sábado, 21 de diciembre de 2013

Quando a poesia não sai, o corpo fala...


Aproveitei  para dar uma passada e lembrar de um das coisas que me movem, postando  uma poesia de Viviane Mosé.

Essa é para quem anda retendo poesia, inclusive eu.

Doenças


Muitas doenças que as pessoas têm são poemas presos
abscessos tumores nódulos pedras são palavras
calcificadas
poemas sem vazão
mesmo cravos pretos espinhas cabelo encravado
prisão de ventre poderia um dia ter sido poema
pessoas às vezes adoecem de gostar de palavra presa
palavra boa é palavra líquida
escorrendo em estado de lágrima
lágrima é dor derretida
dor endurecida é tumor
lágrima é alegria derretida
alegria endurecida é tumor
lágrima é raiva derretida
raiva endurecida é tumor
lágrima é pessoa derretida
pessoa endurecida é tumor
tempo endurecido é tumor
tempo derretido é poema
palavra suor é melhor do que palavra cravo
que é melhor do que palavra catarro
que é melhor do que palavra bílis
que é melhor do que palavra ferida
que é melhor do que palavra nódulo
que nem chega perto da palavra tumores internos
palavra lágrima é melhor
palavra é melhor
é melhor poema

Viviane Mosé

Viviane Mosé (Espírito Santo16 de janeiro de 1964) é poetisafilósofapsicóloga psicanalista e especialista em elaboração e implementação de políticas públicas. Mestre e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou sua tese de doutorado Nietzsche e a grande política da linguagem em 2005 pela editora Civilização Brasileira. ( Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Viviane_Mos%C3%A9)

miércoles, 11 de diciembre de 2013

Ricardo Brindeiro segue presente entre nós!


Passados 7 dias da despedida da presença física do querido Companheiro Ricardo Brindeiro, seguem as muitas homenagens de um homem extremamente querido pela solidariedade, alegria, simplicidade e opção de classe que fez. 

Ricardo Brindeiro segue presente entre nós!






Abaixo, socializo texto escrito pelo camarada Alder Júlio em homenagem ao lutador do povo: Brindeiro.












RICARDO BRINDEIRO, UM MILITANTE AMOROSO

Alder Júlio Ferreira Calado


Ricardo Brindeiro segue vivo entre nós, após sua grande viagem à Casa do Pai/Mãe, em cujos braços é acolhido, e com a festiva recepção de tanta gente querida que nos precedeu: Dom Oscar Romero, Dom Helder (que lhe ministrou as primeiras ordens menores), Margarida Maria Alves, Pe. José Comblin, Éliton Santana e tantas outras figuras venerandas.
Partiu, em sua grande viagem, aos seus densamente bem vividos 61 anos, ele que nasceu, em Recife, no dia 15 de agosto de 1952, numa família católica de classe média. Desde cedo, já revelava sinais de seu apreço à liberdade e de seu amor às pessoas, em especial aos pobres.
Em tenra juventude, experimentou um duplo apelo: à militância e à mística. Uma militância multiforme: nas pastorais sociais, no movimento estudantil, na política partidária, nos movimentos populares, nas organizações de base de nossa sociedade. De início, engajou-se em grupos de jovens da Igreja Católica. Depois, na militância estudantil universitária, em seu curso de Arquitetura, na UFPE, apoiando ou participando de campanhas de chapas do DCE.
Quanto ao apelo à mística, antes mesmo de sua tocante experiência de estudos no ITER (Instituto de Teologia do Recife), passa por uma repentina aventura: sem nada dizer em casa, põe-se a viajar mundo afora, indo parar em Óbidos – PA, em busca de uma experiência num Seminário franciscano. Durou pouco tempo. Mais tarde, quis vivenciar uma experiência ecumênica, tendo sido acolhido pelo conhecido monge Michel Bergman e demais irmãos na Comunidade de Taizé, em Alagoinhas, na Bahia. Tempo de fecundo encontro com Deus, nos irmãos. Aí também chegou a contribuir como arquiteto, projetando a capela desta Comunidade.
Foi, porém, no Instituto de Teologia do Recife (ITER), onde vem a ter o auge de sua experiência de formação teológica, tendo sido inspirado por figuras docentes como Humberto Plummen, René Guerre, Ivone Gebara, Sebastião Armando, Eduardo Hoornaert, Marcelo Augusto, além de tantos colegas de ITER espalhados por esse Nordeste, inclusive aqui em João Pessoa, a exemplo do Pe. Antônio Paulo Cabral de Melo.
Estudando no ITER, não abriu mão de morar e trabalhar intensamente com a Comunidade da Favela Brasília Teimosa, onde, pela imposição das mãos de Dom Helder, chegou a receber as Ordens Menores, tendo depois decidido seguir outras trilhas de militância junto ao povo dos pobres.
Vivia-se, no Brasil, um período de intensa efervescência dos movimentos populares, na qual a chamada “Igreja na Base” tinha um lugar de destaque, seja pela densa atuação das CEBs, das pastorais sociais (CIMI, Pastoral da Terra, Pastoral Operária, Pastoral da Juventude do Meio Popular e outras), do CEBI. Duas participações de Ricardo aí merecem destaque: sua contribuição, na área musical, no processo de elaboração do Ofício das Comunidades e de outros cantos litúrgicos, com Pe. Reginaldo Veloso e o o pessoal do Morro da Conceição. Também, ele conta com entusiasmo sua participação ao lado de várias figuras que atuaram na famosa Missa dos Quilombos, em começos dos anos 80.
Nessa época, também, juntamente com todo o povo dos pobres da Arquidiocese de Olinda e Recife, viveu tempos sombrios, logo após a resignação (aposentadoria) de Dom Helder, no augre da perseguição à “Igreja dos Pobres”, comandada pelo Vaticano. Para suceder a Dom Helder, o Vaticano nomeia Dom José Cardoso. Este arcebispo não tardou em comandar a vasta operação de desmonte, punindo, expulsando e substituindo os agentes de pastoral que animavam, à luz da Teologia da Libertação, a caminhada do Povo de Deus, naquela arquidiocese.
Uma dessas medidas punitivas voltou-se contra a Comunidade do Morro da Conceição, animada pelo Pe Reginaldo Veloso. Este também foi substituído. A comunidade reage à destituição de Pe. Reginaldo e à sua substituição pelo Pe. Constante. Com o propósito de “tomar posse”, o novo vigário pede a chave da Matriz, guardada pelo povo. O povo se reúne, faz uma manifestação, na qual também Ricardo estava presente, e até compôs uma música de resistência, tematizando o sentido de chave. O estribilho da música dizia:: “A chave, a chave / A chave eu não dou / A chave é de Pedro / Que é pescador.” A propósito,  lembra o Pe. Paulo Cabral que “No processo de reintegração de posse, movido pela arquidiocese, o oficial de justiça, com todo o respaldo policial, quebra os cadeados e abre a Igreja.”
Recém-casado com Ana Gusmão, após um período de trabalho de Ricardo junto à FASE, decide o jovem casal vir fazer uma experiência missionária em João Pessoa, a convite dos Missionários Mazzianos, no Alto do Mateus, no final dos anos 80, com a mediação de Pe. Robson, e com a entusiástica acolhida da Comunidade Mazziana, animada por figuras muito queridas, entre as quais o Pe. Carlos Avanzi, o Pe. Dario Vaona, o Pe. Lorenzo e as Religiosas da mesma Congregação.
Na companhia da comunidade mazziana, ele e Aninha passam a animar várias atividades educativas, em especial o Projeto de Educação Popular“Beira da Linha”, desenvolvendo uma série de atividades educativas com as crianças, adolescentes e jovens do bairro: desde teatro, música a outras atividades pedagógicas, sempre numa perspectiva de formação da consciência cidadã.
Graças a essas atividades com a moçada do bairro, inclusive por meio de distintas iniciativas lúdicas – quantos milagres fez Ricardo com seu violão e suas paródias! - vai brotando uma nova consciência na comunidade, de modo a despertar um fecundo sentimento de protagonismo, inclusive no plano político. Várias ações, vários atos públicos foram então realizados, por melhorias concretas das condições de vida daquela comunidade.
Por esse tempo, Ricardo contribuiu ativamente nos debates e iniciativas relativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente, contribuiu com o Centro de Direitos Humanos Margarida Maria Alves, do qual foi presidente. Militante do PT, chegou a candidatar-se a Vereador. E, sobretudo, tornou-se o principal ícone em sucessivas manifestações e atos públicos realizados pelos movimentos sociais, pelas pastorais e pelas organizações de base de nossa sociedade, animando com suas canções, com seu violão, com suas palavras de orem...
Nos últimos anos, como membro da assessoria do Mandato do Dep. Luiz Couto, do PT, ocupou o melhor do seu tempo colaborando com qualidade com as reuniões e debates dos movimentos sociais, em especial a Consulta Popular, a Assembléia Popualr, de cujas reuniões e encontros era dos mais assíduos, ora ajudando a construir o Grito dos Excluídos e Excluídas, ora participando de comissões de organização, etc. Nesse sentido, entendo a ação de Ricardo Brindeiro como a de um intelectual orgânico a serviço dos “de baixo”, em especial em sua atuação na prática prática.
Homem de fé que, desde sua humilde e espontânea disposição em se nos apresentar, primeiro, como pecador,  não hesita em explicitar sua fé, ao seu modo (com fome diária de Eucaristia, assíduo exercício das leituras do dia, inclusive em seu período de grande provação), estava sempre disponível para participar dos encontros do Movimento Fé e Política e de tantas atividades das CEBs e da “Igreja na Base”. Fez também parte do Conselho de Justiça e Paz, criado por Dom Marcelo Carvalheira, na Arquidiocese da Paraíba.
Merece destaque sua participação no Grupo Kairós/Nós Também Somos Igreja, grupo iniciado por inspiração do Pe. José Comblin, desde 1998, e que já há vários anos, se reúne semanalmente na UFPB, do qual Ricardo foi um dos membros mais assíduos, a debater temas delicados de conjuntura eclesial, textos de teólogos e teólogas da Libertação, etc.
Para quem não o conhecia de perto, talvez tenha sido surpresa a densa festa de alegria e esperança em que se transformou seu velório, celebrado tanto em Recife (dia 3/12, dia de sua páscoa definitiva) quanto no Alto do Mateus (em João Pessoa, dia 4/12). Aqui, na Igreja de São Mateus, a comunidade do Alto se fazia presente com muita força. Também amigos e amigas tantas de outros bairros, de outros municípios, de outros Estados. Presentes sua esposa Ana, seus filhos Mateus e Francisco. Não bastassem os depoimentos e testemunhos de tanta gente, como esquecer o testemunho prestado pelo seu filho Mateus, de 25 anos, a expressar o rico legado do pai, fundado na pedagogia do exemplo e da amorosidade, manifesta inclusive nos momentos de dar bronca nos filhos. Antes de nos dizer qualquer coisa, tomava seu violão, tocava/cantava uma música, olhava para nós e nos falava o que tinha a nos dizer.
Também não me foi surpresa a mensagem recebida de Pe. Reginaldo Veloso, hoje, dia 6/12, dando conta de que “Ricardo Brindeiro e Madiga, Nelson Mandela são os grandes sinais de Natal deste ano de 2013.” Sentimento que fazemos nosso!
Com seu jeito amoroso de ser e de militar, Ricardo se torna figura emblemática de militante de um novo tipo. Distanciando-se daquele perfil sisudo e enrijecido, Ricardo testemunhava sinais de bondade, abertura, amorosidade a temperar sua vida de profundo compromisso com a causa libertadora do povo dos pobres, na pespectiva do Seguimento de Jesus.
Obrigado, Ricardo! Você segue vivo e presente a nos inspirar práticas de amorosidade com o Planeta, com os humanos e com toda a comunidade de viventes, pelas trilhas do Reinado de Deus!


João Pessoa, 6 dezembro de 2013.





martes, 3 de diciembre de 2013

Saudades de quem vai, iluminando quem fica: Ricardo Brindeiro presente! presente! presente!


Hoje, 03 de dezembro de 2013, o mundo perdeu um lutador do povo que durante muitos dias de sua vida trilhou seu caminho acreditando na possibilidade de que possamos, trabalhadoras/es unidos,  mudar o mundo, acabando com as opressões e injustiças que nos atingem: Ricardo Brindeiro.

Ao receber hoje pela manhã uma ligação telefônica de um companheiro para me informar da despedida de Ricardo Brindeiro, uma lágrima caiu dos olhos e a saudade apertou o peito. Ao longo do dia várias lembranças passaram por minha mente, sendo que todas foram de momentos extremamente alegres e de luta. Transformei minha tristeza em alegria. Não pela dor da perda de um camarada tão querido e generoso. Mas por gratidão de ter compartilhado com esse companheiro momentos extremamente significativos na minha vida. 
Com Brindeiro, iniciei a minha militância na Assembléia Popular, fazendo trabalho de base na comunidade do Alto do Mateus em João Pessoa. Entoando canções de luta e palavras de ordem contra os altos preços da energia. Também com Brindeiro estive em várias  reuniões e mobilizações de rua em que sua voz e seu fiel companheiro,o violão, fazia ressoar a mística para animar lutadoras e lutadores do povo na luta por uma sociedade justa. Esteve conosco no ato das Mulheres do Campo e da Cidade contra a violência e a impunidade, animando mais de 700 mulheres da Paraíba que reivindicaram o fim da violência contra as mulheres e a efetivação de políticas públicas dirigidas as mulheres vítimas de violência.
 Compartilhei com Brindeiro muitos momentos de risadas, brincadeiras e de generosidade. Uma carona em um momento difícil  da minha vida para rever minha família no Natal há cerca de um ano foi apenas mais uma expressão do tamanho da solidariedade que este homem era capaz de emanar em nome de uma sociedade de homens e mulheres livres.
Mesmo nos momentos mais difíceis do tratamento contra um câncer de pulmão , este homem manteve-se alegre, esperançoso e incentivando a união de lutadores e lutadoras para seguirem em frente.
Depois das várias lembranças, a tristeza foi. A saudade chegou, mas a luz  da alegria desse grande lutador ficará entre nós para nos lembrar que a luta se faz sorrindo e cantando.

"Viva a luta! Viva!
Nossa União! Quem são vocês? 
O povo unido outra vez.
Quem são vocês? O povo unido outra vez!"