lunes, 29 de abril de 2013

Há Mulheres...


Há mulheres que se pintam de caulim

na costa do marfim
Para o Deus louvar

Eu também me pinto para o luar em mim a prata derramar

Oh!  Musa da Inspiração!
Oh! Musa da Inspiração!
Oh! Musa da Inspiração!

Caia sobre mim esse céu sem fim.

(Rita Ribeiro)

viernes, 26 de abril de 2013

Às mulheres sertanejas.

Com a retorno das quedas da água do céu da Paraíba, pus-me a pensar nas mulheres sertanejas. 
Elas que ficam, enquanto eles vão às terras do Sul e Sudeste deste país, retirantes em busca da pseudo-sobrevivência.
Elas que carregam as latas na cabeça e a educação doméstica das filhas e dos filhos. 
Elas que sentem fortemente a violência patriarcal que a reproduzem às vezes submissamente.
Elas que foram seduzidas ou estupradas pelos colonizadores europeus.
Elas que também se rebelam, em minoria, e transformam a dor em força.

A elas dedico essa bela composição de Vanessa da Mata e Chico César.


A força que nunca seca.
( Vanessa da Mata e Chico César)


Já se pode ver ao longe 

A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga 
Mais do que o corpo dita 
Que faz o equilibrio cego 
A lata não mostra 
O corpo que entorta 
Pra lata ficar reta

Pra cada braço uma força 
De força não geme uma nota
A lata só cerca não leva 
A água na estrada morta 
E a força nunca seca 
Pra água que é tão pouca



Segue ainda o link com a interpretação de Vanessa da Mata e de Chico César:  http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=lq2X7_vQ_iU#!

jueves, 25 de abril de 2013

"Violência, a marca do poder masculino "

Reproduzo, abaixo, um texto interessante sobre a construção histórica  e social da violência patriarcal, com bons elementos para a reflexão e para a nossa prática militante feminista.

Segue:


Vasta sequência de dados revela: desde pré-história, domínio machista está associado à especialização cultural dos homens no exercício da força bruta 
Por Henrique Carneiro, do Blog Convergência | 
 
                           (Imagem: AntoonVan Dyck, Sansão e Dalila (1630)

A masculinidade, como todas as identidades, é social e historicamente construída em cada sociedade. Em quase todas, entretanto, há uma especialização masculina na violência.
Partilhamos de uma herança ocidental que traz nos étimos da própria língua os traços arcaicos, mas presentes, de formas de pensamento de longa duração. O radical latino que identifica o masculino, vir, é o mesmo que formará a palavra virtude, definindo a própria noção de virtude como algo masculino e, portanto, guerreiro. A violência viril é um emblema da masculinidade que nasce com as primeiras civilizações e permanece como essência do próprio conceito de civilização, uma civitas apenas de homens, mesmo quando concebida na forma republicana ilustrada moderna[1], onde mesmo o direito de voto feminino foi mais que tardio.
Tal situação nem sempre ocorreu. Mesmo que a ideia de um matriarcado historicamente anterior ao advento das civilizações patriarcais não seja algo demonstrável de forma generalizada, inúmeros autores admitem que “os namoros, dos quais dizem que Zeus teria cultivado com Metis, Themis, Eurinome, Demeter, Leto, Hera, Semele, Alkmena, etc., não são apenas expressões de antigas relações sexuais patriarcais, mas também ressonância de uma vitória de grande amplitude, que, no espaço do Mediterrâneo, tribos patriarcais haviam conquistado sobre tribos organizadas por matriarcado”[2]. A literatura antropológica também é rica de relatos de sociedades indígenas mais igualitárias e com papéis sexuais de gênero muito diversificados[3].
Apesar de referências antigas às deusas mães e a existência de descendências predominantemente matrilineares em certas culturas, o domínio patriarcal sobre a narrativa da história foi universal, atingindo até a pré-história.
O debate arqueológico também foi um campo no qual se construiu uma visão idealizada da supremacia masculina a partir da força física e da prática da caça da megafauna, praticada por homens, quando outros estudos vêm apontando, pelo contrário, o papel central da mulher e da sociabilidade feminina ligada ao parto assistido e à presença crescente do hormônio oxitocina, e à ideia da cooperatividade como padrão cultural bem sucedido na história da humanidade[4]. A “revolução criativa” de cerca de 40 mil anos atrás foi o resultado de uma sociotropia baseada no interacionismo cooperativo que levou aos utensílios complexos, à imagística e à arquitetura e não uma suposta “corrida armamentista do Paleolítico superior” de machos caçadores.
Foi o guerreiro masculino, entretanto, que despontou como o grande agente da história das civilizações. Briseida, como cativa de guerra de Aquiles, no relato da Ilíada, de Homero, é um exemplo prototípico do papel de prendas sexuais, de botim humano, que as mulheres foram submetidas ao longo de boa parte da história da humanidade[5]. Uma formulação explícita dessa ideia se encontra em Adolf Hitler, que escreveu em Mein Kampf que “as mulheres (…) assim também as massas gostam mais dos que mandam do que dos que pedem”.
Essa condição de uma atribuição guerreira ao homem e de pilhagem para a predação sexual à mulher acompanhou as sociedades humanas das primeiras civilizações ao século XX. Na segunda guerra mundial, a violência sexual contra mulheres alcançou dimensões quase sistemáticas, especialmente na vingança contra a população alemã desencadeada pelos exércitos vitoriosos, especialmente o soviético no front oriental[6]. No final do século XX, o uso do estupro como arma de guerra continuou a ocorrer em massa, da ex-Iugoslávia ao Congo.
Os homens são responsáveis, mesmo em “tempos de paz”, por 90% de todos os assassinatos cometidos na atualidade no mundo e por praticamente 100% dos estupros. Isso não deve, entretanto, nos levar a aceitar a tese do senso-comum de que o homem é naturalmente (“biologicamente”) mais propenso à violência do que a mulher. No artigo “Why Are Men So Violent?”[7], por exemplo, Jesse J. Prinz argumenta contra os que vêm determinações biológicas na maior propensão masculina à violência refutando a tese do “macho guerreiro” por natureza. As formações sociais surgidas após o Neolítico tenderam a reforçar o poder patriarcal e as condições históricas das representações da masculinidade como violência reforçaram as formas materiais da desigualdade no trabalho, na reprodução e na família.
A menor incidência feminina nos crimes violentos não impediu que muitas mulheres também cometessem assassinatos, mas no panorama europeu do final do século XIX, poucas eram as condenadas por esses crimes, especialmente se fossem mulheres de classes sociais mais abastadas. A tendência dos tribunais naquela época, sobretudo na França, sempre foi de absolvição dos crimes passionais femininos, sob o argumento da maior fragilidade emocional e mental feminina e sua maior suscetibilidade aos rompantes de passionalidade.
Os homens tinham o direito público à expressão da violência, não só como soldados nas guerras, mas por meio da ritualização masculina da ofensa à honra e sua reparação por meio do desafio ao duelo. Às mulheres, vetado seu espaço no teatro masculino da violência “honrada” em conflitos bélicos ou em duelos pessoais, restava um uso de violência por meios espetaculares emblemáticos, como os ataques com ácido sulfúrico, conhecido como vitríolo, que fez da mulher “vitriólica” uma expressão particular de uma violência vista como especificamente feminina: a da “criminosa passional”. Com a emoção excessiva, a mulher era vista sempre como uma histérica em potencial, e na visão médica oficial, a “superficialidade, infantilismo, imprevisibilidade e sugestionabilidade” eram as características femininas[8]. Isso, que também era chamado de “caráter mercurial”, opunha-se ao ideal de masculinidade do absoluto “sangue frio” diante do risco, da dor e da morte. Nesse aspecto, o duelo foi um emblema dessa identidade masculina e proibido às mulheres. Ao resenhar três livros sobre o assunto em “The Duel in the History of Masculinity” W. Scott Haine resume o enfoque historiográfico europeu sobre o tema[9].
A noção de “código de honra” com origem medieval evoluiu na época moderna para contemplar a burguesia em um novo padrão de conduta e num novo ideal de masculinidade que buscava disciplinar três atividades correlatas ligadas à agressividade e à competitividade que definiam o modelo de comportamento ético masculino: a guerra, o duelo e o esporte.
O código de honra masculino que regeu os duelos era um código costumeiro que subsistiu mesmo diante da proibição formal dos duelos, feita na França por Richelieu, assim como em outros países nos quais o estado moderno absolutista buscou um monopólio da violência.
Com a publicação de um novo código dos duelos na França em 1836 pelo conde de Chatauvillard, o Essai sur le duel, estabeleceu-se a primazia do duelo por esgrima até o “primeiro sangue”, o que fazia ser mínimo o número de mortes. Na Inglaterra, após 1850 também declinou a moda dos duelos. Mas na França ela se manteve numa média de 200 por ano subindo quando havia crises políticas como o caso Dreyfus. Na Alemanha, um padrão mais aristocrático militar prevaleceu fazendo da pistola a arma por excelência dos duelos, o que causava falecimentos em ao menos um quinto deles. Havia menos duelos na Alemanha, mas com resultados muito mais mortíferos. Até mesmo uma figura como o líder socialista F. Lassalle envolveu-se em um duelo, morrendo por isso em 1864. Embora formalmente proibido, até mesmo o chanceler Bismarck desafiou em 1865 o político e cientista Virchow a um duelo que não se realizou.
Na Itália moderna e contemporânea os duelos teriam perdurado mais tempo do que em qualquer outro país europeu e o próprio Mussolini teria participado ao menos de cinco quando jovem[10]. O modelo de identidade hipermasculina da Itália teria, dessa forma, muito a ver com a exaltação da violência agonística ritualizada.
No Brasil, o duelo sempre foi proibido, mas mesmo assim realizado. Como escreve J. R. M. Remedi, “em razão da proibição vigente desde os tempos coloniais das práticas de duelos, era considerado um crime lesa-majestade, ou seja, contra a honra do próprio imperador”, mas, “apesar de proibido pela lei brasileira, os duelos eram mais frequentes que imaginamos e, raramente, produziam condenações maiores aos praticantes”[11]. O caso mais célebre talvez seja o que envolveu o general Bento Gonçalves que, em 1844, considerando-se insultado desafiou seu camarada de armas, o coronel Onofre Pires, ambos líderes da revolução Farroupilha, e este último, ferido, acabou morrendo após alguns dias.
Esse duelo é emblemático, pois ambos os contendores eram primos-irmãos e amigos e camaradas de armas havia trinta anos. Bento, general dos Farrapos, começou a ser questionado pela facção liderada por David Canabarro, à qual se passou Onofre Pires. Após intrigas e acusações, Bento escreve uma carta pedindo confirmação das acusações e Onofre escreve outra confirmando, o que leva Bento a desafiá-lo ao duelo de espadas. Na manhã de 27 de fevereiro de 1844, vão a cavalo para um local onde lutam e, mesmo sendo mais jovem que Bento em 11 anos e de imensa estatura, Onofre é ferido no antebraço direito. O duelo acaba, o próprio Bento o socorre, mas a ferida gangrena e ele morre em poucos dias. Esse duelo, que foi tema de vasta literatura[12] e é encenado até hoje em comemorações de tradições gaúchas, sintetiza a tragédia da violência por honra que irrompe entre homens que se amavam como irmãos, mas chegam a se ferir de morte duelando.
A honra era ferida por palavras proferidas em público sem que tivesse havido posteriores desculpas também públicas, o que trazia ao ofendido, caso não buscasse uma reparação, a pior das vergonhas. A ofensa podia ser também a uma mulher, por palavras ou atos, o que levaria imediatamente aos seus parentes diretos a necessidade de restaurá-la por meio do sangue. Nesse caso, a escolha das armas cabia ao ofendido, sendo tradicional também no Brasil a opção entre a espada e a pistola. No caso gaúcho, especialmente na cultura da fronteira, uma modalidade de duelo comum era com o uso de facas.
Da mesma forma que no código francês de 1836, também no Brasil eram “frequentes os relatos dos duelos cavalheirescos em que os tiros são disparados para o alto, sem intenção de ferir o oponente. Tal situação se dava devido ao entendimento de que bastava entre homens de honra colocar-se de peito aberto frente a uma pistola para provar a sua coragem e resolução. Assim como muitos duelos acabavam nos primeiros ferimentos que vertessem sangue, quase sempre com a enunciação da conhecida sentença: um gota de sangue de um homem honrado é suficiente para retirar as nódoas da ofensa”.[13]
O estado mental da violência é assemelhado às vezes ao da fúria e, na busca dessa condição, os homens usaram, muitas vezes em condições de monopólio de gênero, drogas psicoativas capazes de alterar a consciência e aumentar a predisposição para a violência. A mais comum dessas drogas sempre foi o álcool, proibido ou censurado para as mulheres em muitas sociedades.
No livro Selvagens bebedeiras, João Azevedo Fernandes mostra como o uso das bebidas alcoólicas para fins de agonismo masculino, ou seja, de disputa e combate, foi uma característica marcante das sociedades ameríndias, servindo para a construção do “ethos guerreiro”.
Esse beber viril continuou a existir na cultura masculina dos bares, em que a quantidade de bebida ingerida equivalia à suposta masculinidade que se buscava demonstrar. Como escreve Jack London, em suas Memórias alcoólicas, “quando moço, graças à taverna escapei às limitações da influência feminina e me lancei no vasto e livre mundo dos homens” (p.14).
No Brasil, a cultura da aguardente foi fundamental para o desempenho da mão de obra escrava, especialmente no âmbito da mineração. Mais tarde, a vida urbana nacional também conheceu um uso de bebidas que eram servidas em estabelecimentos específicos, de frequência majoritariamente masculina.
O beber como “macho” toma também uma forma de duelo, em que se disputa a capacidade de ingerir maiores quantidades em menor tempo. O ambiente do bar se constitui como o espaço de socialização prioritário do trabalhador masculino, em contraposição ao ambiente doméstico governado pelos princípios femininos da vida familiar.
Em contraposição a essa vida pública masculina nos espaços da alcoolização, emergiu desde o século XIX um discurso médico, de matriz eugenista, que condenava as bebidas alcoólicas sob o argumento de que elas comprometem a masculinidade tanto organicamente, por provocarem impotência, atrofia dos testículos e até mesmo a morte, como do ponto de vista moral, por afastarem os homens da família e do trabalho[14].
O declínio da prática dos duelos no mundo ocidental foi acompanhado da institucionalização cada vez maior dos esportes como arena das disputas masculinas, onde a própria esgrima e as artes marciais em geral assumiram cada vez mais a condição de uma prática esportiva do que de uma luta. Por essa razão, a participação feminina nos esportes foi muito limitada até o final do século XX. Mesmo em maratonas, mulheres não eram admitidas até os anos de 1970. A elevação do duelo esportivo à condição emblemática da disputa viril ritualizada com violência atenuada pode se verificar numa pesquisa da ocorrência da palavra “duelo” num programa de busca na Internet, em que praticamente todas as menções vão tratar de esportes.
O exercício da violência como prerrogativa masculina extravasou a esfera direta do conflito militar para investir toda a representação da masculinidade com os seus atributos: códigos de honra como “códigos de cavalheiros” na ritualização da agressividade e no seu direcionamento a formas atenuadas de disputa, tanto no âmbito dos esportes, como nos duelos e nas práticas de ingestão alcoólicas, todas codificadas como exercícios de masculinidade. A virilidade assim se constitui como um conjunto de hábitos e símbolos, como vícios da violência codificada e protocolada em que o lutar, o jogar, o beber, o brigar são socialmente moldados como representações do duelo, de forma a inscrever a diferença dos sexos num teatro social em que o protagonismo da violência literal e simbólica é estabelecida como a virtude por excelência dos homens, mesmo que estes cenários venham sendo, nas últimas décadas, alterados pela emergência dos movimentos feministas e de igualdade de direitos que conquistaram para as mulheres espaços crescentes na vida pública, nos esportes, no consumo alcoólico e mesmo nas atividades militares.
Henrique Carneiro é historiador, bacharel, mestre e doutor em História Social pela USP. Professor na cadeira de História Moderna no Departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), é também pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Publicou seis livros e diversos artigos para jornais e revistas acadêmicas (ver aqui). Sua linha de pesquisa atual aborda a história da alimentação, das drogas e das bebidas alcoólicas. Seus textos publicados em Outras Palavras estão publicados aqui

Referências bibliográficas:
BESSEL, Richard, Alemanha, 1945, São Paulo, Companhia das Letras, 2010.
FERNANDES, João Azevedo, Selvagens bebedeiras. Álcool, embriaguez e contatos culturais no Brasil colonial (séculos XVI-XVII), São Paulo, Alameda, 2011.
HARRIS, Ruth, Assassinato e loucura. Medicina, leis e sociedade no fin de siècle, Rocco, Rio de Janeiro, 1993.
LONDON, Jack, Memórias alcoólicas, São Paulo, Editora Paulicéia, 1993.
MATOS, Maria Izilda Santos de, Meu lar é um botequim. Alcoolismo e masculinidade, São Paulo, CEN, 2000.
REMEDI, José Martinho Rodrigues, Palavras de Honra: um estudo acerca da honorabilidade na sociedade sul-rio-grandense no século XIX, a partir dos romances de Caldre e Fião, Tese de Doutorado em História apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Área de Concentração: Estudos Históricos Latino-Americanos, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS, São Leopoldo- RS, 2011.
TÜCKER, Christoph, Filosofia do sonho, Ijuí, Editora Unijuí, 2010.
Notas:

[1] Para uma crítica feminista à história da dominação masculina no campo da teoria política do contrato, vide O Contrato sexual, de Carole Pateman (São Paulo, Paz e Terra, 1993)
[2] C. Tücker, Filosofia do sonho, Ijuí, Editora Unijuí, 2010, p.61.
[3] Eleanor B. Leacock, em Myths of Male Dominance. Collected Articles on Women Cross-Culturally (Monthly Review Press, 1982) traz uma ampla discussão sobre esta temática revendo as teses de Morgan, Bachofen, Engels, etc.
[4] Vide Sexo invisível. O verdadeiro papel da mulher na pré-história, J. M. Adovasio; Olga Soffer e Jake Page, Rio de Janeiro, Record, 2009.
[5] Sobre as relações entre as identidades masculinas e a prática da guerra e a história dos códigos cavalheirescos vide Robert A. Nye, Western Masculinities in War and PeaceThe American Historical Review, vol. 112, nº 2, abril de 2007, inhttp://www.historycooperative.org/journals/ahr/112.2/nye.html
[6] Richard Bessel, em Alemanha, 1945 (p.151) escreve que “a necessidade de humilhar a outrora poderosa e agora impotente “raça dominante” era muito forte. Isso, e não apenas o desejo sexual desenfreado, é que parece ter estimulado a maior parte da violência sexual das tropas invasoras na Alemanha em 1945.”
[8] Vide Ruth Harris, Assassinato e Loucura. Medicina, leis e sociedade no fin de siècle (Rio de Janeiro, Rocco, 1993), p.247.
[9] Comentando desde o livro de V. G. Kiernan, The Duel in European History: Honor and the Reign of Aristocracy (Oxford: Oxford University Press, 1986) até três livros mais recentes: Peter Gay, The Cultivation of Hatred. Vol. III, The Bourgeois Experience: Victoria to Freud (New York and London: W. W. Norton & Co., 1993); Kevin McAleer, Dueling: The Cult of Honor in fin-de-siècle Germany (Princeton: Princeton University Press, 1994) e Robert A. Nye, Masculinity and Male Codes of Honor in Modern France. Studies in the History of Sexuality (New York and Oxford: Oxford University Press, 1993).
[10] Steven Hughes, Politics of the sword. Dueling, Honor, and Masculinity in Modern Italy, Ohio State University press, 2007.
[11] Palavras de Honra: um estudo acerca da honorabilidade na sociedade sul-rio-grandense no século XIX, a partir dos romances de Caldre e Fião, de José Martinho Rodrigues Remedi, Tese de Doutorado em História apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Área de Concentração: Estudos Históricos Latino-Americanos, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-UNISINOS, São Leopoldo- RS, 2011, pp.216 e 220.
[12] A tese de J. M. R. Remedi trata especialmente da obra literária de José Antonio do Vale Caldre e Fião, cujo livro O Corsário: romance rio-grandense (1979) trata do tema do duelo.
[13] Idem, p.218.
[14] MATOS, Maria Izilda Santos de, Meu lar é um botequim. Alcoolismo e masculinidade, São Paulo, CEN, 2000.

miércoles, 24 de abril de 2013

É isso: Carta de mulheres negras (americanas) sobre a Marcha das Vadias.


Em ocasião das novas movimentações  em construção das reedições da " Marcha das Vadias" reafirmando a Carta da MMM sobre a Marcha, reproduzo aqui a carta de mulheres negras americanas posicionando-se contrárias a apropriação do nome "vadias" e o reforço à violência contra as mulheres ( negras, sobretudo).
Não somos vadias! SOMOS MULHERES!
Segue:
Nós, abaixo assinadas, mulheres de descendência africana, anti-violência, ativistas, estudantes, líderes organizacionais e espirituais, queremos nos dirigir à Marcha das Vadias. Primeiro, elogiamos quem organizou essa ousada e vasta mobilização para acabar com a humilhação e culpabilização de vítimas de assédio sexual. Estamos orgulhosas de estarmos vivendo nesse momento em que garotos e garotas têm a oportunidade de serem testemunhas dos atos de mulheres extraordinárias, resistindo à opressão e desafiando os mitos que alimentam a cultura do estupro em todos os lugares. 
Os comentários do policial em Toronto, que motivaram a organização da primeira Marcha das Vadias, foram comentários que trivializaram, omitiram e desconsideraram as experiências contínuas de mulheres com exploração sexual, assédio e opressão, sendo um ataque ao nosso espírito coletivo. Se a desconsideração de estupro e outras violações do corpo da mulher ocorre pelo modo como ela se veste, seu nível alcóolico, sua classe, e nos casos de mulheres de diferentes raçãs e etinias - sua raça, estamos todas de acordo que ninguém merece ser estuprada.
A questão:
Estamos profundamente preocupadas. Como mulheres e meninas de diferentes raãs e etnias, por não encontramos espaço na Marcha das vadias para participarmos e denunciarmos estupro e assédio sexual da maneira que nós o experimentamos. Estamos perplexas pelo uso do termo ‘Vadia’ e a implicação de que esta palavra, bem como as palavras “puta” ou “The N word” deveriam ser ‘reapropriadas’. (nota da tradução: “The N word” se refere à palavra ofensiva usada historicamente contra pessoas negras nos EUA,palavra esta que tem passado por uma enorme banalização no país)
A maneira como somos percebidas, e o que acontece conosco antes, durante e após o assédio sexual vai muito além das barreiras do modo como nos vestimos. Muito disso é ligado a nossa história em particular. Nos Estados Unidos,  onde a escravidão construiu a sexualidade da mulher Negra, sequestros Jim Crow (nota da tradução: “Jim Crow” era o sequestro de crianças negras para serem vendidas como escravas) estupros e enforcamentos, representações de gênero incorretas, e mais recentemente, a luta das mulheres Negras imigrantes, “vadia” tem diferentes associações para mulheres Negras.  Nós não nos reconhecemos nem vemos as experiências vividas por nós refletidas dentro da Marcha das Vadias, especialmente dentro da sua marca registrada.
Como Mulheres Negras, não temos o privilégio ou o espaço de nos chamarmos de “Vadia” sem validar a ideologia historicamente intrincada e recorrente de quem é a Mulher Negra. Nós não temos o privilégio de brincar com representações destrutivas que foram marcadas no nosso imaginário coletivo, nos nossos corpos e nossas almas por gerações. Apesar de compreendermos o ímpeto válido por trás do uso da palavra ‘vadia’ como linguagem usada para enquadrar e representar um movimento anti-estupro, estamos gravemente preocupadas.  Para nós, a trivialização do estupro e a ausência de justiça são cruelmente ligadas à narrativas de vigilância sexual, acesso legal e disponibilidade da nossa humanidade. É ligado a ideologia institutionalizada de nossos corpos como objetos sexuais da propriedade de outra pessoa, espetáculos de sexualidade e desejo sexual. É ligado as noções de nosso corpos, com roupas ou sem roupas, serem impossíveis de serem estuprados, seja na plataforma de leilão (nota: local onde se colocavam escravos à venda), nos campos ou na tela da televisão. A percepção, e a larga aceitação de especulações sobre o que a Mulher Negra quer, o que ela precisa e o que ela merece, há muito tempo ultrapassou as barreiras de somente como ela se veste. 
Sabemos que a Marcha das Vadias é um chamado para ação, e nós te escutamos. Mas ainda lutamos com a decisão de responder a esse chamado nos juntando a vocês, ou apoiando algo que mesmo no nome exemplifica a maneira com que movimentos de mulheres têm repetidamente excluído mulheres de diferentes raças e etnias, mesmo em espaços onde nossa participação é mais relevante. Estamos com dificuldade com o como, o porquê e o quando e nos perguntamos a que ponto a Marcha das Vadias deveria ter incluído representações substanciais de mulheres negras na construção e na marca desse movimento com base nos Estados Unidos que desafia a cultura do estupro. 
Mulheres Negras vêm trabalhando incansavelmente desde o século 19 para livrar a sociedade do vernáculo sexista/racista de vadia, jezebel, hottentot, mammy, mule, sapphire (nota da tradução: todos estes são termos da língua inglesa usados como estreótipo e/ou xingamento para mulheres negras. No Brasil, também temos estes termos que objetificam, segregam e ofendem mulheres negras, dividindo-as em ‘tipos’)  Fizemos isso para construir nosso senso de nós mesmas e redefinir o que mulheres que parecem com a gente representam. Apesar de veementemente apoiar que uma mulher tem o direito de usar a roupa que quiser, quando quiser, dentro do contexto da Marcha das Vadias, nós não temos o privilégio de andar pelas ruas de New York, Detroit, D.C., Atlanta, Chicago, Miami, L.A. etc., nem semi-nuas nem cobertas de roupas nos identificando como ‘vadias’ e achar que é isso que vai fazer as mulheres ficarem mais seguras em nossas comunidades uma hora depois, um mês depois, um ano depois. E ainda mais, temos muito cuidado para não passarmos para garotas jovens a mensagem de que podemos nos identificar como ‘vadias’ enquanto ainda estamos trabalhando para erradicar a palavra ‘Ho”, derivada da palavra ‘Hooker’ ou “Whore’, que foi uma palavra inventada com a intenção de desumanizar (nota da tradução: apesar de Ho e Hooker serem traduzidas comumente como ‘puta’ e ‘prostituta’, estas palavras na verdade têm uma carga negativa maior no inglês, que também tem a palavra ‘prostitute’ - que em muitos casos não é considerada tão ofensiva como ‘hooker’ ou ‘whore’.) E por último, não queremos encorajar nosso jovens homens, nossos pais, filhos e irmãos Negros, a reforçar a identidade de mulheres Negras como ‘vadias’, normalizando o termo em camisetas, bottons, folhetos e cartazes.
O pessoal é político. Para nós, o problema da banalização do estupro e ausência de justição está interligado com raça, gênero, sexualidade, pobreza, imigração e comunidade. Como mulheres Negras na América, devemos ter cuidado para não esquecermos disso, senão, podemos comprometer mais do que estamos dispostas a recuperar. Mesmo que somente em um nome, não podemos nos dar ao luxo de nos rotular, proclamar uma identidade, de gritar uma retórica desumanizadora contra nós mesmas em qualquer movimento. Podemos aprender com movimentos bem-sucedidos como o Civil Rights Movement, o Sufrágio das Mulheres, os movimentos Black Nationalist e Black Feminist, que podemos conquistar mudanças sem ter que reapropriar palavras que nunca foram nossas, e na verdade foram usadas contra nós no processo de nossa desvalorização e desumanização.
O que nós pedimos:
Irmãs de Toronto, estupro e assédio sexual é uma arma radical de opressão e concordamos absolutamente que isso requer pessoas radicais e estratégias radicais para a luta. Nesse espírito, e porque ainda há muito trabalho a se fazer e um enorme potencial para fazermos isso juntas, pedimos que a Marcha das Vadias seja ainda mais radical e acabe com o que foi historicamente o apagamento de mulheres de diferentes raãs e etnias e suas necessidades particulares, bem como seu potencial e suas contribuições para os movimentos feministas e todos os outros movimentos.  
Mulheres nos Estados Unidos são racialmente e etnicamente diversas. Todas as táticas para conquistar direitos civis e humanos deve não somente consultar mulheres negras e pardas, mas sim igualmente centralizar todas as nossas experiências e nossas comunidades na contrução, lançamento, apresentação e sustentabilidade do movimento.
Pedimos que a Marcha das Vadias tome atitudes críticas para se tornar coerente com a história de mulheres de diferentes raças e etnias, e envolva-as  de maneira que respeite sua cultura, sua linguagem e seu contexto.
Pedimos que a Marcha das Vadias considere se engajar em um processo de re-identificação e acreditamos que, devido a atual popularidade da Marcha, seus/suas milhares de seguidores/as não vão abandonar o movimento simplesmente porque mudou de nome. 
Nós pedimos que organizadores participantes da Marcha das Vadias façam mais ações para acabar com a banalização do estupro em todos os níveis da sociedade. Tome ações para acabar com o uso da palavra ‘estupro’ como se fosse uma metáfora, e também ações para acabar com o uso de palavras inventadas para perpetuar estruturas racistas/sexistas , desumanizar e desvalorizar.
No espírito de construirmos um movimento revolucionário para acabar com o assédio sexual, o estupro, acabar com mitos sobre estupro e a cultura do estupro, pedimos que a Marcha das Vadias dê um passo a frente em verdadeira autenticidade e solidariedade para se organizar além das marchas e demonstrações como ‘Marcha das Vadias’. Que desenvolvam um plano mais crítico, mais estratégico e mais sustentável para juntar todas as mulheres, para exigir que países, comunidades, famílias e indivíduos apoiem os direitos um dos outros à integridade do seu corpo, e coletivamente falar um NÃO poderoso para a violência contra mulheres. 
Nós estaríamos abertas a uma reunião com organizadores/as da Marcha das Vadias, para discutir o potencial intrinseco, o alcance global e o enorme número de seguidores que mobilizou. Nós iríamos dar boas vindas à oportunidade de ter conversas críticas com organizadores/as de Marchas das Vadias, sobre estratégias de nos mantermos com aresponsabilidade pelos milhares de mulheres e homens em marcha deixadxs pra trás no Brasil, em Nova Déli, na Coréia do Sul e em vários outros lugares. — marchas que continuam precisando de segurança e recursos, marchadores/as que voltaram pra suas casas, suas comunidade e suas vidas. Daríamos boas vindas a uma conversa sobre o trabalho a ainda  ser feito e como isso pode ser feito juntamente com grupos através de várias barreiras, para acabar com o assédio sexual além das marchas.
Como mulheres Negras na interseção de raça, sexualidade, gênero, classe e mais, continuaremos em luta incansável para desmantelar os sistemas inaceitáveis de opressão, planejados para sitiar nossas vidas cotidianas. Continuaremos a lutar pelo desenvolvimento de políticas e iniciativas que priorizem a prevenção primária do assédio sexual respeito a direitos de mulheres e direitos individuais, agência e liberdades, e responsabilizar os agressores. Vamos consistentemente exigir justiça, seja sob a lei governamental, no nível de comunidades, via estrategias comunitárias para as pessoas vítimas de assédio, e nos organizar para acabar com o assédio sexual de pessoas de todas as diferentes vidas, todos os gêneros, todas sexualidades, todas as raças, todas as etnias e todas as histórias. 
Assinado: The Board of Directors and Board of Advisors, Black Women’s Blueprint | Farah Tanis, Co-Founder, Executive Director, Black Women’s Blueprint  

Fonte: Blog "Uma feminista cansada" http://www.feministacansada.com/post/44143444731

domingo, 21 de abril de 2013

"Eu sou, eu sou, eu sou amor..."




(  Fotografia de Giovanni Marrozzini. http://www.marrozzini.com/index.php)


Dê um rolê

( Moraes e Galvão. Interpretada por Gal Costa. In: Gal Fatal)

Não se assuste pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Não se assuste pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto eles se batem
Dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia
Eu não tenho nada
antes de você ser eu sou
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés
E só tô beijando o rosto de quem dá valor
Pra quem vale mais o gosto do que cem mil réis
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou amor
Da cabeça aos pés.



Vai um doce? " Doce de Pimenta".




Doce de Pimenta.
(Elis Regina. Interpretada por Rita Lee e Elis Regina)
Cada um vive como pode
E eu não nasci pra sofrer
Cara feia pra mim é fome
Eu não faço manha pra comer não!

A vida é como uma escola
E a morte é um vestibular
No inferno eu entro sem cola
Mas o céu eu vou ter que descolar

Mas quando alguém
Precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!

No fundo eu sou otimista
Mas sempre imagino o pior
Me cansa essa vida de artista
Mas cada vez o prazer é maior

Mas quando alguém
Precisa de um carinho meu
Não há nada que me prenda
Mas se eu sentir que um bicho me mordeu
Sou mais ardida que pimenta!



sábado, 13 de abril de 2013

Companheira do MST presa por lutar pela Reforma Agrária...


Reproduzo aqui a nota do MST em solidariedade a companheira de luta, Cicinha, denunciando a criminalização dos que lutam pela reforma agrária e de forma geral contra a ordem capitalista estabelecida.
Não será a tentativa de calar mais uma companheira, que nos fará desistir da luta. 

                                  
                                  " Não ficar de joelhos, porque não é racional renunciar a ser livre"
                                                                                                        Carlos Marighella




Companheira do MST presa por lutar pela Reforma Agrária e denunciar a privatização da Água no Semi-árido Paraibano.


No dia 08 de março do ano passado, no município de Sousa, Paraíba, cerca de quinhentas mulheres e homens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra fizeram uma mobilização ocupando o perímetro irrigado das Várzeas de Souza para denunciar a falta de rigor na fiscalização dos lotes irrigados que deveriam ser destinados prioritariamente para fins da reforma agrária, além do uso abusivo e descontrolado de agrotóxicos na produção agrícola de milho pelo Grupo Santana, empresa do agronegócio que mais se beneficia da irrigação.
Mais uma vez, no dia 08 de março de 2013, as mulheres e homens do MST ocuparam a mesma área de bombeamento do açude de coremas reivindicando Água para os assentamentos Nova Vida I e II; Terra para os 350 acampados e acampadas da região; além do cancelamento da licitação dos lotes 20 e 21 que totalizam quase 1000 ha de terras irrigadas. Também denunciamos que o Grupo Santana, empresa do agronegócio, continua sendo quem mais se beneficia das políticas públicas federais e estaduais de acesso a água no semi-árido Paraibano, utilizando essa irrigação na produção de milho e sorgo para fabricação de ração animal, sendo que nesse momento de intensa estiagem, de acordo com a constituição brasileira, essa água deveria ser priorizada para consumo humano, seguido de consumo animal e por último o consumo vegetal e não para gerar lucros nas contas bancárias de empresas do agronegócio.
Como repressão das denuncias realizadas, na tarde de ontem (08/04/2013) a companheira Cícera Soares Timóteo, militante do MST, foi presa e acusada injustamente de roubo, dano do patrimônio privado e incêndio. O grupo Santana principal privilegiado pelas políticas públicas de distribuição de água se coloca como vítima e acusa a Companheira Cícera através do Ministério Público Estadual que entrou com o mandado de prisão.
Nós exigimos a imediata libertação da companheira Cícera e a retirada no mandado de prisão.  Seguiremos com as denúncias, resistindo contra a privatização das águas e da terra, e, lutando pela mudança do modelo de produção no semi-árido com o objetivo de trazer o desenvolvimento humano para a população da Paraíba!
Não aceitamos mais a indústria da seca e esse modelo de produção que desumaniza, alertando que as mulheres e crianças são os que mais sofrem com o desvio de recursos públicos que deveriam ser utilizados para a convivência com o semi-árido e que são historicamente empregados em benefício das oligarquias e atualmente também por empresas do agronegócio.
           
Reforma Agrária: Por Justiça Social e Soberania Popular!
João Pessoa, 09 de abril de 2013.
Secretaria Estadual MST – PB

domingo, 7 de abril de 2013

AUTOCONHECIMENTO, RENASCIMENTO E MATURIDADE.


Estou a experimentar um momento bem interessante na vida.  Completei trinta anos no último dia 29 de março. Embora a data de aniversário e a idade tenha uma representação importante na vida, e, realmente está tendo na minha vida, e merece-se aos olhos de muitos, explosões de fogos de artifícios (para as/os exageradas/os) ou uma festa rodeada de pessoas com quem se tem cotidianamente contato, ou não, preferi a calmaria e a intimidade, sem notificações no facebook, por vezes, tão superficiais e protocolares, sem e-mails avisando aos outros de um possível encontro, sem expressões efusivas de uma vida popular, que não tenho. Triste? Para os que estão imersos em relações superficiais e, por vezes hipócritas sim, para mim não.
Recibi, sim, felicitações de pessoas que tem significação importante na minha vida. Não cabe aqui eu fazer referência a nomes e a intensidade dessa significação. Elas foram suficientes para eu ter a noção de quem se importa, de quem se interessa e de quem gosta de mim dentro do círculo de pessoas com quem convivo ou convivi. É certo ainda que diante do tamanho de informações que hoje guardamos, acabamos por selecionar determinadas informações e não memorizar outras como datas de aniversário. Há pessoas que não recordaram da data, mas que a relação de afeto no dia a dia, nas lembranças, nos desejos de felicidade e nas demonstrações de afeto, valem até mais que um “Parabéns” no dia do aniversário. Isso é o que importa.
Andam comentando de um isolamento e afastamento de minha parte. Reduzi significativamente o número de atividades com o que estava envolvida, sai de redes sociais e estou a selecionar por restrições financeiras e por interesse as atividades a que frequentar, para dedicar-me a um objetivo que nesse momento precisa de foco, determinação e motivação para ser atingido.  As experiências de vida que marcam minha memória (origem de classe e a dedicação familiar com quem sou tratada ao longo desses trinta anos), as exigências que a materialidade da existência me impõem, a contra-gosto, e o projeto de sociedade que defendo e em que acredito não me farão perder esse foco.
Seguir firme nos meus propósitos com questionamentos vindos de diversas partes, interpretações equivocadas, desinteressadas e algumas vezes maliciosas de pessoas que sabendo como entrar em contato comigo não o fazem, embora possam tornar o caminho às vezes chato, incômodo e dolorido, para quem nunca gostou de interferências desrespeitosas e de determinações externas à vontades próprias, torna o desafio, mais intenso e significativo na afirmação do que sou, do que quero para mim e para o mundo, como mulher negra de origem pobre; feminista, socialista e comunista em formação.  
É tempo de assertividade, aprofundamento e seletividade.
É como se estivesse a renascer.  Renascimento significa no dicionário Aurélio nascer de novo (na realidade ou na aparência); 2. Renovar; 3. Remoçar.
O prefixo (re-) tem uma intenção importante e necessária. Não parto do zero. As experiências que tive ao longo da vida são sempre tomadas como aprendizado. Não saio ilesa a elas. Não me servindo mais tento extrair delas aprendizados que juntamente com outros vão me compondo.
Esse renascimento tem a ver com a forma de encarar e resolver as coisas da vida. Há algum tempo atrás, cedia a algumas coisas pela possibilidade de agradar ou de não magoar os outros. Acabava me magoando. Havia ainda uma tendência de justificar-me por determinadas decisões. Essa postura pouco segura acaba dando espaço para as pessoas determinarem certos rumos da minha vida. Não estou mais disposta a repetir alguns padrões de comportamento. Isso não significa, entretanto, negar trocas de experiências e aceitar opiniões que contribuam com os meus objetivos. 
Em conjunto, a forma de lidar com os relacionamentos afetivos inter-sexuais, fortifica-se. Certas ilusões a mim não me cabem mais. Até estico a ponta do elástico para ver onde vai dar, mas pressentindo pelas experiências anteriores, certos comportamentos machistas  dos homens  e que tendencialmente posso sentir até aonde vai dar, são relativamente compreendidos e não me causam tanta dor como outrora.
Na desconstrução das verdades, de "falsas ilusões" muitas vezes existentes apenas no mundo romântico das mulheres, principalmente, é preciso viver os encontros, lidar maduramente com os desencontros, sabendo a hora de chegar e a hora de sair desapegadamente.  Na vida, seja nos relacionamentos fraternais seja nos relacionamentos amorosos e carnais, o que é preciso levar são as experiências boas que te fazem evoluir... É o gosto por aquele autor do outra/o que te fez interessar, é o sabor do vinho que o outra/o experimentara em outro país, é o som e a melodia de uma música que marcou a vida do outra/o... É preciso, sobretudo, nesses encontros perceber o quanto eles nos fazem bem o mal. O quanto eles não estão a nos colocar numa posição subalterna, submissa ou podem tendencialmente evoluir para a não reciprocidade. E quando a mente influenciada pelas histórias de contos de fada, pelas novelas de amor, pelos filmes e livros românticos nos fizerem cair em malhas de ilusão, tentar, sobretudo, viver o presente. Dói, mas também é delicioso descobrir que as histórias que não são nossas e que não nos cabem precisam ser devoradas.
Essa postura diante da realidade me coloca novamente à vista e nas mãos o amor ao estudo. Sempre gostei de estudar. Quando criança já era curiosa em relação às coisas e aos mistérios do mundo. Minha mãe costuma contar que eu ficava aos cantos da sala com o dedo na boca a observar as pessoas. Chupeio meu dedo polegar esquerdo já na barriga da minha querida mãe até os 9 anos de idade quando  parei de chupar por decisao própria. Depois de um tempo, o prazer de chupar o dedo foi interrompido pelas normas de comportamento sociais pré-estabelecidas; acabei seguindo-as, mas também não senti falta, ocupei esse espaço com outras ocupações. Diante dessa postura, o comentário da família é que não daria “nada nos estudos”. Acho que somente por provocação e por ir ao contrário dessa impressão, fiz exatamente o contrário.
Tinha eu alguma suposição de respostas, ou buscava respostas para certos acontecimentos de ordem biológica, física u química. Era uma criança metida, no sentido de me interessar pela conversa de adultos e de amigas da minha irmã mais velha.  Tinha a iniciativa de participar de algumas atividades mesmo sem ser convidada, é verdade que algumas dessas posturas, às vezes trouxeram prejuízos para minha mãe e meu pai, mas eram posturas provocadas pela necessidade de expansão e de ação.
Acabei me destacando na escola. Essa condição de destaque me colocava também em situações desagradáveis. Ora pela inveja de algumas pessoas, ora pelo preconceito, e muitas vezes pela aproximação interesseira e utilitarista.  Na adolescência, todo mundo queria fazer trabalhos escolares com a estudiosa, mas nada mais que isso à exceção de algumas poucas amizades que fizeram e que assim como eu tinham interesse por literatura, história e política e por quais hoje guardo uma profunda amizade. Quando se tratava de falar das roupas compradas (consumismo), das festas e baladas frequentadas e das paqueras, erámos excluídas. Não pautava minhas amizades na superficialidade e nem por futilidade, mas a sensação de exclusão social que também tinha relação econômica deixou em mim profundas marcas.
Um texto de significativa importância para mim nesse momento é do livro de Rubens Alves “Carta aos pais e adolescentes”. Num dos textos dele, o autor fala das maritacas e aos sabiás, referindo, respectivamente, aos adolescentes que andam em grupos para se sentirem populares e integrados e aos adolescentes mais introspectivos, quietos, inventivos e curiosos, que não andam em grandes grupos, mas que quando abrem a boca tem atenção em razão da propriedade com que falam sobre determinados assuntos. Seriam estes últimos os sabiás que quando abrem a boca, todos páram para ouvir os seus cantos.
Lidar então com determinadas questões não é novidade para mim. Da mesma forma, entender que determinadas condições e forma de encarar e viver a vida, diferentes da das maioria incomoda aos demais também não é novidade. A diferença agora é que não deixo mais mudarem os meus rumos e me entristecerem.

Nos três últimos anos, e, sobretudo, no ano que se segue, pela condição explicitada anteriormente vejo-me na necessidade de maior introspecção. Introspecção e solitude, estas que tem me feito amadurecer significamente, contribuído para me conhecer ainda mais, para saber em que preciso evoluir na condição de mulher negra pobre, feminista, socialista e comunista em formação para atingir os objetivos que quero, não apenas passando pela vida, mas deixando marcas.

“ Não vim ao mundo ‘à passeio’.”  “Nunca foi fácil e não seria fácil agora”. São algumas das expressões que sintetizam um pouco de mim nesse momento.

Ângela Pereira.