“São tempos difíceis para os sonhadores.”
Amelie Pollain
A barbárie instalada na sociedade capitalista
comprime sonhos, exalta os valores capitalistas e pode distanciar as pessoas do
desejo de uma sociabilidade livre de opressões e de exploração.
Excetuando os apaixonados pelo
capitalismo e os que não mais acreditam num mundo livre de relações sociais e econômicas
expropriadoras da vida, quantos de nós conseguirão viver mais alguns anos
acreditando na possibilidade de uma sociedade em que as relações interpessoais
sejam de fato livres da exploração, da opressão, de egoísmo, do individualismo,
da falsidade e da competitividade voraz que esse sistema impõe por meio das
relações de produção e de reprodução da sociedade burguesa?
Há momentos em que os dias
parecem inviáveis não fossem a ação involuntária de entrada do ar novo (mesmo
que poluído) nos pulmões e a permissão a minutos de loucura roubados do tempo
que já nos roubam.
Analisar a aparência das relações
interpessoais nos dias de hoje pode retirar de qualquer humanista um pouco
desanimado a motivação de lutar por mudanças, restando a flutuação da
consciência sobre o que a realidade lhe coloca de condições objetivas e a
expectativa do que é possível se fazer com essa realidade objetiva.
São os corpos estendidos no colchão
sob a chuva e enquanto do outro lado da rua circulam freneticamente zumbis atraídos
pelo fetiche do capital, do consumo do consumo pelo simples fato de consumir no
shopping mais famoso da cidade.
É a mãe que grita com o filho
mais velho em casa após um dia de sobrecarga de trabalho enquanto o filho mais
novo chora em alto tom a coisificação da mãe.
É a inveja e a falsidade de pretensos
revolucionários no cotidiano das relações humanas. O desiquilíbrio entre o ego
e o superego em disputas que bem poderiam ser espelhadas nas disputas
fraticidas em experiências “semi-revolucionárias” ou “ revolucionárias” que
serviram para nos mostrar como não ser.
É a incapacidade de diálogo das
forças de esquerda, os vícios e os fisiologismos dentro dos partidos e
organizações da esquerda e a dificuldade de construir unidade em ações
pontuais, imagina em processos revolucionários mais acelerados.
É o amor mercantil, o domínio
sobre o corpo das mulheres, as manipulações em troca de afeto acentuadas pela
falta de amor-próprio; a dependência emocional e o medo do amor livre de posse;
a incapacidade de enfrentar os medos, riscar novas marcas em cima das que essas
relações tão mercantis, superficiais, cheias de violência, insossas deixam na
gente.
São infinidades de experiências a
que intuitivamente reagimos, mas que, todavia, nosso tempo roubado não nos
permite analisar mais profundamente.
Um texto com elementos tão pessimistas,
escrito em minutos insones, não poderia apontar outra saída senão a de que a história
realmente acabou, de que faltamente seremos conduzidos a um mundo sem
alternativas a ordem capitalista vigente. Certo? Errado.
Os passos que já foram dados em
meio a toda contradição cotidiana que é imposta pelas bases materiais desse
sistema, resistindo às decepções cotidianas com discursos cheios de retórica e
vazios de prática coerente, e a busca da aproximação ainda incipiente da
essência das relações sociais desse sistema não permitem desfazer a maldição da
coerência. Não há outra saída senão a
destruição desse sistema que tem se mostrado inviável para a humanidade e a construção
de uma sociabilidade socialista (transição ao comunismo) sobre os destroços do
capital. Enquanto as matas não são totalmente devastadas, enquanto os rios não
perdem sua vida, enquanto o nosso sangue não é totalmente sugado por parasitas
capitalistas, enquanto os sabiás ainda podem cantar nas matas cerradas por
arames farpados, acordemos forcemos relações sociais novas na contra-maré das
determinações desse sistema que cada vez mais nos desumaniza, sabendo que “ a
nova mulher e novo homem” só serão possíveis na sociedade de homens e mulheres
livres!
Ângela Pereira.