martes, 29 de julio de 2014

Dedico "Galeano" às "bruxas": as mulheres não exemplares.

Recebi esse presente da minha querida amiga- companheiraTita.  E não poderia deixar de postá-lo  para, quem sabe, inspirar outras tantas de nós que estamos na transição para o mundo das mulheres ( e homens) não exemplares, leia-se, àquelas/es que subvertem o imposto pelos valores patriarcais e capitalistas  e experimentam a fartura do texto de Galeano não após a morte, mas sim na vida. 

Gratidão a Galeano também pelo qual me  (re)apaixono a cada leitura sobre as coisas da vida viradas pelo avesso. 






A mulher exemplar


Viveu obedecendo à missão bíblica e à tradição histórica. Ela varria, lustrava, ensaboava, enxaguava, passava, costurava e cozinhava.
Às oito da manhã em ponto servia o café, com uma colherada de mel para o eterno ardor de garganta do marido. Ao meio-dia em ponto servia o almoço, consomê, purê de batata, frango cozido, pêssegos em calda, e às oito em ponto o jantar, com o mesmo menu.
Jamais se atrasou, jamais se antecipou. Comia em silêncio, porque não era mulher opinativa nem perguntativa, enquanto o marido contava suas façanhas presentes e passadas.
Depois do jantar, demorava, lavando os pratos lentamente, e entrava na cama rogando a Deus que ele já estivesse dormindo.
Naquele tempo já estava bastante difundida a máquina de lavar a roupa, o aspirador elétrico e o orgasmo feminino, que tinham chegado pouco depois da penicilina; mas ela não acompanhava as novidades.
Escutava apenas as radionovelas, e era rara a vez em que saía do refúgio de paz onde vivia a salvo da violência do mundo.
Uma tarde, saiu. Foi visitar uma irmã doente.
Quando regressou, ao anoitecer, encontrou o marido morto.
Alguns anos depois, a abnegada confessou que esta história não havia terminado exatamente assim.
Contou outro final a um vizinho chamado Gerado Mendive, que contou a um vizinho que contou a outro vizinho que contou a outro: ao voltar da casa da irmã, ela encontrou o marido caído no chão, arfando, revirando os olhos, a cara cor de tomate, e passou ao lado, se meteu na cozinha, preparou um inesquecível banquete de lulas em sua tinta e merluza à moda vasca, com uma sobremesa de torre alta de frutas e sorvetes, tudo isso regado com um vinho antigo e de boa cepa que tinha escondido, e às oito da noite em ponto, como era seu dever, serviu o jantar, se fartou de comer e beber, confirmou que ele estava definitivamente quieto no chão, fez o pelo-sinal, vestiu-se de negro e telefonou para o médico.

Eduardo Galeano. Bocas do tempo.

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