerado Mendive, que contou a um vizinho que contou a outro vizinho que contou a outro: ao voltar da casa da irmã, ela encontrou o marido caído no chão, arfando, revirando os olhos, a cara cor de tomate, e passou ao lado, se meteu na cozinha, preparou um inesquecível banquete de lulas em sua tinta e merluza à moda vasca, com uma sobremesa de torre alta de frutas e sorvetes, tudo isso regado com um vinho antigo e de boa cepa que tinha escondido, e às oito da noite em ponto, como era seu dever, serviu o jantar, se fartou de comer e beber, confirmou que ele estava definitivamente quieto no chão, fez o pelo-sinal, vestiu-se de negro e telefonou para o médico.

Eduardo Galeano. Bocas do tempo.

lunes, 28 de julio de 2014

Saindo da Zona de conforto! É preciso respirar...

Debaixo D'agua



Arnaldo Antunes

Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua se formando como um feto
sereno confortável amado completo
sem chão sem teto sem contato com o ar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Debaixo dágua por encanto sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber o quanto
esse momento poderia durar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua ficaria para sempre ficaria contente
longe de toda gente para sempre
no fundo do mar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Debaixo dágua protegido salvo fora de perigo
aliviado sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio sem medo sem vontade de voltar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
(Arnaldo Antunes)
Na voz de Maria Bethânia: 

viernes, 25 de julio de 2014

25 de julho- Dia de luta latino-americano e caribenho das mulheres negras!




Nós, mulheres negras brasileiras, descendentes das aguerridas quilombolas e que lutam pela vida, vimos neste 25 de Julho – Dia da Mulher Afrolatinoamericana e Afrocaribenha denunciar a ação sistemática do racismo e do sexismo com que somos atingidas diariamente mediante a conivência do poder público e da sociedade, com a manutenção de uma rede de privilégios e de vantagens que nos expropriam oportunidades de condição e plena participação da vida social.
Nesta data vimos visibilizar a incidência do racismo e do sexismo em nossas vidas, assim como as nossas estratégias de sobrevivência, nosso legado ancestral e nossos projetos de futuro e afirmar que a continuidade de nossa comunidade, da nossa cultura e dos nossos saberes se deve única e exclusivamente, a nós, mulheres negras. Transcorrido esse marco histórico e a atualidade de nossas lutas, nos valemos do Dia da Mulher Afrolatinoamericana e Afrocaribenha para anunciar a realização da Marcha das Mulheres Negras 2015 Contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, que realizaremos em 13 de maio do próximo ano, em Brasília.
Somos 49 milhões de mulheres negras, isto é, 25% da população brasileira. Vivenciamos a face mais perversa do racismo e do sexismo por sermos negras e mulheres. No decurso diário de nossas vidas, a forjada superioridade do componente racial branco, do patriarcado e do sexismo, que fundamenta e dinamiza um sistema de opressões que impõe, a cada mulher negra, a luta pela própria sobrevivência e de sua comunidade. Enfrentamos todas as injustiças e negações de nossa existência, enquanto reivindicamos inclusão a cada momento em que a nossa exclusão ganha novas formas.
Impõe-se na luta pela terra e pelos territórios quilombolas, de onde tiramos o nosso sustento e mantemo-nos ligadas à ancestralidade.
A despeito da nossa contribuição, somos alvo de discriminações de toda ordem, as quais não nos permitem, por gerações e gerações de mulheres negras, desfrutarmos daquilo que produzimos.
Fomos e continuamos sendo a base para o desenvolvimento econômico e político do Brasil sem que a distribuição dos ativos do nosso trabalho seja revertida para o nosso próprio benefício.
Consideramos que, mesmo diante de um quadro de mobilidade social pela via do consumo, percebido nos últimos anos, as estruturas de desigualdade de raça e de gênero mantêm-se por meio da concentração de poder racial, patriarcal e sexista, alijando a nós, mulheres negras, das possibilidades de desenvolvimento e disputa de espaços como deveria ser a máxima de uma sociedade justa, democrática e solidária.
Não aceitamos ser vistas como objeto de consumo e cobaias das indústrias de cosméticos, moda ou farmacêutica. Queremos o fim da ditadura da estética europeia branca e o respeito à diversidade cultural e estética negra. Nossa luta é por cidadania e a garantia de nossas vidas.
Estamos em Marcha para exigir o fim do racismo em todos os seus modos de incidência, a exemplo da saúde, onde a mortalidade materna entre mulheres negras estão relacionadas à dificuldade do acesso aos serviços de saúde, à baixa qualidade do atendimento recebido aliada à falta de ações e de capacitação de profissionais de saúde voltadas especificamente para os riscos a que as mulheres negras estão expostas; da segurança pública cujos operadores e operadoras decidem quem deve viver e quem deve morrer mediante a omissão do Estado e da sociedade para com as nossas vidas negras.
Denunciamos as batalhas solitárias contra a drogadição e a criminalização do nosso povo e contra a eliminação de nossas filhas e filhos pelas forças policiais e pelo tráfico, há muito tempo! Denunciamos o encarceramento desregrado de nossos corpos, vez que representamos mais de 60% das mulheres que ocupam celas de prisões e penitenciárias deste país.
Ao travarmos batalhas solitárias por justiça num quadro de extrema violência racial, denunciamos a cruel violência doméstica que vem levando aos maus tratos e homicídios de mulheres negras, silenciados em dados oficiais. Lutamos pelo fim do racismo estrutural patriarcal que promove a inoperância do poder público e da sociedade sobre a exterminação da nossa população negra .
Estamos em marcha para reivindicamos o livre culto de nossas divindades de matriz africana sem perseguições, nem profanações e depredações de nossos templos sagrados.
Estamos em marcha contra a remoção racista das populações das localidades onde habitam.Lutamos por moradia digna; por cidades que não limitem nosso direito de ir e vir e contra a segregação racial do espaço urbano e rural; por transporte coletivo de qualidade; por condições de trabalho decente nas diferentes profissões que exercemos. Valorizamos nosso patrimônio imaterial em terreiros, escolas de samba, blocos afros, carimbó, literatura e todas as demais manifestações culturais, definidoras da nossa identidade negra.
Estamos em marcha porque somos a imensa maioria das que criam nossos filhos e filhas sozinhas, as chefes de famílias, com parcos recursos e o suor de nosso único e exclusivo trabalho.
Estamos em Marcha:
 pelo fim do femicídio de mulheres negras e pela visibilidade e garantia de nossas vidas;
 pela investigação de todos os casos de violência doméstica e assassinatos de mulheres negras, com a penalização dos culpados;
 pelo fim do racismo e sexismo produzidos nos veículos de comunicação promovendo a violência simbólica e física contra as mulheres negras;
 pelo fim dos critérios e práticas racistas e sexistas no ambiente de trabalho;
 pelo fim das revistas vexatórias em presídios e as agressões sumárias às mulheres negras em casas de detenções;
 pela garantia de atendimento e acesso à saúde de qualidade às mulheres negras e pela penalização de discriminação racial e sexual nos atendimentos dos serviços públicos;
 pela titulação e garantia das terras quilombolas, especialmente em nome das mulheres negras, pois é de onde tiramos o nosso sustento e mantemo-nos ligadas à ancestralidade;
 pelo fim do desrespeito religioso e pela garantia da reprodução cultural de nossas práticas ancestrais de matriz africana;
 pela nossa participação efetiva na vida pública.
Buscamos num processo de protagonismo político das mulheres negras, em que nossas pautas de reivindicação tenham a centralidade neste país. Nosso ponto de chegada e início de uma nova caminhada é 13 de maio de 2015 – Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo – em Brasília/DF.
Conclamamos, a todas as mulheres negras, para que se juntem a esse processo organizativo, nos locais onde estiverem, e a se integrarem nessa Marcha pela nossa cidadania.
Imbuídas da nossa força ancestral, da nossa liberdade de pensamento e ação política, levantamo-nos – nas cinco regiões deste país – para construir a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, para que o direito de vivermos livres de discriminações seja assegurado em todas as etapas de nossas vidas.
ESTAMOS EM MARCHA !
“UMA SOBE E PUXA A OUTRA!”
Brasil, 25 de Julho de 2014.
Comitê Impulsor Nacional da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver 2015

Reproduzido do site: http://2015marchamulheresnegras.com.br/

miércoles, 2 de julio de 2014

É 1º de julho, "baby"... "Sou minha, só minha e não de quem quiser..."



Eu vejo que aprendi 

O quanto te ensinei 
E nos teus braços que ele vai saber
Não há por que voltar
Não penso em te seguir
Não quero mais a tua insensatez

O que fazes sem pensar aprendeste do olhar
E das palavras que eu guardei prá ti
Não penso em me vingar
Não sou assim
A tua insegurança era por mim

Não basta o compromisso
Vale mais o coração
Já que não me entendes, não me julgues
Não me tentes
O que sabes fazer agora
Veio tudo de nossas horas
Eu não minto, eu não sou assim
Ninguém sabia e ninguém viu
Que eu estava a teu lado então
Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher
Sou minha mãe e minha filha, 
Minha irmã, minha menina
Mas sou minha, só minha e não de quem quiser
Sou Deus, tua deusa, meu amor
Alguma coisa aconteceu
Do ventre nasce um novo coração

Não penso em me vingar
Não sou assim
A tua insegurança era por mim
Não basta o compromisso

Vale mais o coração
Ninguém sabia, ninguém viu
Que eu estava ao teu lado então

Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher
Sou minha mãe e minha filha, 
Minha irmã, minha menina
Mas sou minha, só minha e não de quem quiser
Sou Deus, tua deusa, meu amor
Baby, baby, baby, baby

O que fazes por sonhar
É o mundo que virá pra ti e para mim
Vamos descobrir o mundo juntos baby
Quero aprender com o teu pequeno grande coração
Meu amor, meu amor.

Link: http://www.vagalume.com.br/cassia-eller/1-de-julho.html#ixzz36KXeigeO