sábado, 1 de octubre de 2011

CARTA ÀS TRABALHADORAS, AOS TRABALHADORES, ÀS USUÁRIAS E AOS USUÁRIOS DAS USF’s NOVA UNIÃO E NOVA ESPERANÇA.

Não se deixar cooptar, não se deixar esmagar. Lutar sempre!

Florestan Fernandes

Sempre existe a hora da chegada e a da partida. E dos momentos da vida precisamos colher o aprendizado e as boas lembranças. Como afirmação das minhas convicções e em nome da gratidão por esse aprendizado e da capacidade de continuar acreditando naqueles que produzem o trabalho e o cuidado em saúde é que escrevo essa carta.

Meu histórico de vida e de militância não me permitiram considerar a experiência no Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) enquanto apoiadora matricial em João Pessoa (gestão) apenas como a primeira experiência profissional. Encarei cada momento de aproximação com as trabalhadoras e os trabalhadores das Unidades de Saúde da Família em que estive apoiando, com as usuárias e os usuários e com os demais integrantes do Distrito Sanitário III como uma oportunidade de aprender, muito mais do que ensinar ou determinar o que fazer.

Na universidade aprendi muita coisa, dentre elas a fisioterapia, mas os meus principais educadores foram o movimento estudantil e a extensão popular junto a comunidades populares. Foi com as pessoas que estiveram junto a mim nessa fase de minha vida que aprendi ainda mais a respeitar as diferenças, a reconhecer as habilidades e as potencialidades das pessoas, mesmo quando elas estão descrentes de suas capacidades. Aprendi que muitas vezes o conhecimento popular é mais útil e verdadeiro, que o conhecimento científico. Mas aprendi também que ao se juntar, com humildade, o conhecimento científico com o saber popular é possível se colher ótimas experiências de cuidado e, portanto, de amor ao próximo, no meu caso de amor à classe trabalhadora.

É com a classe trabalhadora que me identifico. É das experiências de resistência desta e de luta que alimento a minha vida e a minha ideologia. É com ela que quero continuar seguindo nas mesmas fileiras, indignando-me com todo o tipo de exploração e precarização decorrente da exploração do trabalho pelo capital.

É com e pela classe trabalhadora que mantenho firmes as minhas convicções ideológicas e meus valores de vida e de respeito à humanidade. É também por ela que desejo cada vez com mais afinco a libertação humana em sua forma mais radical, ou seja, desejo uma sociedade em que novas mulheres e novos homens convivam se respeitando e compartilhando a produção social de forma igualitária com a posse coletiva dos meios de produção, compartilhando a diversidade sociocultural e étnica em todo seu tempo livre, aquele que hoje lhes é retirado pela exploração da mais valia. Compartilhando os momentos de elaboração literária, teórica e as mais simples trocas em comunidades como parte fundamental do desenvolvimento das capacidades humanas.

É pela identificação com a classe trabalhadora que não me deixei convencer por falsos discursos democráticos, quando vi no cotidiano da saúde práticas autoritárias/fiscalizadoras de desrespeito ao trabalhador e ao vínculo deste com o seu trabalho; quando vi sobrecargas de trabalho, desvios de funções e/ou multifuncionalidade, cobranças para atingir metas sem que estruturalmente se tivesse condições de executá-las numa lógica fordista de produção; quando vi a cooptação de lideranças comunitárias e de profissionais ditos engajados politicamente para assumir a defesa da gestão, sem que esses executassem o seu trabalho de forma qualificada no seu cotidiano; quando vi o pseudo-cuidado com o trabalhador quando no seu cotidiano de trabalho lhes é questionado o direito de 30 dias de férias e o mesmo não pode gozá-lo de forma ininterrupta por não se contratar mais profissionais para substituí-lo; quando senti em minha jornada de trabalho, legalmente de 30 horas semanais, aumentada para 40 horas semanais numa frenética dinâmica para atingir todas as atribuições construídas para os apoiadores matriciais, estes que são as mãos e os pés do nível central.

Sofri com a sobrecarga de trabalho dos técnicos de enfermagem; com cada hora a mais de trabalho levada para casa pelas enfermeiras; com a desvalorização dos Agentes Comunitários de Saúde; com as vezes que tive que informar aos profissionais a necessidade de realização de ações com as quais eu discordava por ser contra os meus princípios ideológicos. Sofri com a falta de solidariedade entre as categorias profissionais e entre pessoas da mesma profissão, por não se reconhecerem em si como classe trabalhadora que precisa se unir para obter as vitórias a curto e a longo prazo de que necessitamos. Sofri com a dificuldade de transporte de usuários que precisavam do serviço fisioterapêutico de média complexidade. Sofri com o número insuficiente de fisioterapeutas para atender as demandas das comunidades em seu território na atenção domiciliar; com a rede para reabilitação não estruturada e com os clamores jogados aos ventos...

Sofri, enfim, com tudo aquilo que subjugou indivíduos, duvidou de suas capacidades, desvalorizou suas potencialidades, cooptou importantes forças de mobilização social e ex-companheiras/os de militância.

O sofrimento, todavia, não me esmoreceu. Deu-me forças e me fez procurar cada vez mais entender as tramas do Sistema Capitalista. É nesse sentido que caminho, buscando entender o inimigo, fomentando debates e lutas entre aqueles que se sensibilizam quanto ao seu papel na sociedade de mulheres e homens livres que precisamos construir desde já e que virá. Virá porque somos muitos e seremos cada vez mais, trabalhadoras e trabalhadores conscientes de sua situação de explorados e que entenderão que a saída para a libertação não se dá, de outra forma, senão pela luta organizada da classe trabalhadora.

Para mim não se trata de gerir a crise e sim de procurar cada vez avançar para processos verdadeiramente democráticos, em que as pessoas tenham voz e vez, para que as horas gastas em reuniões com comunidades, em conferências e em conselhos de saúde, por exemplo, possam ser de fato colocadas em prática porque serão fruto da luta de movimentos sociais e partidos políticos organizados e com força social. Não se trata de reduzir a participação popular a espaços simbólicos de poder com poucos porcentos do orçamento anual em discussão. Não se trata de ouvir o usuário apenas para deixá-lo mais calmo e diminuir as denúncias contra uma gestão. Trata-se de buscar a resolução efetiva do problema para que nem ele nem outro precise passar pela mesma situação. Trata-se, portanto, de ser coerente na teoria e na prática aos valores e as concepções socialistas.

Não permito que desqualifiquem meus sonhos e minhas convicções, afirmando que as minhas atuais opções serão alteradas com a maturidade. Não aceito as insinuações de que o tempo retirará de mim o desejo pela revolução socialista e pela libertação de homens e mulheres. Não aceito. Por que não me deixarei cooptar e esmagar e lutarei sempre!

Gostaria de encontrá-las/los juntos nessa luta. Desejos de felicidades e de força para seguir em frente resistindo e lutando.



Ângela Maria Pereira.

Trabalhadora!

João Pessoa, 05 de novembro de 2010.

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