(Foto retirada do site: http://carcanholo.com.br/)
Recebo a notícia do falecimento de Reinaldo Carcanholo bastante emocionada e saudosa.
Fico com as lembranças dos momentos de irreverência, polêmicas e críticas que acompanhavam a presença desta pessoa na formação da nossa turma Carlos Marighella de Economia Política da Escola Nacional Florestan Fernandes e da UFES.
Desejo força à família, às/aos amigas/os para seguir em frente com as boas lembranças e o amor à vida comprometida com uma sociedade de mulheres e homens livres.
Quando um homem se reconhece no outro
E com ele resolve dar as mãos para seguir a caminhada
Há que se reconhecer a grandeza dos gestos numa vida determinada.
Quando um homem se reconhece na outra
E com ela resolve dar as mãos para seguir a caminhada
Há que se reconhecer a contribuição para a luta numa vida dedicada
Quando a ele se juntam outras tantas companheiras e companheiros
Há que se reconhecer que em nome da revolução socialista
A vida vale muito a pena.
Ângela Pereira.
Entrevista com Reinaldo Carcanholo:
Reinaldo Carcanholo era doutor em Economia da Universidade Nacional Autónoma do México, com mestrado em Ciências Econômicas da Universidade do Chile, colaborador do Movimemto dos Trabalhadores Sociais Sem terra no Brasil e membro da direção da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL). Professor do Mestrado em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo ( ES).
Seguem textos em homenagem ao companheiro Reinaldo Carcanholo:
>>>> Em nome da Turma Carlos Marighella de Economia Política da Escola nacional Florestan Fernandes (Economia e desenvolvimento Agrário da UFES- Vitória/ ES).
A II Turma Carlos Marighella de Economia Política e Desenvolvimento Agrário da Escola Nacional Florestan Fernandes-Universidade Federal do Espírito Santo lamenta a inestimável perda do professor Reinaldo Carcanholo.
A II Turma Carlos Marighella de Economia Política e Desenvolvimento Agrário da Escola Nacional Florestan Fernandes-Universidade Federal do Espírito Santo lamenta a inestimável perda do professor Reinaldo Carcanholo.
Intelectual comprometido com as lutas do povo brasileiro, pensador crítico e educador exemplar, Reinaldo Carcanholo teve uma atuação marcante em nossa Turma Carlos Marighella. Além da referência na compreensão e ensino do marxismo, o professor Reinaldo sempre esteve junto à turma e aos educando nos momentos em que sua presença e colaboração política e acadêmica foram necessárias e decisivas.
É com pesar que nos despedimos do professor Carcanholo. Perdemos um companheiro, mas suas contribuições permanecem em cada um de nós, na forma de compromisso com o pensamento radicalmente crítico e com a práxis revolucionária.
De vários estados brasileiros, em 30 de maio de 2013.
>>>>Ao Velho Comunista,
Em primeiro lugar devo me apresentar. Meu nome é Ninguém.
Pelos próximos dois anos terei o nome de 3ª Turma de Economia Política. Para
muitos de nós, esse nome ficará cravado na nossa memória. E, dessa forma, este
também será meu nome. Mas ainda assim, meu sobrenome é Ninguém. Venho de vários
lugares do país. E, neste país de “ninguéns” tenho mudado as estatísticas e
contrariado o destino. Sou já, um Ninguém com bacharel, licenciado, com título
reconhecido e tudo mais. Sou Pedagogo da Terra, sou Economista, sou Agrônomo,
sou Engenheira Florestal, sou Jornalista e tanto mais títulos que eu nem imaginava
que teria, mas cá estou. Rompendo barreiras, derrubando os números. Não quero
parar.
Pois bem, o motivo dessa carta é prestar minha humilde, mas honesta, homenagem a você. Vou deixar as pompas e formalismos de lado e, por hora, o chamarei por “você”. Foi graças a você que pudemos estar aqui, depois de atravessar quilômetros de distância, percorrer sertões, cidades, estradas de chão e pista. Foi graças a você que pudemos ingressar em nova etapa dessa trajetória ainda sem fim rumo ao desconhecido mundo das ideias.
Foi graças a você que tivemos contato com o misterioso mundo
das mercadorias e, sem saber, fomos nos dando conta que esse é o nosso mundo. E
que, desvendando o mistério das mercadorias desvendamos o mistério do nosso
mundo. E, veja você, eu achava que muito já tinha vivido. Mas ao mesmo tempo
achava que muito ainda tinha por viver. E, à medida que conheço esse misterioso
mundo, mais me dou conta que pouco ou nada sei. Mas veja bem, sem você, talvez
essa empreitada nem tivesse início. E, graças a você, hoje estou em condições
de alcançar um novo título: o de Especialista. Olha só, Especialista... Quem
diria. Eu, que sou um Ninguém na vida. Num país de “ninguéns”, agora posso me
tornar Especialista.
Graças a você, agora posso ter aulas com esses Professores.
Na verdade, eles são seus alunos. O que
faz de você o professor dos professores. Menos pelas “honrarias” da
Universidade Pública desse país que nunca se importou com meu conhecimento. Mas
sim, pela escola da vida e da luta, na qual você educou estes seus alunos, hoje,
nossos Professores.
Pois bem, Professor dos Professores. É graças a você que
também passei a conhecer algo novo pra mim. E isso não é fácil escrever em uma
humilde, ainda que em honesta carta como essa. Há cerca de uns 10, 20, no
máximo 30 anos, eu que Ninguém me formei na vida, comecei a me engajar em um
projeto. Projeto que, pra mim, era novo. Olhava à minha volta, entre os da
minha idade, jovens, moços e moças, adultos, alguns já mais velhos e via que
meu projeto era novo, inovador. Achava que não resistiria ao tempo algo tão
novo assim. Mas, aos poucos, fui vendo que ele tinha raízes no passado. Num
passado distante. Mas que o fio da história não deixou ele se perder. Era como
se fôssemos conhecidos de outras épocas. De um tempo que eu não vivi, mas que
guardava em minha memória. Difícil de explicar. Mas você irá me entender.
Procurava na televisão, nos jornais, revistas, depois na internet. E não achava
nada. Nada do meu projeto. Nada dos meus sonhos. Achava que era algo novo, mas
sabia que tinha algo lá atrás. Foi quando conheci você. Você, caro professor, é
esse fio que não se rompia. O elo com nosso longínquo passado. A nossa memória
de um tempo não vivido. Foi graças a você que fiquei sabendo da ascensão e
queda do stalinismo. Da dificuldade de tantos outros iguais a mim, Ninguéns na
vida, mas que ergueram um país, na verdade um continente de “ninguéns”. Foi
graças a você que fiquei sabendo que pelo nosso continente, enquanto os
militares a mando do império das mercadorias matavam no pau de arara, a choques
elétricos, o nosso projeto, você resistiu e nos contou da resistência em armas.
Contou que ela se espalhou pelos continentes e assombrou nossos inimigos. Foi
graças a você, professor, que ficamos sabendo que algo novo se abria, mas que
esse algo novo não era tão novo assim. Mais, ele tinha profundas raízes nesse
século 20. Que era um projeto de futuro, mas que carregava o passado consigo. Você,
caro professor dos professores, é esse elo com nosso passado. E, graças a você,
sei hoje, que esse meu projeto tem uma longa história. E ele é mais forte com
isso. Você é esse elo que carrego na memória.
A sua história é nossa história! O seu trabalho está dando
os frutos que talvez nem imaginasse. Cá estamos nós, hoje, terminando essa
primeira etapa de mais 4 que virão. Pra nos tornarmos especialistas? Sim. Mas
muito mais que isso, pra darmos continuidade nessa tua tarefa, árdua tarefa, de
desvendar os mistérios por trás das mercadorias que agora sei, são os mistérios
por trás do nosso mundo. Pra dar continuidade nessa tarefa de mudar o
inevitável. Pra darmos continuidade nessa longa tradição comunista que você soube
e sabe muito bem levá-la adiante. E é por isso que nós viemos lhe agradecer,
por estarmos aqui, e por termos a certeza que pra cá voltaremos pra
continuarmos essas tarefas que você nos deixou. Hoje, e já há algum tempo, não
somos mais ninguéns. Somos filhos e filhas de um longo projeto, sem data pra
encerrar, chamado comunismo. Somos filhos e filhas dele. E você, é nosso Professor.
>>>>> São Mateus, 31 de maio de 2013.
Prezados familiares de Reinaldo Carcanholo!
Nesse momento
de dor e tristeza, em que, consternados, nos deparamos com a notícia da perda
do Reinaldo, é difícil pronunciar palavras. No entanto, queremos, entre um nó
na garganta e lágrimas no coração, expressar por intermédio desta carta, nosso
sentimento de solidariedade e compromisso.
A relação e
contribuição do Professor Reinaldo com o MST, já se prolonga por mais de duas
décadas. Talvez um dos primeiros professores da UFES a ministrar aulas no
Centro de Formação do MST/ES. E por conseqüência, um dos primeiros a integrar o
quadro de professores do MST Nacional e posteriormente junto à Escola Nacional
Florestan Fernandes.
Nesse
percurso, nos abriu portas na UFES encampando (contra os reacionários) o
primeiro curso de Pós Graduação em Economia Política e Desenvolvimento Agrário
para formadores e dirigentes de Movimentos Sociais do Brasil, que atualmente
encontra-se na sua terceira edição.
Nos processos
formativos, sempre que convidado, independente do local, nunca recebemos um não
e, mais que isso, nunca impôs condições ou fez alguma exigência para sua
participação. Dizia: “Para o MST eu sempre tenho agenda”!
Falar,
portanto, do Professor Reinaldo é acima de tudo, recordar da sua vida de
intelectual comprometido, de educador e de militante das transformações sociais.
Vida na qual a teoria e a prática se entrecruzam, transformando-o em um homem
de ação e de pensamento.
Lega-nos o
exemplo de estudioso rigoroso do Marxismo, sem
ser dogmático. Ao estudar os clássicos tinha em mente, a necessidade de
interpretar os dilemas da realidade atual para nela atuar de forma
revolucionária. Um combatente nas trincheiras dentro e fora da Universidade
para defender a importância da teoria crítica como arma e ferramenta de luta
para os Movimentos Sociais.
Lega-nos o
exemplo da solidariedade, do amigo que sempre foi em todas as horas que nos
brindou com sua companhia. Sua simplicidade contagiava a todos e, convocava
para seguir na mesma trilha do estudo e da luta. Homem de caráter, de alegria
cativante, que, apesar das agruras da vida, inclusive do exílio, não perdeu a
ternura e a capacidade de amar a família, os trabalhadores, o Brasil, que
desejava livre, soberano e independente.
Lega-nos uma valiosa
obra em seus trabalhos escritos, em suas palestras e intervenções teóricas.
Mas, acima de tudo nos lega a sua própria vida, através do amor que dedicou a
ela, do sentido que deu a ela até o último momento. Diante da gravidade da
situação de saúde que o abateu, encarou essa condição, em pé!
Por isso,
apesar da sua ausência física, Reinaldo não nos deixa. Permanece entre nós, nos
instigando ao estudo, à vivência dos novos valores, acompanhando nossos passos
na luta pela justiça e pelo socialismo.
Continua a nos
dar o exemplo de um verdadeiro Marxista, nos ensinando que a revolução
socialista é o horizonte da classe trabalhadora, bandeira com a qual
continuamos comprometidos. Esta causa – da emancipação humana – com certeza o manterá
vivo e presente em nossas salas de aula, em nossas bibliotecas, em nossos
cursos de formação, em nossas reflexões e elaborações teóricas, em nossas
lutas, em nossos espaços de confraternização e diálogos.
O MST, os
Movimentos Sociais, a UFES, todos perdemos um grande intelectual; perdemos um
pensador comprometido com os “de baixo”; perdemos um educador exemplar;
perdemos um grande amigo!
Queridos
familiares, esposa e filhos! Recebam da família do MST, a solidariedade, o
reconhecimento e o significado deste GRANDE HOMEM junto a nós e para as lutas
do povo.
Recebam o
nosso abraço de carinho e amizade. Tenham a certeza de que continuaremos
seguindo seus ensinamentos, seu exemplo e sua esperança num futuro melhor para
os trabalhadores deste país e do mundo. VIVA REINALDO CARCANHOLO!
Um abraço
socialista!
Adelar
João Pizetta - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra!
>>> Nota da Editora Expressão Popular
É com muita tristeza que a equipe da Editora Expressão Popular recebeu a notícia do falecimento do professor Reinaldo Carcanholo. Além de um dos mais destacados economistas marxistas brasileiros, ele – seguindo à raiz da tradição marxiana – esteve durante toda sua trajetória de vida vinculado às lutas sociais no Brasil e na América Latina.
Estudante de economia da Universidade de São Paulo durante a ditadura civil-militar brasileira, Carcanholo se exilou no Chile, ainda sob o governo da unidade popular capitaneado por Salvador Allende, onde termina a sua graduação e trava contato com o grupo da Teoria da dependência. Alguns anos depois – novamente exilado após o golpe contra o governo de Allende, Carcanholo vai para o México preparar sua tese de doutoramento sob a orientação de Ruy Mauro Marini, na Universidade Nacional Autonóma do México. Entre as décadas de 1970 e 1980 esteve no Chile, México, Costa Rica, Nicarágua, El Salvador sempre em estreita ligação com os movimentos sociais e com os processos de luta pela libertação dos povos contra as ditaduras latino-americanas. Como ele mesmo afirmava: "não fui um militante, sempre estive, da universidade, ligado à formação da militância". Para nós, sua postura crítica e combativa, sempre a postos para contribuir na construção do conhecimento com vistas a desvelar a dinâmica da sociedade capitalista entre os trabalhadores e em uma linguagem clara foi sua forma mais sincera de militância.
Na volta ao Brasil Carcanholo se torna professor universitário e uma das principais figuras da Sociedade de Economia Política (SEP) e da Sociedade de Economia Política latino-americana (SEPLA), da qual era atualmente vice-presidente. A sua vinculação aos movimentos sociais se acentua cada vez mais, contribuindo incansavelmente com cursos de formação no tema da Economia Política para movimentos sociais, entre eles, marcadamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contribuição que já dura mais de duas décadas. Sem nunca perder a perspectiva latino-americana, Carcanholo segue divulgando suas criativas análises em torno das categorias econômicas marxistas em diversos países. Devemos mencionar, neste sentido, a recente publicação de um dos seus mais brilhantes ensaios - "A dialética da mercadoria" - em Cuba, com intuitos de formação política dos trabalhadores.
Distante das vaidades acadêmicas que infestam os intelectuais atualmente, a postura de Carcanholo era sempre de disposição à luta e humildade em aprender com a dinâmica da realidade. Generosa e militantemente nos ofereceu dois de seus livros para publicarmos - Capital essência e aparência, vol. 1 (2010) e vol. 2 (2013) - bem como contribuiu com prefácios e apresentações de livros. Reinaldo Carcanholo, para além de um intelectual marxista criativo, que buscava seguir Marx não de forma dogmática, mas utilizando a sua teoria não apenas para interpretar a realidade, mas também para transformá-la. É irreparável perda o seu falecimento, mas estamos certos que o seu legado seguirá vivo nos militantes empenhados em construir a passagem do reino da necessidade para o reino da liberdade.
Carcanholo, retomando Brecht, é daqueles que lutam sempre, os imprescindíveis.
Equipe da Editora Expressão Popular
31.05.2013
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