martes, 6 de diciembre de 2016

Identidade*

Sentada num sofá velho, uma criança negra via sua mãe selecionando peça a peça possíveis objetos para serem reciclados. 
Cheiro forte, sol à pino e suor na pele negra escorrendo. Catava, a mãe, as latas de cervejas que foram tocadas por pessoas com histórias diversas. Talvez vindas do bar da esquina ou do hotel à beira mar. Buscava ainda entre tantas coisas velhas e semi-usadas descartadas algo que alimentasse os parcos sonhos de sua filha.
As mãos calejadas e suadas encontraram uma boneca. Tinha olhos azuis. Encantada com a semelhança dos olhos da boneca com  uma pedra preciosa, rapidamente foi até a filha e presenteou-a: "Filha, encontrei a boneca que prometi lhe dar".
 A menina pegou a boneca e olhou-a fixamente. Na outra mão, tinha um caco de espelho.
Ficou , então, oscilando os seus olhos negros entre o espelho e a boneca  com olhos azuis.
Não entendia porque aqueles olhos azuis não lhe eram familiares.
Para surpresa da mãe, a criança deixou a boneca no sofá e saiu com o caco de espelho nas mãos.


Ângela Pereira. 

*Crônica, produto de oficina de criação literária  " Escrita de mulheres negras na Contemporaneidade" com Lívia Natália - Professora Dra. do Instituto de Letras da UFBA.no I FALA NEGRA , organizado pelo PET NESAL (Núcleo de estudos do Semi-árido de Alagoas) na UFAL de Palmeira dos Índios.